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A comissária europeia de Assuntos Internos, Ylva Johansson, durante uma conferência sobre migração realizada neste mês
A comissária europeia de Assuntos Internos, Ylva Johansson, durante uma conferência sobre migração realizada neste mês| Foto: EFE/EPA/OLIVIER HOSLET

A Europa está em alerta diante da possibilidade de um novo aumento do fluxo de migrantes provenientes do continente africano após a decisão do Níger de revogar uma lei que criminalizava o tráfico humano e, consequentemente, o trânsito de migrantes pelo país.

O Níger é considerado uma das principais rotas de migração ilegal do continente africano para o europeu, já que muitas pessoas utilizam o país para atravessar o deserto do Saara e chegar ao Mar Mediterrâneo.

A lei, identificada como 2015-36, foi aprovada no Níger no ano de 2015 com o apoio financeiro da União Europeia (UE), que buscava conter naquela época a crise migratória que afetava o bloco. A lei previa penas de até cinco anos de prisão e multas de até R$ 45 mil para os traficantes de pessoas que, em muitos casos, ajudavam a facilitar também a passagem de milhares de migrantes pelo território nigerino.

A lei foi revogada no final de novembro pelo general Abdourahamane Tchiani, que é o líder da junta militar que governa o Níger desde o golpe de Estado que derrubou o presidente Mohamed Bazoum, ocorrido em julho deste ano. Tchiani alegou que ela “não levava em conta os interesses do Níger e de seus cidadãos”. A revogação da legislação resultou também na libertação de todos os presos anteriormente condenados pelo crime de tráfico humano, uma vez que a junta militar concordou que todas as condenações poderiam ser anuladas de forma retroativa.

A UE afirmou em setembro deste ano que 876 suspeitos de tráfico de pessoas foram processados no país africano sob a lei entre 2017 e este ano de 2023.

A decisão da junta militar do Níger contrariou os interesses da UE e acendeu um novo alerta no velho continente. A comissária europeia de Assuntos Internos, Ylva Johansson, disse no começo deste mês que “lamentava profundamente” a decisão do Níger e que estava “muito preocupada” com as consequências dela.

“Há um enorme risco de que isso cause novas mortes no deserto, e isso é o mais preocupante. Mas isso também provavelmente significará mais pessoas chegando à Líbia e à Argélia, por exemplo, e depois, talvez, tentando cruzar o Mediterrâneo para a UE”, afirmou.

Mais de 60 mil migrantes passaram pelo Níger rumo à Líbia e à Argélia no primeiro semestre de 2023, de acordo com um relatório da Organização Internacional para as Migrações (OIM), isso com a lei ainda em curso. Segundo um tratado da Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (Cedeao), os cidadãos africanos podem circular livremente pelo continente desde que tenham um documento de identificação.

O Níger recebeu da UE um financiamento que poderia chegar a quase 1 bilhão de euros para aprovar a lei de 2015. Naquele momento, o país se comprometeu a impedir o trânsito de migrantes pela região de Agadez e controlar a crise migratória local. Agadez é uma região no norte do Níger onde, segundo informações, a economia local dependia em grande parte do comércio gerado pela passagem dos migrantes.

Segundo o site estatal Voz da América, antes da lei de 2015, os moradores de Agadez faturavam com os serviços de transporte, hospedagem e alimentação oferecidos para milhares de migrantes que passavam por aquele local.

Quando entrou em vigor no final de 2015, a lei contou com protestos e manifestações dos traficantes e moradores de Agadez, que estavam insatisfeitos com o encerramento daquilo que era sua principal fonte de renda.

Apesar disso, ela foi posta em prática e, posteriormente, traficantes foram presos ou multados e um controle maior sobre a migração local foi estabelecido. Com o objetivo de tentar mudar o cenário econômico da região, que anteriormente dependia da passagem dos migrantes, a UE ajudou a financiar programas de requalificação profissional e destinou mais 3 bilhões de euros para que o Níger tentasse mitigar as consequências da redução dos fluxos migratórios irregulares sobre a economia de Agadez.

A UE também contribuiu para o desenvolvimento de novas vias de trabalho, mas, segundo informações do Voz da América, o investimento não chegou a gerar o efeito necessário e muitas pessoas ainda estavam insatisfeitas com a nova realidade.

Para a UE, a revogação da lei pelo Níger também representa mais um revés depois da Tunísia ter rejeitado em outubro um financiamento do bloco europeu para ajudar a conter a imigração ilegal. Já a população nigerina que vive em Agadez recebeu o fim dela com “festa”, já que é esperado um novo aumento do fluxo migratório no país e, principalmente, na região.

O fim da lei de 2015 colocou ainda em xeque a política de cooperação da UE com os países africanos para tentar reduzir as causas e os riscos da migração ilegal.

Internamente, a decisão da junta militar foi vista como uma forma dos militares conquistarem ainda mais o apoio local e retaliar uma decisão da UE de suspender os pagamentos de ajuda que eram destinados ao país após o golpe militar que derrubou Bazoum. Antes do golpe, o Níger era um dos principais parceiros da UE na região, tendo previsto receber mais de 503 milhões de euros em financiamento europeu entre 2021 e 2024 para investir em iniciativas que incluíam novos projetos de gestão da migração.

“Esses projetos tinham vários objetivos, incluindo combater a migração ilegal, melhorar a infraestrutura pública, reforçar a capacidade fronteiriça, mas também assistir as populações deslocadas”, explicou ao site estatal Voz da América Alia Fakhry, especialista em política migratória entre a UE e a África no Conselho Alemão de Relações Exteriores.

“Um desses projetos foi o que apoiou o Estado do Níger a construir sua capacidade fronteiriça e a elaborar essa nova lei que criminalizaria a migração irregular e sua facilitação - o trabalho dos traficantes, basicamente. E é essa lei que agora foi revogada pela junta militar”, disse Fakhry ao Voz da América.

Nos últimos anos a UE tem tentado fortalecer a cooperação com os países africanos para lidar com o problema da migração ilegal, oferecendo fundos e assistência técnica para melhorar o controle das fronteiras, o combate ao tráfico humano e o desenvolvimento socioeconômico.

Os europeus também têm buscado acordos de readmissão e de repatriação com os países de origem e de trânsito dos migrantes, além de promover o reforço das capacidades de asilo e proteção nos países vizinhos. A UE também tem apoiado programas de evacuação e reassentamento de refugiados e migrantes vulneráveis que se encontram em situações de risco na Líbia e em outros países.

No entanto, essas iniciativas têm enfrentado vários desafios, como a falta de vontade política, a resistência da sociedade civil, as limitações de recursos e a coordenação entre os atores envolvidos.

Analistas ouvidos por agências internacionais dizem que a revogação da lei pelo Níger pode ter efeitos em outros países da região, como Mauritânia, Mali e Burkina Faso, que também são afetados pelos fluxos migratórios.

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