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Refinaria de petróleo na cidade de Port Arthur, no Estado americano do Texas: maior economia do mundo poderia aumentar a produção para aliviar impacto do corte anunciado pela Opep+
Refinaria de petróleo na cidade de Port Arthur, no Estado americano do Texas: maior economia do mundo poderia aumentar a produção para aliviar impacto do corte anunciado pela Opep+| Foto: David Mark/Pixabay

O mundo foi surpreendido neste domingo (2) com dois anúncios: de que oito países pertencentes à Organização dos Países Exportadores de Petróleo ampliada (Opep+) iriam reduzir a produção de petróleo de maio até o final do ano em 1,16 milhão de barris por dia (bd); e que a Rússia, integrante do grupo que havia reduzido unilateralmente a sua produção em fevereiro em 500 mil barris por dia, também estenderia esse prazo para o final do ano. No total, haverá um corte de 1,66 milhão de bd.

O anúncio foi realizado um dia antes da reunião mensal da entidade. Segundo a agência Reuters, esperava-se que o grupo mantivesse sua decisão anterior de atingir cortes de produção de 2 milhões de bd até dezembro, que havia sido anunciada em outubro.

Em comunicado após a reunião, a Opep+ confirmou o que foi dito no fim de semana e detalhou como serão os cortes: a Arábia Saudita reduzirá seu bombeamento em 500 mil barris por dia; o Iraque, em 211 mil bd; Emirados Árabes Unidos, em 144 mil bd; o Kuwait, em 128 mil bd; o Cazaquistão, em 78 mil bd; a Argélia, em 48 mil bd; Omã, em 40 mil bd e o Gabão em 8 mil bd. Como informou a agência EFE, todas essas reduções "voluntárias", ou seja, sem um acordo vinculativo e consensual dentro da aliança, serão aplicadas de maio até o final de 2023.

Nesta segunda-feira (3), os mercados reagiram, com os preços do petróleo disparando e subindo mais de 6%. O barril de Brent, principal referência internacional, atingiu seu maior valor desde 7 de março: US$ 86,44.

Reação do mercado

Segundo Paulo Feldmann, professor de economia da Universidade de São Paulo (USP), o anúncio não foi uma surpresa.

“Eu não acho que o mundo foi surpreendido porque é habitual da Arábia Saudita fazer esse tipo de coisa. Na verdade, os produtores de petróleo vêm, nos últimos anos, atuando de uma forma muito especulativa”, afirmou.

De acordo com o ministério de Energia da Arábia Saudita, a redução voluntária foi uma medida de precaução destinada a apoiar a estabilidade do mercado de petróleo, conforme reportou a agência Reuters.

Feldmann explicou: “Esse é o grande problema quando você tem um cartel. Cartel é uma coisa proibida no mundo inteiro. Não pode ter cartel em nenhum setor da economia, em nenhum país. A única exceção é a Opep+. Porque cartel é uma coisa muito ruim. Eles combinam entre eles o que querem fazer; aumentam o preço, quando querem aumentar; diminuem; aumentam a produção; diminuem a produção, mas eles fazem isso prejudicando a sociedade como um todo, a economia mundial”.

Para o vice-primeiro-ministro russo, Alexander Novak, a crise bancária ocidental foi uma das razões por trás do corte, bem como a "interferência na dinâmica do mercado", uma expressão russa para descrever o teto de preço imposto pelo Ocidente ao petróleo do país.

O comunicado da Opep+ acrescentou que “a reunião observou que esta é uma medida de precaução destinada a apoiar a estabilidade do mercado de petróleo”.

Já os Estados Unidos acreditam "que esses cortes não são recomendados neste momento devido à incerteza do mercado e deixamos isso claro", segundo afirmou John Kirby, porta-voz do Conselho de Segurança da Casa Branca. “Estamos focados nos preços, não nos barris”, afirmou a repórteres nesta segunda-feira, acrescentando que os EUA receberam um aviso antes do anúncio.

Impacto

Para João Ricardo da Costa Filho, professor de macroeconomia do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais São Paulo ( Ibmec), todos os países vão sofrer com a alta do petróleo.

“Primeiro, você tem combustíveis. Com o petróleo ficando mais caro, seus derivados todos vão ficando mais caros. Isso faz com que você tenha um aumento de custos e este é um aumento de custos global. Isso significa que para todas as economias vai ser mais difícil lidar com a inflação”, destacou.

Segundo ele, “todas as economias, direta ou indiretamente, vão sofrer, porque mesmo os países que são exportadores de petróleo, se o custo do petróleo, que é cotado em mercado internacional, aumenta, isso tudo... Você vai ter custo, por exemplo, de combustíveis, que faz com que aumente o custo dos transportes de bens e serviços.  Então países que dependem de transporte que utilizem uma malha viária, países como o Brasil, por exemplo, em que você transporta muito por rodovias e, ao transportar muito por rodovias, tem o custo do frete muito associado à dinâmica dos combustíveis, é um país que diretamente é afetado por isso, mas indiretamente também, via a dificuldade que os Estados Unidos vão ter para diminuir a inflação”, explicou.

Para Costa Filho, “como a economia dos EUA é uma economia muito grande, é uma economia muito central na arquitetura monetária internacional”, ela impacta todas as outras. “Então, eu acho que a maior parte dos países vai ser afetada dessa maneira. O saldo líquido vai ser negativo”, afirmou.

Segundo Feldmann, o aumento de preços “não vai dar certo”. Para ele, “todo mundo quer ficar independente do petróleo. Eles fizeram uma aposta ‘muito curto-prazista’ para conseguir algum ganho agora, muito rápido. Tudo bem, eles conseguiram subir o preço, amanhã talvez continue o preço alto e depois cai”.

Para Feldmann, “foi uma medida especulativa demais. O mundo já está vacinado contra isso. Não tende a prosperar. Eu acho que daqui a três, quatro dias, ninguém mais vai falar nisso. A tendência é o preço voltar ao normal. Já aconteceu outras vezes”.

Feldmann acrescentou que, em um cenário em que a alta no preço do petróleo persistisse, a China seria o país mais prejudicado. “A China depende muito de petróleo. Não é um grande produtor. Ela tem que importar. A China teria um impacto grande nos preços. Então, o custo dos produtos chineses aumentaria. A China teria dificuldade para colocar seus produtos no mercado internacional porque eles ficariam mais caros”, ressaltou.

Feldmann destacou que outro país que tem pouco petróleo e que sofreria seria o Japão. Já os países europeus, segundo ele, “os mais desenvolvidos teriam algum impacto, não como China e Japão, mas teriam por causa da situação atual da guerra da Ucrânia, porque eles estão evitando comprar petróleo da Rússia. Então, aí poderia ser um problema para eles, porque vão ter talvez buscar outras fontes; vão ter que deixar de comprar da Opep+, ou vão ser obrigados a comprar da Opep+, mas aí o preço vai estar mais alto, então talvez a Europa seja também afetada, mas não todos os países europeus”.

Para Feldmann, a alta do petróleo teria um “efeito de curtíssimo prazo. E aí o mundo se organiza e aumenta essa produção que foi reduzida pelos árabes, de alguma forma. E a produção volta ao normal muito rapidamente e aí o preço volta a cair”. Para ele, países “relativamente independentes da Opep+”, como o Brasil, Noruega e Estados Unidos, poderiam aumentar a produção de petróleo.

Previsões

Para o professor João Ricardo da Costa Filho, do Ibmec São Paulo, ainda é cedo para fazer previsões. “Eu acho que está um pouco cedo ainda, porque precisa entender como é que as outras economias vão responder a esse anúncio; qual vai ser o tamanho, por exemplo, do impacto na atividade econômica de tudo que tem sido feito”, além de como a atividade econômica vai responder e de como será a reabertura da China.

Mas o analista pontuou que “tem uma coisa que a evidência mostra, que a literatura mostra: quando você tem aumento de juros que acontecem de maneira simultânea em várias economias, o impacto líquido no final da história é mais negativo ainda para, por exemplo, PIB, para desemprego, do que pensando em cada uma das economias individualmente. Ou seja, para o mundo todo, se eu subir juros sozinho, tem um impacto na minha economia. Todo mundo subindo juros ao mesmo tempo, tem um impacto maior na minha economia. Então todo mundo deve ter uma desaceleração mais forte. Esse tipo de anúncio faz com que a perspectiva seja de desaceleração ainda mais forte”.

Segundo ele, “a gente precisa saber ainda como a atividade econômica vai responder ao que a política monetária tem feito. Isso é um vetor. E como é que a China vai se comportar nos próximos meses vai ser importante também. Seguramente, o que a gente esperava é que o preço do petróleo para esse ano, agora ele é maior, mas o quão maior vai depender dessas combinações, de desaquecimento, por um lado; a China, por outro. Por isso, eu acho que é um pouco cedo, mas o mercado financeiro precisa precificar. Então, o que a gente vai ver é um aumento do preço agora, maior, então é o que a gente chama de overshoot – o preço vai subir demais –, e depois ele vai corrigir. Cai um pouco até a gente começar a tatear esses vetores que impactam o crescimento da dinâmica dos preços do petróleo”.

Feldmann, da USP, acredita que “cada vez mais o mundo fica cada vez mais preparado para usar outras fontes de energia e esse tipo de medida acaba sendo um estímulo para os países voltarem a pensar seriamente em abandonar o petróleo. Houve uma queda desse esforço, nesses anos, de um ano para cá, por conta da guerra da Ucrânia”.

Segundo o professor da USP, “a guerra da Ucrânia com a Rússia prejudicou o esforço europeu para se livrar do petróleo e do gás natural. Realmente foi um problema voltar a usar coisas que poluem [muito], como o carvão. Muitos países europeus que usavam, antes, gás natural, com a ausência do gás natural — porque era da Rússia —, voltaram a usar o carvão, que é uma coisa muito ruim. Agora eu acho que o mundo está preparado para isso. Está altamente focado, principalmente a Europa, na necessidade de ficar independente do petróleo e dos seus derivados”.

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