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Até que ponto estudar o genoma ameaça a privacidade das pessoas? Contribuir com a pesquisa pode acabar sendo prejudicial para o indivíduo? O líder do Projeto Genoma Humano, Francis Collins, faz um alerta na edição desta semana da revista "Science" exatamente sobre isso. Ao lado do consultor em política e ética de pesquisa em saúde da Suíça, William Lowrance, ele pede que cientistas entrem em um acordo sobre a melhor forma de equilibrar o avanço da ciência e a privacidade das pessoas.

Desde o início do Projeto Genoma, os cientistas se acostumaram com a chamada "divulgação aberta de dados" quando o assunto era o estudo do "manual de instruções" dos seres humanos. Ou seja, tudo que eles descobriam era divulgado sem censura na internet, e qualquer pessoa interessada poderia ter acesso às informações. A intenção é nobre. Com o acesso fácil, qualquer cientista do mundo poderia fazer seus próprios estudos na área, mesmo aqueles que estão muito longe dos grandes centros de pesquisa –- aumentando, bastante, a velocidade dos trabalhos.

O tempo passou, no entanto, e a pesquisa avançou muito –- bem acima do que era esperado há cerca de 20 anos. Se antes estudar o genoma era apenas tentar encontrar qualquer sentido em uma quantidade enorme de letrinhas soltas nesse imenso manual, hoje os cientistas já começam a ler algumas palavras. Com isso, podem dizer, por exemplo, se uma pessoa é loira ou morena, asiática ou negra, apenas lendo o código genético. No futuro, eles esperam ler frases, para poder dizer se alguém tem predisposição ao vício ou a uma doença crônica.

Assim, a divulgação dos dados livremente encontra um dilema. Com o acesso livre, informações genéticas agora podem identificar um indivíduo que participou do estudo. Até agora, quem oferecia seu DNA para ser analisado no Projeto Genoma eram apenas algumas centenas de pessoas, cuidadosamente selecionadas, que autorizavam a pesquisa e a divulgação dos dados depois de muita (muita!) conversa, explicação e negociação.

Com as pesquisas avançando tanto, o código genético de um número cada vez maior de pessoas precisará ser estudado. E é aí que as coisas complicam. Imagine um banco de dados com as informações genéticas de milhões de pessoas com livre acesso a qualquer um interessado. Uma empresa mal intencionada, por exemplo, poderá verificar nesse banco se um possível novo funcionário tem a predisposição a algum problema de saúde que pode forçá-lo a uma licença daqui alguns anos.

Por isso, Collins e Lowrance afirmam que os cientistas vão precisar rever essa política de divulgação aberta de dados, que até agora funcionou tão bem. Isso vai desacelerar a pesquisa? Provavelmente. Mas, a longo prazo, as conseqüências podem ser bem piores, acreditam eles.

"De certa maneira, a pesquisa em genômica pode ficar um pouco mais devagar, mas ela vai acabar ainda mais dramaticamente devagar se a divulção aberta permitir o uso de informações pessoais de uma maneira que possa prejudicar indivíduos ou grupos –- o que resultaria em uma reação pública e política contrária a esse tipo de pesquisa", explicou Lowrance ao G1.

Como resolver o impasse? A dupla sugere duas possibilidades. Ou os cientistas dão um jeito de divulgar os dados sem os pedacinhos de informação genética que tornam uma pessoa identificável, ou eles vão ter que restringir o acesso aos dados apenas para pesquisadores que assinem um compromisso de proteção do material.

As duas soluções têm seus pontos ruins. As informações "identificáveis" também são importantes para os cientistas, e sua retirada pode atravancar os trabalhos. Por outro lado, restringir o acesso a um grupo seleto de pesquisadores tira a possibilidade de todos os cientistas (mesmo aqueles que trabalham nos menores institutos no interior, digamos, do Brasil) de contribuir para a pesquisa. Vai ser preciso entrar em um acordo.

Futuro

Para Lowrance, mais cedo ou mais tarde, as pessoas vão ter que definir como lidar com as informações do genoma, porque elas serão parte de nosso futuro. "Eventualmente, a informação genômica vai se tornar uma parte integral do tratamento médico, assim como aconteceu com as informações enzimáticas e hormonais", disse ele. "As perguntas mais difíceis terão a ver com as decisões e os conselhos médicos tomados a partir de informações sobre os fatores de risco genéticos. E sobre outros assuntos, como os direitos dos parentes das pessoas que decidem colocar seus genomas para análise (porque os códigos genéticos de parentes de sangue são muito parecidos)", explica o cientista.

Por fim, Lowrance diz que o público precisa saber que o estudo do genoma tem um enorme potencial de fazer muito bem para as pessoas nos próximos anos, ao ajudar os médicos a entender muitos fatores envolvidos em algumas doenças. Em um futuro distante, os cuidados com a saúde poderão ser adaptados para cada indivíduo, dependendo de suas características genéticas. "Por isso, o público precisa participar ativamente das discussões sobre essas questões", afirma.

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