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Orquestra militar da China ensaia na Praça da Paz Celestial, em Pequim
Orquestra militar da China ensaia na Praça da Paz Celestial, em Pequim| Foto: EFE/EPA/ROMAN PILIPEY

Ainda que a Constituição da China preveja, no seu artigo 35, que os cidadãos do país têm direito à liberdade de expressão, qualquer organização de direitos humanos que acompanha a realidade da segunda maior economia do mundo pode atestar que essa previsão legal não passa da teoria.

Em março, a agressão à liberdade de expressão na China ganhou uma nova ferramenta, estabelecida em lei: quem questiona ou ridiculariza personagens ou feitos da história do país considerados heroicos pela versão oficial do Partido Comunista está sujeito a processo penal e prisão.

Em 2018, entrou em vigor no país uma lei que proibia “deturpar, difamar, profanar ou negar os feitos e espíritos de heróis e mártires, ou elogiar ou embelezar invasões (à China)”, sob risco de “responsabilização criminal”.

Porém, essa perseguição tornou-se efetiva em 1º de março deste ano, quando uma emenda ao Código Penal chinês passou a permitir que promotores buscassem punições criminais, como penas de prisão de até três anos.

“Por um lado, este é mais um exemplo da flagrante violação do direito à liberdade de expressão por parte do governo chinês. Mas em outro nível, fornece uma pista sinistra de como o Partido Comunista Chinês controla a história e pode usar a nova acusação criminal de ‘infringir a reputação e a honra de heróis e mártires’, que foi adicionada à Lei Penal apenas no início deste ano, para silenciar questões incômodas sobre sua política externa cada vez mais militarista”, afirmou William Nee, coordenador de pesquisa e jurídico do grupo Defensores dos Direitos Humanos da China, em recente artigo na National Review.

Nee relatou dois casos que considera exemplares das consequências dessa mudança legal. Em outubro, o jornalista investigativo Luo Changping fez um comentário na rede social Weibo, em que questionava a “correção” da participação chinesa na Guerra da Coreia.

O comentário foi feito numa análise das circunstâncias históricas retratadas em um novo filme, encomendado pela ditadura chinesa e fiel à visão “heroica” propagandeada pelo Partido Comunista. Celebridade com 2 milhões de seguidores, Luo foi detido pelas suas opiniões.

Nee também mencionou a primeira condenação sob a nova lei, ocorrida em 31 de maio, quando Qiu Ziming, outra celebridade na internet chinesa (2,5 milhões de seguidores), recebeu uma sentença de oito meses de prisão por especular que o número de mortos num conflito entre militares da China e da Índia em junho de 2020, na fronteira entre os dois países, teria sido maior que o informado pelas autoridades (cinco óbitos).

De acordo com o New York Times, ao menos 15 casos de perseguição com base na nova lei foram registrados desde março. Com usuários de internet alimentando o denuncismo, a repressão chega a níveis cômicos. A filial de Jiangsu da estatal de telecomunicações China Unicom foi investigada e teve sua conta no Weibo suspensa após postar uma receita de arroz frito no dia do aniversário de Mao Anying, filho de Mao Tsé-Tung.

Uma versão muito difundida na China aponta que Mao Anying foi morto em um ataque aéreo dos Estados Unidos durante a Guerra da Coreia porque teria acendido um fogão para fazer arroz frito, chamando a atenção dos bombardeiros americanos.

Com uma visão de história sendo imposta, a ameaça se estende à academia. Ao New York Times, John Delury, professor de estudos sobre a China na Universidade Yonsei, em Seul, afirmou que, apesar da censura política, historiadores chineses conseguiram fazer “um grande trabalho” nas suas pesquisas sobre a Guerra da Coreia e outros acontecimentos desde a ascensão do Partido Comunista. A nova lei deve impedir que continue dessa forma. “Obviamente, todos terão que parar o que estão fazendo”, lamentou.

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