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Curitiba – A recente retirada dos 9 mil colonos israelenses da Faixa de Gaza e do norte da Cisjordânia mudou o quadro político do conflito travado entre Autoridade Palestina (AP) – que sonha com um Estado próprio – e Israel, que quer paz sem ceder Jerusalém nem a maior parte das colônias da Cisjordânia.

Até pouco tempo atrás, a queixa palestina baseava-se no fato de que Israel não movia um dedo para pôr em prática o processo de paz. Mesmo contrariando seu partido, o Likud, o premier Ariel Sharon resolveu tirar todos os judeus dos assentamentos instalados na Faixa de Gaza. De quebra, liberou também quatro das colônias da Cisjordânia.

"Com a entrega de terras, os palestinos terão de refazer a argumentação", diz o historiador da PUC de São Paulo Maurício Broinzi. Além da mudança de discurso, os árabes enfrentam o questionamento da legitimidade das facções palestinas após a retirada. Não se sabe se agora elas obterão o mesmo apoio popular, o que põe em risco seu desempenho nas eleições parlamentares previstas para janeiro. "Pode haver arrefecimento das motivações para o apoio às milícias radicais. A via extremista pode perder força na Palestina."

Apesar de Sharon ter anunciado ser contra a participação do Hamas nas eleições palestinas caso o grupo não abandone as armas, "o premier não pode interferir na formação do governo palestino". O Hamas, por sua vez, garante que caso vença as eleições não reconhecerá Israel. "O Hamas não tem capacidade militar nem política para enfrentar Israel", analisa Broinzi.

Já os radicais israelenses teriam motivo para adotar uma postura agressiva diante da retirada, mas não têm condições para mobilizar a população, que em sua maioria apoiou a retirada.

O Plano de Desligamento de Sharon foi uma resposta à situação-limite a que chegou o conflito. "Sharon entendeu o quadro e viu que precisava convencer parte do Likud", diz o historiador.

Sharon teve de assumir o risco de perder apoios ao levar adiante a retirada dos colonos da Faixa de Gaza e da Cisjordânia, uma atitude cobrada pelos Estados Unidos e seus aliados, analisa o especialista em Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), Argemiro Procópio.

"Parte dos colonos não perdoará Sharon, porque perdeu tudo o que investiu. Israel teve de cortar na própria carne. Mas se tudo der certo, haverá outras concessões e entendimento com os palestinos. A pressão dos aliados para Israel encontrar solução no processo de paz é grande." Os palestinos, por outro lado, acham que a desocupação foi insuficiente e agora cobram a liberação da Cisjordânia, algo que está fora dos planos de Israel.

No entanto, Procópio acha que, a médio prazo, o processo de paz será mais forte do que qualquer fundamentalismo. "O povo quer a paz. Os palestinos precisam segurar os radicais para que Israel tenha certeza do cessar-fogo."

A retirada foi um passo importante e abre uma perspectiva nova para o conflito, avalia Edgar Deddeca, historiador da Unicamp. "A única solução viável para o conflito é a criação do Estado Palestino, e a entrega total de Gaza indica que Israel é favorável à trégua. Além disso, Sharon ganhou tempo e simpatia internacional."

Israel teme que a continuidade do terror implique danos ainda maiores para seu povo. No entanto, Deddeca considera preocupante o fato de Sharon ter agido sempre por pressão dos Estados Unidos, que se recusavam a ver Yasser Arafat, líder palestino morto em novembro passado, na mesa de negociação. "Sem a ingerência norte-americana, Israel teria cedido antes", aposta.

A presença dos EUA também quebrou a unidade árabe, completa Broinzi. "Foram os EUA que militarizaram Israel. Caso contrário, o país não seria uma potência militar", afirma ele.

Nos dois lados, há quem conteste os acordos e sua eficácia, mas a perspectiva é positiva. A pauta da Autoridade Palestina (AP) e das facções radicais ainda se concentrará na criação do Estado Palestino, uma reivindicação à qual o Ocidente não poderá fechar os olhos. "O Ocidente sempre viu os árabes como um grupo a ser contido. Essa postura precisa ser revista. O grau de violência, da insurgência, na região é proporcional aos séculos de dominação. O Ocidente tem muito a reparar", analisa Deddeca.

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