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As universidades dos Estados Unidos foram palco, ao longo de 2024, de uma série de manifestações pró-Palestina que provocaram desordem, vandalismo e levaram estudantes judeus a denunciar casos de assédio, intimidação e até impedimento de acesso às salas de aula. Em resposta, o presidente Donald Trump, logo após tomar posse para o seu segundo mandato, assinou no final de janeiro deste ano, a ordem executiva 14188, que determina o combate direto ao antissemitismo nas instituições de ensino superior dos EUA, com foco na detenção e posterior deportação de estrangeiros envolvidos em atos anti-Israel.
A medida delegou aos departamentos de Justiça e de Segurança Interna a missão de identificar todos os estudantes americanos e estrangeiros que tenham infringido legislações e apoiado atos extremistas durante protestos pró-Palestina em universidades locais. O decreto também viabilizou o uso de inteligência artificial para monitorar as redes sociais de suspeitos.
Casos de aplicação prática das medidas já estão em curso. Um dos primeiros alvos da nova política da Casa Branca foi Mahmoud Khalil, ex-aluno de pós-graduação da Universidade de Columbia – o epicentro dos protestos radicais de 2024 – e ativista pró-Palestina. Apesar de ser residente permanente legal nos EUA, Khalil foi preso por agentes federais em março deste ano em seu apartamento, acusado de envolvimento nos protestos que poderiam “ter sérias consequências adversas para a política externa dos EUA”. Ele foi transferido para um centro de detenção no estado da Louisiana, onde permanece, segundo reportagem do jornal The New York Times. Sua defesa tem entrado com diversas ações na justiça para tentar impedir sua deportação. A Casa Branca tem rebatido. Para a administração Trump, a condição de residente legal não anula o risco representado por estrangeiros que podem estar envolvidos com grupos que promovem violência contra aliados estratégicos dos Estados Unidos, como Israel.
Nesta semana, o governo federal formalizou sua justificativa legal para a deportação de Khalil, ao enviar a um juiz de imigração um memorando assinado pelo secretário de Estado, Marco Rubio. O documento não apresenta acusações criminais, mas sustenta que Khalil é passível de deportação com base em “crenças, declarações ou associações” que comprometeriam os interesses da política externa americana. A medida se apoia em uma cláusula da Lei de Imigração e Nacionalidade, que permite a remoção de estrangeiros cujas ações possam gerar “consequências adversas” para os Estados Unidos no cenário internacional.
Outro caso bastante noticiado foi o da estudante turca Rumeysa Ozturk, que cursava um doutorado na Universidade Tufts, em Massachusetts. Bolsista e portadora de visto acadêmico, Ozturk foi detida em março por homens do Serviço de Imigração dos EUA em Boston, quando se dirigia para um encontro com amigos. A cena da prisão, efetuada por agentes à paisana e disfarçados, foi registrada em vídeo e se espalhou pelas redes sociais. Segundo o governo, ela é acusada de “engajar-se em atividades em apoio ao Hamas”.
A estudante é conhecida por seu ativismo anti-Israel e por ter assinado um artigo exigindo que a universidade Tufts rompesse suas relações com empresas ligadas a Israel, que ela acusa de estar promovendo o “genocídio dos Palestinos” em Gaza, território onde as forças israelenses combatem neste momento o grupo terrorista Hamas, que ainda mantém reféns capturados durante o massacre de outubro de 2023. De acordo com a advogada de Ozturk, Mahsa Khanbabai, sua cliente foi alvo de “retaliação por exercer o direito à livre expressão”. O Departamento de Segurança Interna dos EUA, contudo, justificou a prisão da turca com base na lei de imigração, que permite a deportação de estrangeiros que atuem contra os interesses da segurança nacional. O caso de Ozturk, que ainda não foi deportada, está sendo atualmente analisado por um juiz federal de Massachusetts.
Outros alvos
A sul-coreana Yunseo Chung, de 21 anos, também se tornou alvo do combate de Trump aos atos extremistas nas universidades. Residente permanente nos Estados Unidos desde os sete anos de idade, Chung é aluna da Universidade de Columbia e participou de protestos anti-Israel realizados dentro da instituição em 2024. Em março deste ano, ela foi presa pela polícia de Nova York durante um novo ato no campus e, embora tenha sido liberada com uma notificação judicial, passou a ser alvo do Serviço de Imigração e Alfândega (ICE). Com isso, dias após sua liberação, o ICE emitiu uma ordem de prisão contra Chung, alegando que ela representava uma ameaça estrangeira, especialmente após sua participação em manifestações que foram descritas pelo órgão como “pró-Hamas”. Agentes do ICE chegaram a realizar buscas em seu dormitório na Columbia. Contudo, um juiz federal emitiu no final de março uma ordem temporária proibindo sua detenção, afirmando que “nada no registro indica que ela seja perigosa”. O caso de Chung ainda está sendo analisado. Sua defesa argumenta que ela está sendo punida por exercer seus direitos constitucionais e denuncia o que chama de “política de retaliação” do governo contra não cidadãos que manifestam apoio à “causa palestina”. A Casa Branca, por sua vez, sustenta que qualquer envolvimento com atividades associadas ao Hamas será tratado como questão de segurança nacional.
Outros casos envolveram o da indiana Ranjani Srinivasan – estudante de doutorado na Universidade de Columbia – que perdeu seu visto por “apologia da violência e do terrorismo” e fugiu para o Canadá antes de ser capturada pelo Serviço de Imigração dos EUA, e o do também indiano Badar Khan Suri, pesquisador da Universidade de Georgetown, detido pelo governo Trump por “promover antissemitismo e propaganda do Hamas em suas redes sociais”, segundo autoridades. A mídia americana reportou que Khan Suri é casado com uma palestina que é filha de um membro do escritório político do grupo terrorista Hamas. Ele também está na fila de deportação, mas ainda está contestando a decisão na justiça.
Mais de 300 estudantes já tiveram vistos revogados
Segundo o secretário Rubio, o governo Trump já revogou “pelo menos 300 vistos de estudantes estrangeiros”, número que pode ser ainda maior.
“Fazemos isso todos os dias, sempre que encontro um desses lunáticos”, declarou o secretário de Estado dos EUA a jornalistas durante sua visita à Guiana. Para ele, os estudantes “vêm aos EUA para estudar”, e não para “vandalizar universidades, assediar estudantes e causar caos”.
Poucos dias após a declaração de Rubio, órgãos educacionais dos EUA confirmaram que o número de vistos cancelados já ultrapassa 500 estudantes estrangeiros, incluindo alunos de universidades como Harvard, Stanford e Northeastern. Uma associação que defende os interesses de alunos estrangeiros nos EUA afirmou que os cancelamentos atingiram acadêmicos que estavam diretamente envolvidos em protestos pró-Palestina, que fizeram postagens extremistas em redes sociais, praticaram pequenos delitos ou cometeram falhas no cumprimento das regras do visto.
De acordo com a mídia americana, os afetados foram instruídos a se “autodeportar” imediatamente pelo aplicativo CBP Home, sem aviso prévio ou direito de contestação, e só poderão retornar ao país mediante nova solicitação de visto, que será reavaliada caso a caso.
O aplicativo CBP Home, originalmente lançado sob o nome CBP One, foi criado para facilitar pedidos de asilo e monitorar entradas e saídas dos Estados Unidos. No entanto, após ser reformulado pela administração Trump, o app passou a ser usado como uma ferramenta para agilizar processos de autodeportação, permitindo que estrangeiros com vistos cancelados deixem o país de forma “voluntária” e rastreada pelo governo.
Em sua declaração na Guiana, Rubio foi direto ao explicar a nova postura do governo americano e deixou um recado claro a estudantes estrangeiros que pretendem usar o visto para militância radical: “Se você mente, consegue o visto e depois se comporta assim, nós vamos revogá-lo”.
A Universidade de Columbia, de onde surgiram a maioria das denúncias sobre estudantes extremistas que organizaram atos contra Israel, já teve US$ 400 milhões em financiamento federal cortados por, segundo a Casa Branca, “fracassar em proteger estudantes judeus de assédio antissemita”. Além da Columbia, Harvard, Stanford e várias unidades da Universidade da Califórnia também figuram entre as instituições que concentram o maior número de estudantes estrangeiros que estão sendo investigados ou punidos pela Casa Branca.
O governo Trump avalia aplicar punições semelhantes às impostas à Columbia a outras instituições que permitirem a propagação de discursos extremistas.