• Carregando...
Feira noturna na cidade chinesa de Wuhan em 3 de junho de 2020. Estudo diz que é possível que o novo coronavírus estivesse circulando na cidade desde agosto passado
Feira noturna na cidade chinesa de Wuhan em 3 de junho de 2020. Estudo diz que é possível que o novo coronavírus estivesse circulando na cidade desde agosto passado| Foto: AFP

O novo coronavírus pode ter começado a circular na China antes do que se sabia, dizem pesquisadores que observaram imagens de satélite e viram um aumento do movimento em hospitais de Wuhan a partir de agosto de 2019, quatro meses antes do primeiro caso da infecção ser reportado à Organização Mundial da Saúde (OMS).

A China disse que as conclusões dos pesquisadores são "absurdas" e baseadas em informações "superficiais".

O estudo foi divulgado na segunda-feira (8) por pesquisadores da Escola de Medicina de Harvard (HMS, na sigla em inglês). Por imagens de satélite, eles monitoraram o tráfego em seis hospitais de Wuhan, primeiro epicentro mundial da pandemia, e com isso descobriram que houve um aumento significativo de entradas nesses hospitais a partir de agosto, com um pico a partir de dezembro, quando foram identificados os primeiros casos da doença.

O estudo da HMS diz ainda que o aumento da movimentação nos hospitais coincidiu com um aumento nas buscas pelas palavras "tosse" e "diarreia" - dois sintomas comuns da Covid-19 - na ferramenta chinesa de pesquisa Baidu, entre setembro e outubro de 2019. Os autores dizem que o aumento das buscas por "tosse" é normal nesse período, que é a temporada de gripe, mas que "diarreia" é um sintoma comum para a Covid-19 e não para a gripe.

"Ainda que não possamos confirmar se os números estão diretamente relacionados com o novo coronavírus, nossa evidência apoia outros trabalhos recentes que mostram que a circulação do vírus ocorria antes da sua identificação em um mercado de frutos do mar", relatam os pesquisadores.

As técnicas usadas pelos pesquisadores são similares às usadas por agências de inteligência. E, embora os próprios autores reconheçam que as evidências não podem confirmar que a circulação nos hospitais e as buscas na internet estejam relacionadas ao novo coronavírus, eles dizem que os achados contribuem para elucidar as suas origens. Entender como o novo vírus surgiu é importante para os cientistas que atuam no desenvolvimento de vacinas e tratamentos, mas essa tarefa foi dificultada pela falta de transparência da China nas fases iniciais da pandemia.

Por enquanto o estudo foi apenas divulgado no site da Universidade de Harvard e não foi publicado por uma revista científica - portanto, não passou pela avaliação de especialistas independentes.

O pesquisador que coordenou o estudo de Harvard, John Brownstein, disse que "algo estava acontecendo em outubro" em Wuhan. "Claramente, houve algum tipo de perturbação acontecendo bem antes do que [o momento] previamente identificado como o início da pandemia do novo coronavírus", disse Brownstein, que é diretor do Laboratório de Epidemiologia Computacional do Children's Hospital de Boston, à rede americana ABC News.

O trabalho da equipe de Brownstein se baseou no fato de que doenças respiratórias levam a comportamentos específicos nas comunidades onde estão se espalhando. Portanto, analisar esses padrões pode ser útil para detectar o problema mesmo no período em que as pessoas estão ficando doentes mas ainda não se conhece o quadro de surto.

As reações de cientistas aos resultados foram divididas e alguns apontaram limitações da pesquisa. Paul Digard, diretor do departamento de Virologia da Universidade de Edimburgo, na Escócia, disse que a ideia de usar imagens de satélite para detectar surtos é interessante e tem alguma validade. "No entanto, é importante lembrar que os dados são apenas correlativos (como os autores admitem) e não são capazes de identificar a causa do pico", ressaltou. Para ele, focar a análise nos hospitais de Wuhan, reconhecido como epicentro da epidemia, força essa correlação.

"Seria interessante, e possivelmente muito mais convincente, ver análises de controle de outras cidades chinesas fora da província de Hubei", pontuou Digard ao Science Media Centre.

David Perlin, cientista chefe do Centro para Descoberta e Inovação de Nova Jersey, EUA, disse que não estava totalmente convencido pelos resultados. "Acho que alguns dos métodos são questionáveis e a interpretação deles é um pouco exagerada", disse Perlin à ABC, questionando a escolha de sub-conjuntos de dados específicos, como as buscas na internet, para fazer inferências.

Por exemplo, uma das críticas ao estudo é de que não foram analisadas as buscas por "falta de ar" ou "perda de olfato", sintomas característicos de Covid-19.

Keith Neal, professor emérito de epidemiologia de doenças infecciosas da Universidade de Nottingham, Inglaterra, disse que o trecho do estudo que afirma que hospitais pediátricos foram afetados sugerem que a causa da movimentação "provavelmente não foi a Covid-19", já que um número relativamente baixo de crianças foi hospitalizado por causa da infecção.

Os resultados

Os pesquisadores analisaram mais de cem imagens de satélites de Wuhan feitas entre janeiro de 2018 e abril de 2020.

Em um caso, foram contados 171 carros estacionados no Hospital Tianyou, um dos maiores da cidade, em outubro de 2018. No mesmo período em 2019, as imagens de satélite mostram 285 carros no mesmo estacionamento, um aumento de 67%.

No hospital universitário Tongji, os carros estacionados passaram de 112 em outubro de 2018 para 214 em dezembro de 2019, um aumento de 91%.

Imagens de satélite e contagem de carros (em vermelho) e caminhões (em amarelo) em estacionamentos de Wuhan, China. Acima, o Hospital Tianyou antes da epidemia, em outubro de 2019 e durante o pico do surto, em fevereiro de 2020. Abaixo, o Mercado de Huanan, usado como controle no estudo
Imagens de satélite e contagem de carros (em vermelho) e caminhões (em amarelo) em estacionamentos de Wuhan, China. Acima, o Hospital Tianyou antes da epidemia, em outubro de 2019 e durante o pico do surto, em fevereiro de 2020. Abaixo, o Mercado de Huanan, usado como controle no estudo| Reprodução / Universidade de Harvard

"Hospitais individuais têm dias de volume relativamente alto tanto no outono quanto no inverno de 2019. Entretanto, entre setembro e outubro de 2019, cinco dos seis hospitais apresentam os seus dias de volume relativo mais alto da série analisada, coincidindo com a alta de buscas no Baidu pelos termos 'diarreia' e 'tosse'", dizem os autores.

A China relatou oficialmente à Organização Mundial da Saúde (OMS) os primeiros casos de uma doença respiratória similar à Sars, que mais tarde seria reconhecida como Covid-19, em 31 de dezembro de 2019.

Recentemente surgiram evidências de que o vírus já estava infectando pessoas nos Estados Unidos e na Europa antes que os primeiros casos fossem registrados nesses lugares. Por exemplo, na França, um estudo concluiu que um homem estava infectado pelo coronavírus em 27 de dezembro.

Um estudo publicado em maio com a análise genética de milhares de amostras do vírus de vários locais do mundo indica que a pandemia teve início provavelmente entre 6 de outubro e 11 de dezembro de 2019.

China rejeita estudo

O governo da China negou que o novo coronavírus circulasse pelo país antes do que sabe até agora, após as alegações do estudo da Harvard Medical School.

Porta-voz do ministério de Relações Exteriores da China, Hua Chunying disse durante entrevista coletiva na terça-feira que não havia visto a pesquisa, mas considerou "extremamente absurdo" que alguém pudesse chegar a uma conclusão do tipo baseando-se "apenas em elementos superficiais como padrões de tráfego".

"Neste assunto, eu acredito que temos de respeitar a ciência", afirmou a porta-voz, pedindo que cientistas possam ter espaço para fazer suas pesquisas e "checar as conclusões baseadas nos fatos". Além disso, ainda afirmou que a China, os Estados Unidos e a comunidade internacional em geral têm "uma tarefa comum no momento: lutar contra a desinformação e derrotar a pandemia por meio da solidariedade".

Desde o começo da pandemia, o novo coronavírus já infectou mais de 7,2 milhões de pessoas em todo o mundo. Entre essas, mais de 413 mil morreram pela doença, segundo o monitoramento da Universidade Johns Hopkins (EUA).

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]