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Assassinatos, ameaças de morte e  cartazes de “procura-se” são usados para intimidar os defensores da luta contra a propagação do tabaco | CHARLIE SHOEMAKER/NYT
Assassinatos, ameaças de morte e cartazes de “procura-se” são usados para intimidar os defensores da luta contra a propagação do tabaco| Foto: CHARLIE SHOEMAKER/NYT

Há seis anos, mais de uma dúzia de homens com fuzis AK-47 chegaram atirando na casa de Akinbode Oluwafemi em Lagos, na Nigéria. Eles mataram os seguranças da casa e seu cunhado. Por um breve tempo ainda seguraram uma arma contra a cabeça de um de seus gêmeos de um ano de idade.  

"Não sei por que não fui morto naquele dia", disse Oluwafemi, que, como diretor-adjunto do Environmental Rights Action/Friends of the Earth Nigeria é um dos principais ativistas antitabagistas de seu país.  

Ele foi um dos vários defensores do controle do tabaco na 17ª Conferência Mundial sobre Tabaco ou Saúde, realizada na Cidade do Cabo, África do Sul. Em conversas telefônicas, muitos descreveram a violência e as ameaças que enfrentam na luta contra a propagação do tabagismo em seus países.  

Nenhuma prisão foi feita e nenhuma das vítimas conseguiria identificar se os homens que as agrediram e ameaçaram trabalham para a indústria de tabaco. Mas o padrão era consistente.  

Perseguição

Primeiro, foram discretamente advertidos que estavam incomodando as empresas fabricantes de cigarros, os produtores de tabaco e as autoridades ligadas à indústria. Se persistissem, as ameaças e a violência aumentariam de forma repentina e imprevisível.  

Em 2012, Tara Singh Bam, diretor-adjunto regional da União Internacional contra Tuberculose e Doenças Pulmonares, descobriu cartazes de "procurado" com sua foto e de mais outros nove defensores antitabagistas – incluindo o Ministro da Saúde da Indonésia. As fotos estavam sob o título "Dez inimigos dos produtores de tabaco". 

Um ano mais tarde, Bam conta que um intruso invadiu o hall de entrada de seu apartamento em Jacarta no momento em que ele saía para levar seus filhos à escola.  

"Ele agarrou minha mão e disse, 'Saia do meu país assim que possível'", contou Bam, que é do Nepal. "Então, soprou fumaça na minha cara. Meus filhos começaram a chorar e ele se foi."  

Há dois anos, recebeu também um aviso por uma mensagem do Facebook: "Não se meta em nossos assuntos ligados ao tabaco". E terminava com "sua vinda não fez bem ao clima daqui".  

Quando Bam viu o nome do remetente reconheceu um funcionário da Associação de Produtores de Tabaco da Indonésia.  

Oluwafemi afirmou que não tinha como provar que quem o atacou estava ligado à indústria de tabaco em seu país, mas tinha forte suspeita. Eles estavam bem vestidos e melhor armados que assaltantes típicos na Nigéria, e sua modesta residência não era um alvo promissor em um bairro de mansões com Mercedes-Benz nas garagens.  

Ele saiu de casa depois do ataque e recusou a oferta de um amigo, general do Exército nigeriano, de colocar soldados como seguranças. Recusou também ofertas da Bloomberg Philanthropies e da Fundação Bill e Melinda Gates para levá-lo junto com a família para os Estados Unidos.

"Se eu me mudasse... senti que isso significaria uma vitória para eles", disse. 

A menção às ameaças foi assunto corrente na conferência realizada para destacar o foco da indústria de tabaco nos países pobres e de renda média.  

Conferência

Ela foi conduzida por Tedros Adhanom Ghebreyesus, o novo diretor-geral da Organização Mundial da Saúde, por Michael R. Bloomberg, ex-prefeito de Nova York e embaixador da OMS para enfermidades não transmissíveis e pelo ministro da Saúde da África do Sul, Dr. Aaron Motsoaledi.  

Tedros, o primeiro Africano a encabeçar a OMS, chamou a África de "ponto de partida para a guerra contra o tabaco", à medida em que a indústria perde espaço no Ocidente. Motsoaledi disse que esperava que a África do Sul em breve proibisse o fumo em locais públicos e exigisse que cigarros fossem vendidos em embalagens sem marca com fotos terríveis de pacientes com câncer.  

Bloomberg anunciou que doaria US$ 20 milhões para criar uma organização de vigilância global chamada Stopping Tobacco Organizations and Products, dedicada ao monitoramento de táticas enganosas da indústria.  

Em teleconferência com jornalistas antes do encontro, Bloomberg colocou a Philip Morris, fabricante do Marlboro, como alvo principal.  

No ano passado, a empresa de tabaco criou uma "Foundation for a Smoke-Free World" (fundação para um mundo sem fumo) e prometeu doar quase US$ 1 bilhão ao longo de 12 anos. Os fabricantes agora fazem marketing de cigarros eletrônicos e dispositivos que aqueçam cigarros sem que sejam queimados. Críticos consideram que essa fundação é uma artimanha que pretende difundir a noção de que esses produtos são menos prejudiciais do que cigarros e que ajudam a reduzir as taxas de tabagismo.  

"Essa é uma tentativa da Philip Morris de confundir o público. É ciência falsa e notícia falsa. Enganar governos com desinformação deliberadamente é algo que não deveríamos tolerar", disse Bloomberg.  

André Calantzopoulos, presidente-executivo da Philip Morris, anunciou que o discurso de Bloomberg era "mera repetição da retórica de décadas atrás sendo aplicada à realidade de 2018 por aqueles que não querem que homens e mulheres, que de qualquer maneira continuariam como fumantes, tenham acesso a alternativas potencialmente melhores. O resultado final é a confusão entre os consumidores adultos, fazendo-nos questionar quem está enganando quem".  

Programa antitabagista global

Oito anos atrás, Bloomberg começou um programa antitabagista global de US$ 2 milhões em parceria com a OMS. Posteriormente, ele e Gates anunciaram que gastariam conjuntamente US$ 500 milhões na causa.  

A campanha, apelidada Mpower, pede que os governos aumentem os impostos sobre o tabaco, proíbam que se fume em lugares públicos e tornem ilegal a distribuição de brindes, publicidade destinada a crianças e que ofertem adesivos de nicotina ou outro tipo de ajuda aos fumantes que estão tentando largar o vício. Bloomberg disse que a campanha Mpower já diminuiu o número de fumantes em alguns países a ponto de prevenir 35 milhões de mortes prematuras.  

A indústria tabagista iniciou inúmeras ações judiciais em países pobres na tentativa de frustrar medidas de combate ao fumo.  

Na conferência, a Dra. Loida Alzona, diretora de saúde, segurança pública e proteção ambiental na Autoridade de Desenvolvimento Metropolitano de Manila, nas Filipinas, descreveu como sua agência perdeu na justiça quando tentou impor a proibição de fumo nas ruas.  

Dois homens multados por fumar processaram a agência e conseguiram uma liminar impedindo quaisquer penalizações. Eles persistiram mesmo depois que as acusações foram retiradas, disse Alzona, aparecendo repetidamente com advogados caros, apesar de serem trabalhadores de baixa renda.  

Ainda de acordo com ela, um deles declarou em entrevista à televisão que fazia parte de um grupo de cerca de 50 homens, recrutados por advogados da indústria do fumo, que tentariam ser presos como um teste.  

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