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Por muito tempo, a grande esperança de um papa brasileiro era um veterano da fundamental Congregação para os Bispos, o que lhe deu a fama de insider que sabe como o Vaticano funciona, mas que também acumulava uma vasta experiência ao comandar uma arquidiocese complexa no maior país católico do mundo. Visto como próximo ao papa a quem servia, esse brasileiro nunca ficou marcado na mente de seus colegas cardeais por alguma associação à Teologia da Libertação, mas também não fez parte da reação mais feroz a ela.

Poderíamos estar falando do cardeal Odilo Scherer, arcebispo de São Paulo, mas na verdade essa referência evoca o cardeal Lucas Moreira Neves, amigo de longa data de João Paulo II, arcebispo de Salvador e, depois, prefeito da Congregação para os Bispos, falecido em 2002 de complicações ligadas à diabete. Por boa parte da década anterior à sua morte, dom Lucas era visto como tanto papabile, o candidato principal a ser o primeiro papa latino-americano. Ele parecia ter todos os requisitos: experiência em Roma, um temperamento pastoral e reputação de ortodoxia doutrinal, bem como uma habilidade para a reconciliação. Por boa parte dos anos 90, o brasileiro liderava virtualmente qualquer lista de "próximos papas".

Hoje, muitos observadores acham que o posto de principal papável latino-americano foi herdado por Scherer, 63 anos, cujo perfil remete às mesmas características de seu célebre antecessor brasileiro. Nascido em 1949 no Rio Grande do Sul, dom Odilo vem de uma família de imigrantes alemães do Sarre. Quando seminarista, estudou na Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma, e executou uma série de atividades pastorais e de docência em seminários brasileiros antes de trabalhar na Congregação para os Bispos, no Vaticano, entre 1994 e 2001. A próxima parada foi como bispo auxiliar de São Paulo, normalmente vista como uma das dioceses mais desafiadores do mundo. Embora bispos brasileiros mais liberais tivessem o pé atrás com Scherer por causa de seu tempo em Roma e seu perfil basicamente conservador, dom Odilo rapidamente ganhou uma reputação de pragmático e promotor de consensos, tornando-se secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) em 2003. Em março de 2007, ele foi nomeado arcebispo de São Paulo, e virou cardeal oito meses depois.

Em termos gerais, ele é visto como uma figura mais tradicional que seus dois predecessores em São Paulo – dom Paulo Evaristo Arns, grande defensor da Teologia da Libertação, e dom Cláudio Hummes, um franciscano visto como moderado. Dom Odilo é um ferrenho defensor da vida. Quando o Supremo Tribunal Federal, em 2012, legalizou o aborto de anencéfalos, ele ganhou as manchetes ao perguntar quem seriam os próximos, segundo a corte, a serem considerados indignos de viver.

Mas Scherer não chega a ser um linha-dura. Por exemplo, ele não deixa de elogiar a missão social da Teologia da Libertação, embora critique suas tendências marxistas. Dom Odilo também compartilha da forte preocupação ambiental dos bispos brasileiros, especialmente em relação à Amazônia. Em 2004, ele pediu ao governo brasileiro um controle rígido da expansão da atividade agropecuária na Amazônia, "para que as medidas não sejam tomadas apenas depois que o problema já se instalou, depois que a floresta tenha sido derrubada e queimada".

O cardeal também já mostrou que ele é capaz de fazer valer suas decisões, talvez sugerindo a seus colegas que ele é durão o suficiente para ser um líder. Em 2012, estudantes e professores da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) votaram nas eleições para reitor, e Scherer, o grão-chanceler da universidade, não escolheu o mais votado da lista tríplice, e sim a terceira colocada. Os estudantes primeiro foram à Justiça, depois iniciaram uma greve, e chegaram a impedir a entrada da nova reitora em seu escritório, cercando-a e aos guarda-costas que ela precisou contratar, e forçando-os a fugir em um táxi. Dom Odilo não recuou e sua escolhida, Anna Cintra, foi confirmada como reitora (vale a pena lembrar que Scherer gastou seu capital político para nomear uma mulher para o principal posto da universidade).

Dom Odilo claramente conta com a estima de Bento XVI. Quando o papa criou o Pontifício Conselho para a Nova Evangelização, projeto que é a menina dos seus olhos, ele elaborou uma lista de bispos de elite de todo o mundo para serem seus primeiros membros, e Scherer foi um dos dois latino-americanos convocados.

Estes são os argumentos a favor da eleição de dom Odilo:

Primeiro, em um nível mais simbólico, ele seria o primeiro papa dos países em desenvolvimento. Suas raízes alemãs, no entanto, lhe dão laços culturais e linguísticos com o Velho Mundo, de forma que muitos cardeais poderiam vê-lo como uma ponte entre o passado e o futuro da Igreja.

Segundo, o Brasil pode até ser o maior país católico do mundo, mas as coisas não vão bem para a Igreja. Não apenas as igrejas evangélicas vêm crescendo e abocanhando parte relevante da população católica, mas em 2007, quando Bento XVI veio ao Brasil, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística estimou que a porcentagem de brasileiros sem religião havia pulado de 0,7% para 7,3% nas últimas duas décadas. Nesse contexto, a escolha de um papa brasileiro seria um impulso extraordinário para a Igreja em um país destinado a ser uma das superpotências emergentes do século 21.

Terceiro, a experiência de dom Odilo no que é visto como um dos departamentos mais importantes do Vaticano, a Congregação para os Bispos, aliada à sua reputação como administrador, pode sugerir a alguns cardeais que ele poderia executar a tão desejada reforma da burocracia vaticana. Ao longo dos anos, ele deixou a entender que compreende a necessidade de modernizar as operações do Vaticano. Em 2009, por exemplo, no auge do furor global com o levantamento da excomunhão de um bispo que negava o Holocausto, dom Odilo admitiu que o Vaticano não tinha feito um bom trabalho ao tentar explicar sua lógica ao mundo. "Quando usamos nosso próprio jargão, tudo está bem claro para nós, mas não para os demais", disse na ocasião. "Os porta-vozes da Igreja precisam lembrar que a cultura geral não tem mais uma formação religiosa, então nossas palavras e ações podem ser mal compreendidas ou mal interpretadas."

Quarto, dom Odilo fala italiano muito bem e obviamente ele conhece os meandros do bel paese, indicando que não teria problemas para ser o bispo de Roma.

Quinto, a ortodoxia doutrinal de Scherer é atestada, o que faz dele uma escolha segura para os conservadores do Colégio de Cardeais; mas ele também é visto como um pragmático que não necessariamente tentaria impor suas próprias visões sobre toda a Igreja.

No entanto, há alguns importantes pontos de interrogação.

Primeiro, apesar do currículo vaticano de dom Odilo, muitos cardeais dizem que não conhecem muita coisa sobre o brasileiro. A natureza do trabalho na Congregação para os Bispos é de bastidores, indicando que Scherer não deixou uma impressão profunda durante seu tempo em Roma; e, desde que voltou ao Brasil, ele não fez nada que lhe desse repercussão internacional. Alguns cardeais dizem que, no papel, ele é ótimo, mas que gostariam de conhecer melhor o homem nos próximos dias.

Segundo, se os cardeais querem um "missionário-chefe", alguém que seja um bom vendedor da mensagem católica, alguns brasileiros dirão que Scherer não necessariamente é o cara. Pessoalmente, ele é simpático e acessível, mas em público ele pode, às vezes, aparecer como excessivamente convencional ou cauteloso, e poucas pessoas o descreveriam como "dinâmico" ou "carismático". Isso vale não apenas para seu estilo pessoal, mas também para o tipo de Catolicismo que ele está disposto a defender. Por exemplo, dom Odilo manifestou suas reservas ao padre Marcelo Rossi, o mais famoso padre católico brasileiro, cujas liturgias exuberantes atraem dezenas de milhares de brasileiros a uma antiga fábrica no sul de São Paulo (o padre Marcelo já chegou a celebrar missa para 2 milhões de pessoas no Autódromo de Interlagos). O arcebispo disse que "padres não deveriam ser showmen", mas muitos brasileiros insistem que o padre Marcelo é exatamente a "nova evangelização" em ação.

Terceiro, dada sua ascendência, alguns cardeais podem ver Scherer não como o primeiro papa brasileiro, mas o segundo papa alemão seguido, e se perguntar se esse seria o perfil certo.

Quarto, os últimos dois brasileiros que foram para Roma, dom Cláudio Hummes e dom João Braz de Aviz (que até a renúncia de Bento XVI prefeito da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada), eram vistos pelos insiders como pessoas simpáticas, mas de pouca relevância, então pode haver reservas em relação a um candidato brasileiro.

Quinto, alguns observadores questionam quão eficiente dom Odilo tem sido em frear a onda de pentecostalismo, secularismo e indiferença religiosa que levou parte da base católica brasileira. Claro, não faz sentido esperar que uma pessoa reverta sozinha uma trajetória cultural de décadas, mas ainda assim alguns cardeais podem se perguntar "nós queremos que a Igreja toda siga os passos do Brasil?"

Uma década atrás, dom Lucas morreu antes que suas chances de se tornar papa pudessem ser testadas em um conclave. Hoje, apesar de todas essas ressalvas, dom Odilo pode muito bem ser o homem que vai levar as chances brasileiras um passo além. Se ele vai mesmo ser eleito, é uma incógnita, mas é certo que ele receberá uma boa dose de atenção.

Tradução: Marcio Antonio Campos

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