O presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, vem sendo alvo de protestos da população devido à resposta lenta e ineficaz das autoridades aos dois grandes terremotos que atingiram o país e a Síria no começo da semana. Pelos dados oficiais, já foram confirmadas mais de 12 mil mortes, mas a estimativa é que o número pode superar 20 mil vítimas fatais.
Entretanto, o governo turco vem sendo criticado não apenas pelas suas omissões desde que a tragédia ocorreu, mas sim pelo que deixou de fazer antes dela. Especialistas, jornalistas e a oposição apontam que a negligência e a corrupção contribuíram para que ocorresse esse alto número de mortes.
Em entrevista à CNN, Mustafa Erdik, professor de engenharia sísmica na Universidade Bogazici, de Istambul, destacou que ficou impressionado com a destruição generalizada, que expôs “qualidades altamente variáveis de projetos e de construção”.
Erdik salientou que os danos às estruturas de edificações mais comuns verificados após um terremoto são colapsos parciais, e os terremotos na Turquia provocaram grande número de colapsos totais. “O colapso total é algo que você sempre tenta evitar tanto nas normas quanto no projeto real”, explicou.
Em um vídeo publicado após os terremotos, o líder da oposição turca, Kemal Kiliçdaroglu, afirmou que a relação corrupta do governo com empreiteiras, que teria impedido a aplicação e fiscalização de padrões mais rígidos de construção, amplificou a tragédia.
Ele citou um imposto criado pelo governo em 1999, após um terremoto que matou mais de 17 mil pessoas, com os objetivos de evitar que esse tipo de evento causasse tantas mortes e propiciar respostas rápidas das autoridades, mas cuja arrecadação teria sido em grande parte perdida no ralo da corrupção.
“Eles [governo] consumiram os ‘impostos do terremoto’ com suas gangues. Onde está o dinheiro? Esse dinheiro foi perdido. As pessoas que pagaram impostos ao Estado durante toda a vida não conseguem ver o Estado quando precisam dele”, disparou.
Em 2018, especialistas do setor de construção haviam alertado também sobre os riscos de uma anistia para obras irregulares implementada pelo governo turco, que injetou nos cofres públicos bilhões de dólares de impostos sobre a propriedade e taxas de registro.
No início do ano seguinte, após o desabamento de um prédio residencial que havia sido ampliado ilegalmente matar 21 pessoas, o presidente da Câmara de Engenheiros Civis local, Cemal Gokce, alertou em entrevista à agência Reuters que a anistia poderia transformar as cidades turcas, “especialmente Istambul, em cemitérios”.
Em artigo publicado no site da revista americana The Atlantic nesta quarta-feira (8), a jornalista turca Ayşegül Sert lembrou que, com inveja “dos arranha-céus do Catar e da Arábia Saudita”, Erdogan traçou a meta de uma “Nova Turquia”, com grandes projetos de infraestrutura “para destacar a ruptura com o passado”.
“Favores, contratos e alvarás foram concedidos a construtoras e empresas próximas do partido [governista], em troca de propinas e votos”, destacou Sert, ressaltando que normas de construção foram ignoradas “para maximizar lucros” e várias obras foram feitas “com materiais baratos”.
“Agora, as pontes estão partidas, os aeroportos estão fechados e as estradas se abriram como se meteoros tivessem caído sobre elas, impedindo que a ajuda emergencial chegasse a áreas em situação desesperadora”, acrescentou a jornalista, que lamentou: “A Turquia era um canteiro de obras. Tornou-se um cemitério”.
Em 2011, quando foi completado um ano do grande terremoto no Haiti, os sismólogos Nicholas Ambraseys e Roger Bilham publicaram um estudo na revista científica Nature que demonstrou que terremotos causam mais danos e matam mais em países com corrupção desenfreada.
Com base em dados do Índice de Percepção de Corrupção da Transparência Internacional, eles calcularam que 83% de todas as mortes por desabamento de prédios em terremotos nos 30 anos anteriores haviam ocorrido em países que eram “anormalmente corruptos” — ou seja, aqueles considerados mais corruptos do que poderia ser previsto a partir de sua renda per capita.