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A família Pulex tentou fugir da violenta e empobrecida Guatemala para os Estados Unidos: mãe e filha acabaram sendo deportadas | MEGHAN DHALIWAL/
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A família Pulex tentou fugir da violenta e empobrecida Guatemala para os Estados Unidos: mãe e filha acabaram sendo deportadas| Foto: MEGHAN DHALIWAL/ NYT

Durante a maior parte dos dois meses que passou no centro de detenção de imigração nos Estados Unidos, Donelda Pulex Castellanos temia nunca mais ver sua filha de seis anos. As duas foram pegas depois de cruzar ilegalmente a fronteira mexicana e, um dia depois, foram separadas como parte do esforço do presidente Donald Trump para acabar com a imigração ilegal. Pulex foi presa no Texas e sua filha, Marelyn Maydori, foi enviada para viver em um lar adotivo em Michigan. 

A provação – ou pelo menos o capítulo mais difícil da história – terminou quando as duas foram subitamente reunidas momentos antes de serem colocadas em um avião e deportadas de volta para a Guatemala. "Nunca ocorreu que seríamos aprisionadas e que levariam minha filha", disse Pulex, 35 anos, durante uma entrevista em Santa Rosa de Lima, município pobre e rural no sul da Guatemala, de onde ela é. 

 Durante a detenção, ela ouviu outros imigrantes falarem sobre como, uma vez que fossem deportados, tentariam atravessar as fronteiras dos Estados Unidos de novo, alguns até mesmo com seus filhos. Ela estremeceu só de pensar nisto. "Nunca mais, nunca mais. Foi a primeira e última vez", disse balançando a cabeça. 

 O governo de Trump está se esforçando para devolver cerca de três mil crianças para seus pais depois de separá-los nos últimos meses, sob sua política de tolerância zero nas fronteiras, uma prática oficialmente anunciada pelo procurador-geral Jeff Sessions apenas um dia antes que Pulex e sua filha chegassem aos Estados Unidos. 

 Muitas das famílias reunidas estão sendo liberadas, mas com monitores eletrônicos amarrados aos tornozelos. Pulex e Marelyn, no entanto, estavam entre as 12 famílias que foram deportadas para a Guatemala. 

 Em sua chegada a uma base militar guatemalteca na capital, Cidade da Guatemala, foram recebidas por parentes alegres, incluindo o marido de Pulex, Henry e a filha mais velha do casal, Emily Gelita, 10.  "Pensei que iriam tirar minha filha de mim. Foi um grande tormento", Henry Pulex disse na calçada, em frente à base militar, enquanto Donelda Pulex, cercada pela família, enxugava as lágrimas do rosto. 

Pobreza e gangues

 A grande maioria das crianças tiradas de seus pais sob esta nova política era da América Central, região que tem sido a maior fonte de migrantes que atravessam a fronteira sudoeste dos Estados Unidos nos últimos anos. Muitos dizem que são levados a deixar o país pela violência relacionada a ganguess na região, que tem algumas das taxas mais elevadas de homicídio no mundo, ou por conta da pobreza, ou pelo desejo de se reunir aos membros da família que já estão nos Estados Unidos. 

 Os Pulex são francos quando contam suas motivações para rumar para o norte: pensaram que poderiam ter uma chance de ganhar mais dinheiro, obter uma educação melhor para suas filhas, enfim, melhorar suas vidas. "Queríamos viver lá e deixar para trás tudo de ruim da vida na Guatemala", explicou Henry Pulex. 

Donelda Pulex disse que nunca teve a intenção de fugir das autoridades. Ela e Marelyn planejavam cruzar a fronteira dos EUA entre pontos de entrada legais, com a expectativa de que seriam imediatamente pegas por guardas da fronteira e colocadas em processo para deportação. 

Mas com base nas experiências de outras pessoas, ela tinha pensado que seria rapidamente liberada para aguardar julgamento, que poderia levar anos. Até o governo de Trump começar a separar as famílias na fronteira, geralmente adultos que estivessem com filhos menores não eram processados criminalmente. As pessoas da América Central estavam familiarizadas com essa prática e isso se tornou parte dos planejamentos. 

Segundo os dados mais recentes do governo americano, quase 33,4 mil guatemaltecos viajando em unidades familiares foram apreendidos na fronteira de outubro de 2017 a junho de 2018, cerca de 35 por cento a mais do que o número apreendido durante os 12 meses anteriores. 

 Plano frustrado

A família tinha bolado um plano: Donelda Pulex e Marelyn sairiam primeiro, com a ajuda de um contrabandista de imigrantes e tentariam chegar à casa de um parente morando no Texas com sua família. Uma vez que as duas estivessem estabelecidas, Henry Pulex seguiria a mesma rota com Emily. 

 Donelda e Marelyn partiram para os Estados Unidos no dia 2 de maio e, na companhia do contrabandista, chegaram seis dias depois à cidade fronteiriça mexicana de Ciudad Juárez, onde, do outro lado do Rio Grande, fica El Paso, no Texas. 

 O contrabandista deixou-as perto do rio, nos arredores da cidade, disse-lhes que os Estados Unidos estavam do outro lado e desapareceu. Com Marelyn em seus braços, Donelda Pulex nadou para o outro lado. No momento em que chegaram à outra margem do rio, as autoridades fronteiriças aparecera,, assim como ela previra. 

 Mas ela não sabia que um dia antes as autoridades haviam anunciado a política de tolerância zero para aqueles que cruzassem a fronteira ilegalmente. 

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 Ela e Marelyn foram mantidas juntas em um centro da fronteira pela primeira noite. No dia seguinte, Pulex foi colocada em um veículo e sua filha em outro. Essa foi a última vez que as duas se viram. "Durante minha detenção, eu só conseguia chorar", disse Pulex. 

 No início, ela foi informada que voltaria a se reunir com a filha dentro de cinco dias. Quando isso não aconteceu, perdeu a fé em qualquer garantia que havia recebido e começou a acreditar que poderia ter visto a filha pela última vez. 

 Uma vez ou outra ela conseguiu falar com Marelyn, que tinha sido levada para o lar adotivo em Michigan. Suas conversas foram breves e Marelyn conversou pouco, aumentando a pressão sobre Pulex. 

Em 4 de junho, ela foi quase forçada a assinar um documento que garantia sua rápida deportação, marcada para 18 de junho. A alternativa teria sido lutar contra sua deportação nos tribunais, mas as autoridades disseram-lhe que ela poderia acabar presa até que seu caso fosse decidido, o que poderia levar muitos meses, retirando qualquer chance de ver Marelyn. "Eu disse que podia até morrer, mas nunca sairia sem a minha filha", recordou-se ela. 

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 Um oficial da imigração disse a Donelda Pulex que ela seria deportada no dia seguinte e que Marelyn iria com ela. Ainda assim, preparou-se para o pior. 

 Na manhã seguinte, foi colocada em um ônibus com outros deportados e conduzida a um aeroporto. Quando o ônibus parou, Donelda Pulex foi levada a um carro próximo. A porta se abriu e lá estava Marelyn. Elas se abraçaram fortemente antes de serem conduzidas para um avião fretado com as outras 11 famílias reunidas. 

 Tem sido emocionante e desconcertante estes últimos dias para a família na medida em que se situam e pensam como reconstruir suas vidas – na Guatemala, não mais nos Estados Unidos. Eles não têm conseguido dormir muito. Donelda Pulex não consegue afastar o sentimento de cativeiro. Ela tem tido pesadelos onde fica presa num centro de detenção nos EUA sem a filha. "Talvez falar me ajude, para tirar tudo da minha mente", disse. 

Preocupação com o futuro

Antes de decidirem emigrar, Henry Pulex era motorista de ônibus e Donelda Pulex comandava uma loja que vendia alimentos e produtos domésticos da pequena casa do casal. Mas não estavam indo muito bem – e seus sonhos se voltaram para a América do Norte. 

 Semanas atrás, Henry Pulex foi forçado a vender a casa da família para pagar dívidas, incluindo a taxa do contrabandista de US$5 mil. A família está vivendo agora na casa dos pais de Donelda, dormindo em dois colchões no chão de um quarto que fica sobre uma pequena loja de variedades. O que lhes resta de mobília está espalhado entre sua rede de parentes: um fogão em um lugar, uma cômoda em outro. As meninas passaram a maior parte do tempo desde o reencontro com seus primos, brincando de boneca e outras coisas. 

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Os Pulex dizem que Marelyn parece ter aguentado bem sua detenção, mas os pais se preocupam e planejam levá-la a um psicólogo. Ela não fala muito sobre suas experiências nos Estados Unidos, dando respostas breves quando lhe fazem perguntas. Como foi o tratamento dos seus pais adotivos em Michigan? "Bom". E no centro de detenção, também? "Não". 

 Donelda disse que estava preocupada não apenas com Marelyn, mas com a família toda. Emily raramente deixa sua irmãzinha escapar de vista. E Henry tem se sobrecarregado de culpa. "Talvez nós quatro devêssemos ir. Toda a família", falou Donelda, referindo-se à visita ao psicólogo. Porém, preocupava-se com o custo; seria necessário um dinheiro que eles não têm. Mas ainda assim talvez fosse necessário. 

 "Todos nós passamos por uma situação horrorosa", concluiu ela. 

 

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