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Passageiros de ônibus em Teerã, Irã, em 21 de novembro de 2018 | ARASH KHAMOOSHI/
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Passageiros de ônibus em Teerã, Irã, em 21 de novembro de 2018| Foto: ARASH KHAMOOSHI/ NYT

Menos de um ano atrás, ele administrava um próspero negócio de acessórios de computador, dirigia um carro novo e alugava um apartamento confortável de dois quartos no centro de Teerã. Mas, recentemente, Kaveh Taymouri usa uma motocicleta enferrujada para voltar para a nova casa de sua família, um apartamento de 45 metros quadrados em um dos piores bairros da cidade, ao lado de um grande cemitério.

Em uma noite recente, ao chegar às 22h30 de seu novo trabalho em um fliperama, não havia comida no fogão. O sanduíche do almoço teria de bastar. 

No entanto, sua esposa e ex-parceira de negócios, Reihaneh, disse achar que o humor dele estava melhorando.  "Pelo menos parou de gritar enquanto dorme", disse ela.  

Antes da "queda", como eles chamam, os Taymouris eram o modelo da família classe média iraniana, prósperos empresários com nível universitário que ganhavam dinheiro suficiente para economizar e dar entrada em sua casa própria. Agora, são um modelo diferente: os milhões de iranianos de classe média que praticamente da noite para o dia viram sua vida encolher, arrastados por forças econômicas além de seu controle.  

Kaveh Taymouri, funcionário de uma loja de videogames de classe média, do lado de fora de sua casa em Teerã, Irã, em 21 de novembro de 2018ARASH KHAMOOSHI/ NYT

A economia do Irã está em frangalhos, atacada por anos de má gestão e renovadas sanções econômicas. 

O governo expandiu a oferta monetária em mais de 30% anualmente por mais de uma década, usando o dinheiro extra para cobrir déficits orçamentários e outras despesas. Em comparação, nos Estados Unidos, a oferta de moeda aumentou em uma média anual de 6,4% na última década, de acordo com o Federal Reserve. 

Como resultado da rápida expansão da oferta monetária do Irã, disse Djavad Salehi-Isfahani, professor de Economia da Universidade Virginia Tech, a inflação explodiu e, de acordo com números oficiais, está agora em uma taxa anual de 35%, em comparação com menos de 10% um ano atrás.  

A decisão do presidente Donald Trump de deixar o acordo nuclear, conhecido formalmente como o Plano de Ação Conjunta Abrangente (JCPoA na sigla em inglês), e de restabelecer duras sanções econômicas levou a outro grande desastre no Irã: o colapso de sua moeda, disse Salehi-Isfahani. O rial desvalorizou aproximadamente 70% em relação ao dólar antes de se fortalecer recentemente, mas seus índices ainda flutuam muito. 

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"A saída do acordo acabou com as expectativas de um boom econômico criado pelo JCPoA e do retorno do Irã à economia global, que, acreditava-se, impulsionaria as exportações de petróleo e o investimento estrangeiro. Isso fez com que as pessoas convertessem seus rials em outros ativos, principalmente dólares e ouro", disse ele.  

Ao elevar o custo das importações, o colapso da moeda reforçou o surto inflacionário e acabou com pequenas empresas que dependiam de bens importados, como a dos Taymouris. 

Kaveh Taymouri, dizendo que era melhor deixar o dinheiro – ou a falta dele – esclarecer a situação, calculou a calamidade financeira que se abateu sobre sua família no ano passado. Sua renda mensal caiu de 50 milhões de rials, ou aproximadamente US$ 1.400, no ano passado para 10 milhões de rials, ou US$ 90, no índice atual extremamente desvalorizado. 

Ele atribuiu a queda da moeda aos especuladores e ao governo "que ficou de espectador". Outros culpam Trump. 

"É realmente por causa do Trump", disse Nasim Marashi, de 29 anos e autora de um best-seller, "Autumn Is the Last Season". O livro, sobre a vida de três mulheres de classe média em Teerã, teve 35 reimpressões digitais em quatro anos. "Foi ele que deixou o acordo nuclear, não nós." 

Classe média menor

O Irã, com uma população de cerca de 80 milhões de pessoas, há muito tempo tem uma classe média grande e próspera, que inclui desde os motoristas de ônibus até advogados e médicos, com uma média de ganhos de US$ 700 por mês em moeda local, de acordo com autoridades do governo. Essa renda era frequentemente engordada por empresas informais no grande mercado negro do país e por subsídios do governo que reduziam o custo de água e luz, dos alimentos e da gasolina. 

Bastante influente em matéria de política, a classe média iraniana tem favorecido consistentemente candidatos como o atual presidente Hassan Rouhani, que apoiam melhores relações com o Ocidente. Mas poucas vezes se viram sob tanta pressão econômica quanto hoje. Há pouco tempo, pelo menos duas pessoas foram enforcadas por manipular mercados, após sua condenação em julgamentos divulgados amplamente.  

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Em um sinal de que o governo está levando a questão a sério, Rouhani recentemente divulgou o orçamento de sua administração, que incluiu mais apoio para os funcionários públicos e mais subsídios para artigos básicos. 

Nem todos sofrem tanto quanto os Taymouris, cujo negócio era extremamente vulnerável ao colapso da moeda. Mas Abbas Torkan, ex-conselheiro de Rouhani, disse recentemente que a classe média havia encolhido 50%. 

Mesmo para aqueles em faixas mais elevadas de renda, os tempos difíceis significaram uma mudança repentina de estilo de vida. 

Os royalties do livro de Marashi caíram de 120 milhões de rials por mês para 20 milhões recentemente, disse ela. "Livros não são uma necessidade." 

Narsin Marashi, a autora de 29 anos de um livro best seller, "O outono é a última temporada", em sua casa em Teerã, Irã, em 28 de novembro de 2018ARASH KHAMOOSHI/ NYT

Exteriormente, Teerã ainda parece a metrópole movimentada que tem sido há um bom tempo. Novos restaurantes ainda estão abrindo. Uma versão teatral iraniana de "Les Misérables" lota todas as noites – 3.500 pessoas que pagam o equivalente a US$ 16 cada. Mas os problemas estão aparecendo. 

Nos supermercados, onde o custo de uma lata de Red Bull, por exemplo, quadruplicou, as pessoas podem ser vistas estudando cuidadosamente os preços. Alguns produtos importados, como a ração de animais de estimação da Purina, desapareceram completamente. 

Drama pessoal

Para os Taymouris, a dor foi aparentemente instantânea. Eles se conheceram há cinco anos no trabalho, e entre beijos roubados na sala da copiadora descobriram que poderiam ganhar mais dinheiro com seu próprio negócio de venda de acessórios de computador.

Em sua loja no centro de Teerã, o casal comprava teclados, cabos e outros acessórios de atacadistas. Reihaneh Taymouri os revendia nas províncias, enquanto o marido cuidava da loja e do financiamento de curto prazo para o negócio. 

Seu primeiro filho nasceu e, apenas algumas semanas antes de tudo desabar, eles alegremente informaram seus pais de que estavam esperando um segundo filho. 

Kaveh Taymouri no sofá de sua casa com sua família, em Teerã, Irã, em 20 de novembro de 2018ARASH KHAMOOSHI/ NYT

Mas, em janeiro, o rial começou a cair, e bens como os produtos dos Taymouris, cujos preços eram fixados em dólares e euros, rapidamente se tornaram inacessíveis para a maioria da população. O telefone de Reihaneh Taymouri parou de tocar, e as encomendas estagnaram.  

Uma noite, segundo Reihaneh Taymouri, ele chegou à sua casa, caiu no sofá e disse: "Acabou."  

Em um país que ainda coloca devedores na cadeia, os Taymouris não tiveram escolha a não ser honrar suas dívidas. Venderam o carro, os móveis e os tapetes que receberam de presente de casamento.  

Kaveh Taymouri vendeu a loja para o dono do fliperama com a condição de que pudesse trabalhar lá. Depois, eles se mudaram para seu apartamento atual, que tem um chuveiro comunitário no corredor.  

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"Não gostamos daqui", disse ele, apontando para o cemitério, um dos maiores do mundo. "Planejávamos nos mudar para o norte, não para o lado dos mortos." 

Kaveh Taymouri trouxe a bebê, Anita, do quarto minúsculo, e a esposa começou a chorar.  

"Eu estava grávida quando de repente tudo virou de cabeça para baixo em nossa vida. Admito que pensei em fazer um aborto, mas, apesar de tudo, estou muito feliz por tê-la agora."  

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