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Bandeiras cubanas refletidas na fachada da embaixada norte-americana em Havana | ALEXANDRE MENEGHINI/REUTERS
Bandeiras cubanas refletidas na fachada da embaixada norte-americana em Havana| Foto: ALEXANDRE MENEGHINI/REUTERS

A manhã não poderia ter sido mais esplendorosa: o céu limpo, o mar intensamente azul e em paz, temperado pelo calor abrasador do agosto cubano foram o cenário do momento em que o pacto foi selado. A embaixada dos Estados Unidos em Cuba, 54 anos depois de fechada, voltava a exibir a bandeira americana. Metros atrás, no Malecón, brilhavam três antigos carros saídos de alguma indústria de Detroit da década de 1950, sobreviventes de uma história de amor e ódio que inicia agora um novo capítulo.

Após 70 anos da última visita de um secretário de Estado americano a Cuba, havia chegado a hora de John Kerry presidir uma cerimônia carregada de simbolismo e emoção que deve ter comovido milhões de cubanos, americanos e cidadãos de todo o mundo, pois com o ato de içar uma bandeira estava-se ratificando o que muitos sabiam, e que alguns se negavam a aceitar: que graças ao diálogo e à vontade de entendimento, os velhos inimigos poderão deixar de sê-lo, como pediu o político americano, como havia pedido no mesmo pódio o poeta Ricardo Blanco, buscar se tornarem vizinhos não separados, mas unidos pelo mar intensamente azul do Golfo do México, que conquistou para sempre Ernest Hemingway, desde suas primeiras visitas.

O que acaba de ocorrer em Havana é apenas um primeiro passo em um caminho que se vislumbra longo e complicado, como reconheceram os chanceleres dos dois países, o cubano Bruno Rodríguez e o americano John Kerry. Todos sabemos disso. Porém, sem este passo, como diz o ditado chinês que adoro repetir, não será possível realizar o restante do périplo, pois a viagem mais longa começa com o primeiro passo.

Encerrado o processo simbólico de reestabelecimento das relações entre os dois países vizinhos, estão abertas expectativas enormes que verão sua realização em um futuro imprevisível — como todos os futuros —, porém são expectativas alentadoras diante do presente. O reconhecimento por parte do secretário de Estado americano de que a principal reivindicação cubana para uma normalização dos vínculos passa primeiro pelo término dos instrumentos do bloqueio comercial e financeiro estabelecido em 1961 constitui um ato de realismo político elementar com o qual havia se comprometido, na medida de suas possibilidades e atribuições, o presidente Barack Obama.

Mas os caminhos para avançar em outros entendimentos possíveis parecem estar abertos: a notícia de que a partir de setembro começarão os encontros bilaterais entre as delegações dos dois governos servirá para que o diálogo mantenha sua dinâmica de levar a novas realizações. Segundo o que foi anunciado, entrarão em debate desde temas candentes e repetidos, possivelmente sem acordo próximo, como a concepção de direitos humanos e civis, as formas de entender e praticar a democracia e as compensações econômicas reclamadas pelas duas partes, até questões urgentes como a esperada abertura de voos comerciais entre os Estados Unidos e Cuba, a sempre problemática questão da migração e do tráfico de pessoas, e medidas para aliviar os efeitos das mudanças climáticas, entre outras que são incumbência dos dois países.

Alentadora é a confiança do secretário de Estado, John Kerry, de que nos próximos meses tanto se avançará no processo de normalização das relações que, seja qual for o resultado das eleições presidenciais americanas de 2016, não será possível voltar atrás no que for conquistado. Alentadora também é a disposição de seu país de “construir confiança”, após tantos anos de ofensas, agressões, distanciamento político.

Apesar da existência de restrições muito concretas, neste ano a quantidade de visitantes americanos a Cuba aumentou 35%. Cada passo em direção à normalização dos vínculos trará para a ilha mais e mais viajantes, que se aproximarão mais dos agora vizinhos, antes inimigos. E após os diplomatas e os viajantes, o que virá? Estamos apenas no primeiro dia depois, mas o mar calmo e o horizonte limpo que recebeu este ato simbólico de içamento da bandeira americana em sua embaixada em Havana são um sinal de outros tempos, seguramente mais satisfatórios do que estes 54 anos de hostilidade e distância.

Leonardo Padura é escritor cubano

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