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Mais de dois anos depois do referendo que deu vitória à saída da UE, britânicos ainda veem chance de continuar no bloco | Simon Dawson/Bloomberg
Mais de dois anos depois do referendo que deu vitória à saída da UE, britânicos ainda veem chance de continuar no bloco| Foto: Simon Dawson/Bloomberg

O caminho tortuoso da saída do Reino Unido da União Europeia teve outra reviravolta nesta semana quando a primeira-ministra Theresa May sobreviveu a um voto de desconfiança desencadeado por seu próprio partido.

Embora May permaneça no cargo, o caos e a confusão estão longe de terminar. Para evitar um Brexit sem acordo com a UE, a enfraquecida líder ainda deve fazer com que um impopular pré-acordo de “divórcio” passe pelo Parlamento antes de março. Neste momento, isso parece quase impossível. 

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Como uma nação que já foi a mais poderosa do mundo terminou tomando este caminho? Alguns argumentam que as sementes do Brexit foram plantadas em 2008, durante a crise econômica global e a subsequente austeridade do governo. Outros olham mais para trás, sugerindo que a oposição instintiva do Reino Unido à Europa é um legado do trauma da Segunda Guerra Mundial. Os céticos do projeto europeu datam do primeiro voto do Reino Unido para decidir se o país ficava ou deixava a antiga Comunidade Econômica Europeia (CEE), em 1975. 

Referendo Brexit: uma jogada política que deu errado 

Mas a verdadeira base para a votação foi lançada há apenas seis anos, quando o então primeiro-ministro David Cameron prometeu realizar um referendo sobre a União Europeia. Na época, Cameron era visto como um novo rosto do conservadorismo britânico, mas ele temia que antigas divisões sobre a Europa dentro de seu partido o derrubassem, como aconteceu com seus predecessores John Major e Margaret Thatcher. A oferta de uma votação, ele esperava, uniria seu partido e impediria que o Partido de Independência do Reino Unido (Ukip), anti-UE, roubasse os votos dos conservadores. 

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No curto prazo, a aposta de Cameron parecia valer a pena. Seu partido venceu com facilidade a eleição de 2015. O Ukip ganhou apenas um lugar no Parlamento. Parecia que muitos britânicos simplesmente não viam a UE como o problema mais urgente que o Reino Unido enfrentava. Mas isso estava prestes a mudar. 

Cameron estava confiante de que ele poderia ganhar a votação. Mas o jogo mudou sob seu governo: uma onda de refugiados e uma série de ataques terroristas de grande repercussão em toda a Europa, juntamente com a disseminação de desinformação nas redes sociais indicavam que ele não podia mais fazer apenas uma simples discussão sobre a burocracia da UE. 

Sentindo a mudança dos ventos políticos, formou-se uma coalizão pró-Brexit mais ampla. Cameron não estava apenas lutando contra figuras conhecidas como Nigel Farage, do Ukip (que tentou ganhar uma vaga no Parlamento cinco vezes e perdeu todas). Membros sênior de seu próprio partido, incluindo o experiente Boris Johnson, decidiram apoiar o Brexit, enquanto Jeremy Corbyn, o novo líder do Partido Trabalhista, ofereceu uma defesa tépida de permanecer no bloco por suas próprias razões políticas. O primeiro-ministro foi a Bruxelas, implorando por concessões, mas teve pouco sucesso. 

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Nas semanas antes que antecederam a votação, as pesquisas revelaram um eleitorado profundamente dividido e nenhum caminho fácil para Cameron. Quando a votação foi realizada em 23 de junho de 2016, o “Sair” ganhou 52% dos votos. O valor da libra imediatamente caiu 8% com a notícia e Cameron anunciou que renunciaria, provocando uma disputa de liderança dentro do Partido Conservador. 

May assume o Brexit

Theresa May nunca foi uma denfesora feroz do Brexit. Na verdade, ela apoiou sem entusiasmo a votação para que o país permanecesse no bloco. Mas quando chegou a hora de eleger um novo primeiro-ministro, os candidatos do “Sair” se separaram e May ganhou. 

Desde o início, May prometeu apoiar a saída da UE, tranquilizando os eleitores ao firmar "Brexit significa Brexit". Foi mais fácil falar do que fazer. Dentro de alguns meses, a suprema corte do Reino Unido determinou que o parlamento deveria ser consultado antes que uma decisão formal de deixar o país fosse enviada à União Europeia. Os políticos britânicos finalmente aprovaram o plano de May, mas acrescentaram uma emenda que exigia uma "votação significativa" sobre qualquer acordo final de retirada. 

May tentou lidar com isso chamando uma eleição antecipada em junho de 2017, na esperança de aumentar a maioria conservadora. Em vez disso, ela perdeu assentos, o que a forçou a fazer uma parceria com o Partido Democrático Unionista da Irlanda do Norte para governar. Isso adicionou outra camada de complexidade a um dos problemas mais intratáveis do Brexit, a fronteira com a Irlanda. 

May tentou resolver o impasse, mas ficava cada vez mais difícil elaborar uma proposta vencedora. Quando ela apresentou seu plano para o Brexit em julho de 2018, vários ministros do governo renunciaram em protesto, argumentando que ele oferecia muitas concessões à Europa. Em setembro, quando May foi para Salzburgo, na Áustria, para explicar seu plano aos líderes da UE, eles o rejeitaram

Pré-acordo de May 

Com o tempo se esgotando antes de 29 de março de 2019 - a data em que a Grã-Bretanha deveria sair da Europa, com ou sem acordo -, May fez uma tentativa desesperada de chegar a um acordo com os líderes da UE. Finalmente, em novembro, ela apresentou um projeto de acordo. Levou de volta para seu gabinete e obteve sua aprovação. 

Mas o acordo de retirada obtido da UE é um compromisso desconfortável para muitos britânicos. O documento de 585 páginas criou um período de transição, que essencialmente manteria o Reino Unido na União Aduaneira do bloco até 2020, e possivelmente por mais tempo ainda. Defensores do Brexit chamaram o plano de traição, enquanto aqueles que queriam continuar na UE continuam a exigir um segundo referendo sobre os termos do acordo. 

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O Parlamento deveria ter realizado uma votação sobre o acordo de May na terça-feira (11). Na segunda-feira, aparentemente tendo concluído que perderia esta votação, May a cancelou. Ela agora está voltando para a Europa para tentar chegar a um acordo melhor. É improvável que ela consiga avançar: muitos dos maiores obstáculos nas negociações do Brexit, como a fronteira na Irlanda, estão tão sem solução quanto em junho de 2016. A ameaça de um Brexit sem acordo, que muitos dizem que poderia ter repercussões econômicas desastrosas para o Reino Unido, está mais forte do que nunca. 

Neste momento, May também é cada vez mais impopular dentro de seu próprio partido, enfraquecendo ainda mais seu poder de negociação. De fato, a única coisa que funciona a favor de May parece ser que ninguém quer o emprego dela. E por que eles quereriam? 

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Não está claro que tipo de acordo, se houver, ganharia apoio da maioria do Parlamento, e muito menos da maioria dos britânicos. A esperança para a realização de outro referendo está se espalhando, mas na melhor das hipóteses é a pior opção. Graças ao debate sobre o Brexit, a maioria dos eleitores britânicos vê agora a UE como o maior problema que o país enfrenta. Há alguns que votaram no Brexit e agora se arrependem, mas também aqueles que votaram para permanecer no bloco que agora querem deixar a UE e acabar com o purgatório. 

De fato, olhando para a longa e sinuosa estrada que levou a Grã-Bretanha ao seu caos atual, há apenas uma conclusão real: a história do Brexit está muito longe de terminar.

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