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Não faz muito tempo que nós, ambientalistas, reclamávamos da falta de espaço na mídia. Hoje temos o problema inverso. Escreve-se e fala-se tanto sobre aquecimento global, que as pessoas nem lêem mais os artigos que dizem: "nosso planeta passa por alterações gravíssimas, etc." ou "na era da informação, estamos todos desinformados", conforme li, já não sei mais onde...

Como sou do tempo em que as notícias ambientais eram raras, ainda me delicio com cada uma delas, mas é verdade que tenho me confundido com o conjunto. Para tentar desatar este nó, tento sintetizar o que venho lendo.

Os comentários, artigos e colunas publicados neste início de ano oscilam entre duas correntes.

A de Evaristo Miranda, da Embrapa, que publicou artigos no Estado de São Paulo e na Gazeta do Povo, comparando quanta floresta havia há 8 mil anos com quanta há hoje. A conclusão é que a Europa – e não o Brasil – é a grande desmatadora do planeta, vindo de 7% para 0,1%. Este artigo é um eco do livro Chutando a Escada, do economista Ha-Joon Chang, de Cambridge, que descreve como os países desenvolvidos, uma vez chegando lá, tentam impedir o desenvolvimento dos outros.

Trocando em miúdos, parte do mundo desenvolveu-se antes, poluiu antes e agora quer dividir a poluição, mas não o desenvolvimento gerado por ela.

Junto com eles, Jiang Yu, das Relações Exteriores da China, acertadamente culpou o Ocidente pelo aquecimento global, mesmo com a perspectiva de a China em três anos ultrapassar os EUA em emissões de carbono.

Em outra corrente, Contardo Calligaris publicou recentemente na Folha de S. Paulo um comentário sobre a dificuldade de pensar coletivamente. Ele escreve que o fundo cristão de nossa cultura reafirma nossa irmandade, mas que a salvação é decidida um a um. Agir contra o interesse do indivíduo, mas a favor do grupo não é de nosso feitio. Luis Fernando Verissimo também escreveu uma coluna irônica, lembrando que somos inquilinos do planeta e que temos obrigação de retornar o imóvel como encontramos.

Para usar uma analogia ao gosto do nosso presidente, estas duas correntes de pensamento lembram o time de futebol que em vez de jogar preocupa-se em descobrir culpados, ou um time que é tão altruísta que não faz gol, porque um jogador sempre passa a bola para o outro fazer.

Um bom time tem de ter capacidade crítica e altruísmo utilizados com bom senso. Se conseguimos, em nossas famílias, tomar decisões baseadas em igualdade de direitos, necessidades, disponibilidade de recursos e capacidades de cada um, deveremos também saber fazer isto para o planeta.

Somos 6,5 bilhões de pessoas respirando, e ainda com impacto ambiental maior, pensando. A salvação está em criar consensos em torno da liberação de gás carbônico. Já conseguimos sucessos parciais com a educação, a taxa de natalidade, o cigarro e a aids. Desta vez, no entanto, a coisa é mais complicada porque envolve limitar o conceito de propriedade, que nos é tão caro. Desta forma, a Amazônia não seria 100% brasileira, assim como o petróleo do Iraque não seria 100% americano. O seu carro também não seria 100% seu, porque afinal, todos pagamos pelo carbono que ele lança na atmosfera.

Se a idéia parece absurda, lembre que há pouco tempo, as fábricas se colocavam à margem dos rios para poderem livrar-se dos seus resíduos sem controle algum. Agrotóxicos vencidos eram lançados em rios para evitar o gasto com transporte. Os avanços alcançados foram à custa de restrições do direito de propriedade. Você pode ser proprietário, mas seu uso é limitado pelo dano que possa causar a terceiros.

Isto envolve também tudo o que você faz que consome energia. Precisamos de um equipamento legal, diplomático e comercial à altura dos problemas que enfrentamos, e só conseguiremos isto quando construirmos o mesmo consenso da educação, taxa de natalidade, cigarro e aids.

Efraim Rodrigues é doutor pela Universidade de Harvard, professor de Recursos Naturais da UEL e consultor do programa de formação em sustentabilidade da ONU.

efraim@efraim.com.br

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