Homem caminha por Caracas: Ditador Nicolás Maduro dificulta o repatriamento dos venezuelanos que estavam na Colômbia. 40 mil ainda esperam pela oportunidade de voltar ao país.| Foto: Federico PARRA / AFP
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Inflação acima de 4.000%, 96% da população na pobreza, salário mínimo abaixo de US$ 3 e uma crise sanitária que se agrava num país onde 58% dos hospitais não têm água e 63% reportam falta de energia elétrica constante. É para essa Venezuela que 100 mil venezuelanos decidiram voltar, deixando diferentes cidades colombianas em razão da pandemia.

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No Terminal do Norte de Bogotá, dezenas de venezuelanos esperam todos os dias com a esperança de entrar num ônibus e ir até a região da fronteira, passar por um dos corredores humanitários e seguir para a Venezuela. A estação agora está equipada com banheiros, chuveiros e controles epidemiológicos. Só entra no local quem tiver o bilhete da viagem, que custa 180 mil pesos (R$ 265).

Os ônibus fornecidos pela Migração Colômbia saem para Cúcuta (a mais de 500 quilômetros da capital, Bogotá) ou para Arauca (a 700 km), mas não passam diariamente no terminal.

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Segundo a entidade do governo colombiano, desde o dia 14 de março, 100 mil venezuelanos retornaram e 40 mil aguardam para voltar ao país de origem. A fronteira entre Colômbia e Venezuela que tem 2.200 quilômetros, está fechada desde a declaração da pandemia da Covid-19 e o retorno dos venezuelanos depende da negociação entre autoridades migratórias dos dois países.

O governo de Nicolás Maduro tem restringido cada vez a entrada pelos corredores humanitários: passou de 500 pessoas por dia para 300 e até 100, no ponto que existe em Arauca.

Pressão

Para o professor da Universidade Simón Bolívar Erik del Bufalo, o impacto do retorno desses venezuelanos será forte nas questões sanitária e econômica. O sistema de saúde venezuelano está sobrecarregado e desde o início da crise do novo coronavírus, autoridades sanitárias alertam para um possível colapso.

Com a crise econômica e a perda de poder de compra, que piora desde 2014, a diáspora venezuelana chegou a 5 milhões de pessoas - a pior migração forçada da América Latina na história moderna. E muitos desses venezuelanos viviam em situação precária nos países vizinhos, trabalhavam na informalidade e tinham pouco acesso a programas de saúde, por exemplo.

Com o isolamento social imposto para conter a propagação do vírus, os migrantes perderam a condição de sobrevivência e precisaram regressar à Venezuela, como mostra um relatório do Centro de Justiça e Paz (Cepal). Entre março e maio, quase 65 mil venezuelanos haviam deixado a Colômbia.

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Mas esses venezuelanos voltam para enfrentar um cenário de incerteza: durante o mês de abril, 43% dos residentes na Venezuela informaram que não podiam mais trabalhar ou haviam perdido parte da renda. Em agosto, o número de lares que recebem ingressos vindos de parentes no exterior passou de 9% para 5%.

"Essas pessoas (que retornam) estavam desempregadas, trabalhavam na economia informal ou para o Estado, por isso não veremos um impacto em números muito alto, mas a pressão sobre os sistemas de saúde e social será grande", explica Del Búfalo.

"Os indicadores econômicos devem piorar, cria uma situação social mais complicada e isso, do ponto de vista político, dá uma certa munição para a oposição, principalmente a (Juan) Guaidó", diz o coordenador de relações internacionais da Fesp-SP Moisés Marques.

Outra área que sente as consequências da crise sanitária - e também será um desafio aos que regressam à Venezuela - é a educação: a cobertura educacional para os jovens entre 18 e 24 anos caiu pela metade, ou seja, 2,2 milhões de jovens não estão estudando no país.