Centro de Pesquisa de Energia de Hidrogênio de Fukushima, instalado em Namie, uma das cidades atingidas pelo acidente nuclear de 2011| Foto: Divulgação/NEDO
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Antes do grande terremoto e do acidente nuclear, Fukushima era uma província conhecida por suas águas termais, produção de frutas e saquês. Com 1,8 milhão de pessoas, é a terceira maior província do Japão, dividida em três regiões de diferentes condições climáticas: Aizu, localizada na parte Oeste, possui montanhas e lagos que atraem turistas e são ideais para o cultivo de arroz; Nakadori, a região central, é famosa por sua produção de frutas – o que, inclusive, rendeu a Fukushima o apelido de “Paraíso das Frutas”; e Hamadori, que fica na costa leste, tem abundante vida marítima e é casa de uma das maiores e mais antigas fontes termais do país.

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São essas características que a província está buscando revitalizar desde o fatídico 11 de março de 2011, quando um terremoto, um tsunami e um acidente nuclear ocorreram na região litorânea, matando mais de 4 mil moradores de Fukushima. O processo é lento e repleto de desafios, mas na última década importantes avanços ocorreram.

A reconstrução de Fukushima

A primeira preocupação foi com a descontaminação das áreas afetadas pelo acidente na Usina de Fukushima Daiichi, localizada na cidade de Okuma, para que os mais de 100 mil moradores evacuados após a tragédia pudessem voltar para suas casas. O processo, que envolve a limpeza de prédios e estradas e remoção de solo superficial, foi concluído na maioria dos municípios ainda em 2018 – com exceção da região definida como “zona de difícil retorno”, que fica no entorno da usina e representa 2,4% do território da província, onde este trabalho ainda está em andamento.

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Com a descontaminação e a redução natural da contaminação atmosférica, as cidades da província apresentam, atualmente, níveis considerados normais de radiação no ar, entre 0,04 e 0,12 milisieverts por hora. Em Okuma, porém, esse índice pode chegar a 4 milisieverts por hora (segundo dados de setembro de 2021).

A infraestrutura da região também teve que ser refeita, devido à destruição causada pelo tsunami. De acordo com o governo de Fukushima, 99% dos projetos de infraestrutura básica foram concluídos, o que inclui construção de 570 quilômetros de rodovias, reativação de ferrovias, portos, redes de esgoto e parques danificados. Ainda é preciso concluir as estradas nos 12 municípios em que foram emitidas ordens de evacuação e reconstruir instalações públicas na zona de difícil retorno.

Esses projetos foram geridos pela Agência de Reconstrução do Japão, criada em 2012 para atuar diretamente nos impactos causados pelo Grande Terremoto de 2011. Nos primeiros cinco anos, houve um “período de reconstrução intensiva”, durante o qual foram investidos 25 trilhões de ienes (aproximadamente US$ 250 bilhões). Entre 2016 e 2020, mais 6,5 trilhões de ienes foram alocados (cerca de US$ 65 bilhões). Esses valores incluem o que foi gasto com a reconstrução das províncias de Miyagi e Iwate, também atingidas pelo terremoto de 2011.

Ao passo que os projetos de infraestrutura básica vão ficando prontos, o governo de Fukushima tenta atrair de volta os moradores que deixaram a região. Trinta e quatro mil ainda vivem fora da província. Um exemplo deste esforço é a construção de 30 mil casas públicas para pessoas atingidas pelos desastres, além de centros hospitalares, escolas e centros de compras.

Há uma preocupação especial com a saúde dos habitantes de Fukushima, já que os índices da província estão abaixo da média nacional desde o desastre – as taxas de pessoas com síndrome metabólica e de obesidade infantil são maiores, por exemplo. Um dos objetivos de Fukushima é se tornar uma das províncias mais longevas e saudáveis do Japão, uma meta desafiadora, já que em  2017 era a oitava pior das 47 províncias do Japão em número de mortes causadas por doenças relacionadas ao estilo de vida.

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A proposta do governo local é incentivar hábitos de vida saudáveis, garantir que haja instalações médicas e profissionais de saúde suficientes e, principalmente, reduzir as preocupações dos moradores sobre os efeitos da radiação na saúde. Em 2020, a Organização Mundial da Saúde, que desde 2011 acompanha os efeitos da radiação na população de Fukushima após o acidente, afirmou em um relatório que efeitos prejudiciais à saúde no futuro, como por exemplo, câncer, são improváveis.

“Desde o relatório de 2013, nenhum efeito adverso à saúde entre os moradores de Fukushima foi documentado, que pudesse ser atribuído diretamente à exposição à radiação do acidente”, observou Gillian Hirth, presidente do Comitê Científico das Nações Unidas sobre os Efeitos da Radiação Atômica (Unscear). O estudo concluiu também que é improvável que trabalhadores da usina desenvolvam câncer por causa da exposição à radiação.

Aposta na energia renovável

O acidente nuclear também causou um problema energético para o Japão. Em 2010, cerca de 25% da energia gerada no país vinha de usinas nucleares. Com o colapso em Fukushima, os 54 reatores existentes foram desligados, tornando a nação muito mais dependente de combustíveis fósseis.

Somente a partir de 2015 alguns reatores foram reativados e, segundo o Instituto de Políticas Energéticas Sustentáveis (Isep), em 2020 a matriz nuclear representava menos de 5% da energia gerada no país.

Embora 74% de sua energia ainda provenha de termelétricas a carvão e gás natural (em 2012 era quase 90%), o Japão tem conseguido, lentamente, diminuir a dependência dos combustíveis fósseis, em parte pelos investimentos em energias renováveis, que representam atualmente 20% da energia produzida no país – em 2010, essa participação era de menos de 10%.

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Impulsionada pelo desejo de nunca mais ver se repetir um desastre como o de 2011, Fukushima tem buscado liderar esse processo de transformação energética no Japão, com planos ambiciosos para suprir 100% da demanda de energia da província com fontes renováveis até 2040. De acordo com o governo local, em 2020 a participação era de 43% - um crescimento de 19 pontos percentuais desde 2011. O objetivo é elevar esse número a 60% até 2030.

Para alcançar essa meta, foram instaladas na região fazendas solares, eólicas, usinas de biomassa e geotérmica e um centro de pesquisa para geração de energia de hidrogênio verde, o chamado “combustível do futuro”, com capacidade de produção de 10 MW. Com esta tecnologia, a energia solar é usada para fazer a eletrólise da água, que libera o hidrogênio que posteriormente será queimado, gerando energia e vapor. O processo ainda é muito caro, e por isso pesquisas ainda estão sendo realizadas para investigar formas de reduzir os custos.

"Para usar o hidrogênio como fonte regular de energia, é importante reduzir o custo. No Japão, estabelecemos uma meta de que, no futuro, em 2050, faremos o custo do hidrogênio ser aproximadamente o dos combustíveis fósseis que usamos hoje", disse à Euronews no ano passado Ohira Eiji, diretor-geral do Escritório de Tecnologia de Células de Combustível e Hidrogênio da Nedo, agência japonesa de pesquisa e desenvolvimento de energias renováveis e tecnologias sustentáveis.

Segundo ele, a redução do custo da energia de hidrogênio poderia ocorrer, por exemplo, por meio da introdução de tecnologias mais eficientes, aumento da demanda e diminuição dos custos e preços das energias renováveis, como a solar. De acordo com a Nedo, o hidrogênio produzido na unidade de pesquisa instalada em Namie, cidade próxima à usina nuclear atingida pelo desastre de 2011, será transportado para ser fornecido a usuários na província de Fukushima, na área metropolitana de Tóquio e em outras regiões. Em uma demonstração simbólica da importância desses investimentos para Fukushima e o Japão, as tochas dos jogos olímpicos de Tóquio foram acesas usando a energia de hidrogênio produzida em Namie.

O campo de pesquisa em hidrogênio de Namie faz parte de um projeto mais amplo do governo japonês para revitalizar sua economia e atrair empresas para um hub industrial de inovação localizado na região costeira, atingida pelo terremoto de 2011. Com incentivos do governo nacional, este projeto abarca, principalmente, seis indústrias: de descomissionamento de usinas nucleares (tecnologia que se faz necessária para os desafios da total desconstrução dos reatores de Daiichi); drones e robôs; energia renovável; tecnologia para agricultura e pesca; indústria aeroespacial; e de equipamentos médicos.

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As empresas que se instalam em Fukushima estão recebendo subsídios do governo. Com isso, o número de fábricas instaladas na região do desastre passou de 17 para 279, segundo dados de 2020 informados pelo governo da província. Uma das principais preocupações das autoridades é a geração de empregos que possam servir como incentivo ao retorno dos milhares de pessoas que deixaram Fukushima após o desastre. A expectativa era criar cerca de 7,4 mil postos de trabalho.

A taxa de crescimento do PIB da província é comparável com a do Japão e os níveis de valores obtidos com a venda de bens manufaturados retornaram aos parâmetros anteriores ao Grande Terremoto. Mas a situação não é homogênea nos municípios da província.

No condado de Futaba, onde está localizada a usina nuclear, a situação ainda é dramática. Os primeiros residentes começaram a voltar ao local apenas neste ano, devido ao levantamento das ordens de evacuação em algumas áreas. E, num primeiro momento, poucos parecem ter intenção de voltar: em uma pesquisa feita pela Agência de Reconstrução do Japão, apenas 10% dos cerca de 7 mil ex-moradores de Futaba disseram que gostariam de regressar à cidade, enquanto 60% afirmaram que não tinham planos de voltar. A produção de bens manufaturados ainda está bem abaixo do nível pré-desastre (apenas 30%), o que coloca a recuperação das bases industriais de Futaba como mais um dos desafios para a revitalização de Fukushima.

Esta é a segunda reportagem de uma série de três sobre a revitalização de Fukushima e os desafios do governo japonês após o grande terremoto e o acidente nuclear de 2011. A primeira delas pode ser acessada aqui.