Multidão reunida em Toulouse lembra os valores que marcaram a história da França: igualdade, pluralidade e dignidade| Foto: Eric Cabanis/AFP

Sete vítimas enterradas, um assassino morto e uma pergunta-chave: nesta França em crise de identidade, estagnada economicamente e palco da radicalização tanto de muçulmanos quanto de cristãos de direita, quem vai comandar o país nos próximos cinco anos e em que direção?

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A quatro semanas da eleição presidencial, a tragédia de Toulouse meteu o dedo na ferida que muitos queriam evitar: o crescente fosso na sociedade francesa. E deixou o país na mesma encruzilhada que a Noruega, depois que um cristão fanático e nacionalista, Anders Behring Breivik, matou, sozinho, 77 compatriotas em Oslo, em julho passado, em protesto contra uma imaginária "islamização" da sociedade norueguesa.

Agora, seis meses depois, a versão muçulmana de Behring — Mohammed Merah, um francês de 23 anos, filho de imigrantes argelinos — partiu na sua jihad (combate) contra os "infiéis" e um Ocidente cristão que ele julgou hostil, matando sete pessoas, entre elas, três crianças judias. Como no caso do norueguês, seu extremismo brotou no seu próprio país — a democrática França. Ele era um produto nacional.

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Repressão ou mudança

Resta agora saber que visão vai prevalecer depois de Toulouse, quando um novo presidente — ou o atual, Nicolas Sarkozy, em caso de reeleição — assumir o país, em maio: a da repressão ou de uma revisão do modelo francês, para a melhor integração de imigrantes que, no caso da França, são em sua maioria árabes e muçulmanos?

Hasni Abidi, cientista político das universidades de Paris I Panthéon-Sorbonne e de Genebra, onde dirige o Centro de Estudos do Mundo Árabe e Mediterrâneo, não tem ilusão.

"Infelizmente, a classe política francesa se recusa a ver as coisas na cara: não se trata apenas de um problema de terrorismo, de violência ou de radicalismo. Mas sim do fracasso do modelo francês de integrar seus próprios filhos", afirma.

Para Abidi, a trajetória de Mohammed Merah na França não desculpa a violência de seus atos, mas revela um "mal-estar" de identidade: "Este jovem não se encontrava na França. Ele, como outros, ressentia uma certa injustiça. Por que se chegou a isso? Evi­dentemente, as chances (na sociedade francesa) não são iguais para todo mundo. Mas a classe política não quer ver: para ela, o terrorismo é uma explicação mais fácil."

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"O xerife"

Para o cientista político Bruno Cautrès, do Centro de Estudos da Vida Política Francesa (Cevipof), os atentados tiveram um efeito: a campanha virou para um lado que beneficia Sarkozy. Como ministro do Interior, ele havia assegurado sua popularidade como o "xerife da França" — rápido na reação e na repressão. Ele atribui o súbito aumento de Sarkozy nas últimas pesquisas a isso: o público redescobriu, no drama de Toulouse, o lado do presidente que eles gostam mais — o do xerife que reage rápido.

Cautrès e Abidi concordam que o verdadeiro problema da França não é propriamente a eleição do próximo presidente da República. Mas sim, o que ele vai fazer quando eleito. Cautrès descreve uma França numa "gigantesca crise de identidade".

"Globalização, integração europeia, tudo isso trabalha em profundidade a pergunta: o que é ser francês hoje? Qual o lugar do modelo republicano francês?"

Abidi, teme que os atentados alimentem ainda mais a estigmatização da população de origem árabe e muçulmana da França.

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"Infelizmente, com o que aconteceu, a atenção volta-se para a presença dos muçulmanos, o Islã, e a distorção que sempre foi feita ressurgiu. De repente, os muçulmanos viraram principal questão da última etapa da campanha eleitoral", observa Abidi.

Toulouse busca superar o trauma

Apelidada de "Cidade Rosa", devido a sua singular arquitetura de tijolos de terra cozida, Toulouse se esforça em despertar de dias ensombrados pelos horrendos massacres cometidos por Mohammed Merah, o "atirador da moto", militante da violência e do radicalismo islâmico. Na busca por retomar um cotidiano sem maiores sobressaltos, os habitantes da cidade do Sudoeste da França, de mais de cem diferentes nacionalidades, tentam racionalizar as consequências da tragédia em um período carregado de tensão eleitoral às vésperas do pleito presidencial.

Uma mulher muçulmana, coberta pelo véu islâmico, conta que foi insultada no dia anterior na rua: "Disseram: Foi por causa de vocês que as pessoas foram mortas!".

Leila, de 42 anos, funcionária de um teatro local, nasceu no Marrocos, e desde os 7 vive na França. Ela procura se manter otimista — "senão não avançamos", diz —, mas está preocupada com o clima reinante.

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"Todos os meios valem para vencer a eleição, ninguém vai se intimidar em usá-los. Vi em sites comentários de pessoas de extrema-direita que dizem, como se estivessem esfregando as mãos: "Vejam o que ocorreu, foi um árabe que fez. Os árabes não têm direito ao solo francês". Muitos olharão para jovens muçulmanos pensando que ali pode estar um futuro extremista.

Para o ex-prefeito Jean-Luc Moudenc, filiado ao partido UMP (do presidente Nicolas Sarkozy), o problema não é de Toulouse, mas nacional.

"Há um caldeirão que ferve, e a toda hora colocamos a tampa, porque o que há dentro nos incomoda. Mas em algum momento teremos de encarar isso. Não conheço mal que se possa combater de forma eficaz sem que seja identificado", diz. "Estes horrores que vivemos não foram atos gratuitos, mas tinham um significado coerente. Trata-se do islamismo radical, extremista e fundamentalista, que se traduz por crimes racistas, antissemitas e antiocidentais."

Moudenc, hoje conselheiro municipal, defende uma "evolução do Direito" na França, para permitir novos meios de combate ao terrorismo extremista, endossando as propostas de Nicolas Sarkozy por um controle mais rígido, ampliando as possibilidades de penalizações criminais.

As estudantes Claire Delor e Manon Cousin, de 20 anos, se dizem "inquietas" com a instrumentalização dos massacres.

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"Certos partidos poderão atiçar a cólera de comunidades. É um risco, e isso me dá medo, sobretudo em relação à extrema-direita. E com tudo que aconteceu, não vai melhorar", afirma Manon.

O prefeito de Toulouse, Pierre Cohen, eleito pelo Partido Socialista, confessa que ficou abalado com a matança em sua cidade. Filho de pai judeu e de mãe católica, ele mesmo um ateu, sua defesa maior é da laicidade integrada a valores republicanos.

"Será preciso muito tempo para que possamos digerir isso tudo. Mas nosso estado de espírito será outro se as investigações demonstrarem que o assassino agiu sozinho", diz, sem esconder o temor pela eventual presença de uma rede de cúmplices de Mohammed Merah.

Cercada por suas quatro filhas, Jamillah, de 33 anos, teme um aumento da tensão comunitária, mas acredita num futuro alvissareiro: "Tenho orgulho de ser francesa. E antes de ser francesa, sou muçulmana. Lá em cima, há uma Justiça. Vejo cada vez mais muçulmanos agredidos. Mas isso tudo vai passar, e vamos todos viver bem juntos".