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Entrevista

"O maior sofrimento do papa foram os casos de pedofilia"

Agência O Globo

Tudo começou com uma entrevista com o então líder da Congregação da Doutrina da Fé, cardeal Joseph Ratzinger, em 1992. O encontro mudou a vida do jornalista alemão Peter Seewald, que, comunista, converteu-se de novo ao catolicismo e tornou-se biógrafo do pontífice.

Da série de entrevistas, que prosseguiram depois que Ratzinger foi eleito papa, surgiram os livros "O sal da terra", "Deus e o mundo" e "Luz do mundo", traduzidos para mais de 20 idiomas, com mais de um milhão de exemplares vendidos, best-sellers que mostram uma imagem diferente, bastante pessoal, do pontífice que deixa o Trono de São Pedro nesta semana.

Quando o senhor esteve com o papa pela última vez, notou que ele pretendia renunciar?

Percebi que ele demonstrava estar esgotado. Parecia ter envelhecido. Estava com problemas de vista e aparentava ter perdido a energia. Ele falou sobre o terceiro volume de sua obra sobre Jesus como se fosse seu último livro. Disse que era um homem idoso, que perdia as forças. Mesmo assim, fiquei surpreso com a renúncia, dez semanas depois do encontro.

Ele falou algo sobre as intrigas na Cúria?

Falou, mas em um encontro anterior que tivemos, em agosto, na sua residência de verão. Ele disse que não conseguia compreender o objetivo do vazamento de informações por meio do seu mordomo, o caso chamado de VatiLeaks. Mas fez questão de dizer que o caso deveria ser julgado pela Justiça, e não por ele. Ele nunca procurou exercer poder, ficava de fora das intrigas do Vaticano. O papa vivia com a humildade de um monge. Bento XVI nunca foi um manager, mas não é certo dizer que ele não governou no Vaticano. Ele mandou transferir milhões de euros para os programas de combate à Aids na África, reorganizou o Banco do Vaticano. Mas ele também admitiu erros, como o de ter reabilitado o bispo Richard Williamson, da Fraternidade de São Pio. E seu maior sofrimento foram os casos de pedofilia, que combateu mandando punir os culpados.

Qual é o legado de Bento XVI?

Foi muito importante o diálogo com outras religiões, a visita a uma sinagoga, a uma mesquita e ao mosteiro de Martinho Lutero, o berço do protestantismo, como fez em visita à Alemanha. Bento XVI nunca teve problema com pessoas que pensavam de forma diferente da sua, pois ele mesmo era controverso como teólogo. E ele foi o papa que escreveu uma grande obra. Nenhum, antes dele, deixou como legado uma obra tão monumental sobre Jesus Cristo. Ele é o mais bem sucedido teólogo da Alemanha. Bento XVI vai entrar para a História como um papa que cultivou as origens do cristianismo e fez com que outras religiões cristãs não vissem mais no Vaticano um concorrente, e sim um símbolo da unidade. E como o papa que mais criticou o abismo entre ricos e pobres, a miséria nos países pobres e as guerras do Ocidente.

O que o senhor espera do próximo papa?

Ele vai ter, com certeza, estilo próprio. Vai trazer carisma e prosseguir a grande herança de João Paulo II e Bento XVI. Mas a principal tarefa de um papa é dar à Igreja e ao mundo uma boa palavra, que ajude a encontrar orientação nessa época em diversos aspectos confusa. A palavra do amor, da verdade. E isso é difícil, levando em consideração o paganismo, que está ficando cada vez mais forte, e o ateísmo, que adquire formas cada vez mais agressivas.

Peter Seewald, jornalista, é biógrafo do papa Bento XVI.

Depois da renúncia, às 20 h de amanhã (16 h em Brasília), o papa Bento XVI permanecerá pontífice – pelo menos no título. Após semanas de debate interno, o Vaticano decidiu que ele será chamado "Sua Santidade Bento XVI" ou "Papa Romano Pontífice Emérito". Parece um detalhe, mas não é. Pela primeira vez em 600 anos, a Igreja Católica vai se encontrar na situação inusitada de ter duas pessoas com o título de "Sua Santidade" — o atual e o que ainda será eleito — convivendo sobre o mesmo teto, o Vaticano.

"Foi uma decisão tomada com ele, em consulta com outros", explicou o porta-voz da Santa Sé, Federico Lombardi.

Com tanto simbolismo e tradição, todo detalhe é pouco. Bento XVI vai ter de tirar o sapato vermelho de papa, cor reservada ao sucessor. Que calçado ele vai usar?

"Não serão sapatos vermelhos, e sim marrons. O pontífice ficou muito contente com os calçados desta cor que lhe deram de presente na viagem a León (México), porque são muito confortáveis", destacou Lombardi.

Bento XVI também vai se desfazer de seu Anel do Pescador — outro símbolo reservado ao papa que comanda o Vaticano. O anel deverá ser destruído, como manda a tradição da Igreja.

Finalmente, decidiu-se que ele continuará usando a roupa branca, mas uma mais simples que a atual, sem a manta.

Últimos momentos

O Vaticano também divulgou detalhes dos últimos momentos do papa demissionário. Ontem ele separou os documentos que serão enviados para os diversos arquivos do Vaticano, além de seus próprios estudos, que levará com ele para sua nova residência.

Pelo menos 50 mil pessoas são esperadas hoje na Praça de São Pedro, onde ele fará sua última audiência pública com os fiéis.

A agenda de amanhã funcionará com a precisão de um relógio suíço. Às 16h55, o papa sairá de carro em direção ao heliporto. O cardeal decano, Angelo Sodano, lhe dirá adeus. Às 17 h, o helicóptero levará sua Santidade para Castelgandolfo, onde ele passará os próximos dois meses. Lá ele fará sua última aparição pública como papa, quando saudará o padre e os religiosos da diocese local.

Às 20 h, quando a renúncia for efetiva, a Guarda Suíça terminará o seu trabalho na porta do Palácio Apostólico de Castelgandolfo.

"Assim terminará o Pontificado de Bento XVI, às 20 h de 28 de fevereiro", declarou, em tom solene, o porta-voz do Vaticano.

Neste momento, inicia o período chamado pelo Vaticano de Sé Vacante — aquele onde a Igreja Católica não tem um chefe de Estado, e todas as decisões importantes são suspensas. O Vaticano é governado pelo Colégio dos Cardeais.

Somente a partir de segunda-feira os 115 cardeais com direito a voto serão oficialmente convocados a Roma para a escolha do novo pontífice.

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