Observações e pesquisas apontam que aves de rapina da savana australiana manipulam o fogo para caçar| Foto: Bob GosfordReprodução/Twitter

Quando a estação seca se espalha pelas savanas tropicais dos territórios do norte da Austrália, os guardas florestais começam a ficar de olho nos chamados gaviões do fogo: bandos de milhafres-pretos, milhafres-assobiadores e falcões marrons que caçam perto de arbustos em chamas, abocanhando pequenos animais que fogem da fumaça e das fagulhas.

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Segundo os habitantes locais, quando um incêndio começa, alguns desses pássaros tentam mantê-lo carregando gravetos em brasa para novos locais. 

As aves dão muito trabalho, segundo Robert Redford, aborígene australiano e guarda florestal. "Apagamos um incêndio e um pássaro faz outro. É um problemão." 

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"Causam muitos danos para nós às vezes, que são difíceis de combater." 

A ideia de que alguns pássaros intencionalmente manipulam o fogo há tempos é vista com ceticismo em círculos científicos, mas um estudo recente publicado no Journal of Ethnobiologygathers mostra que essas três espécies o espalham para caçar. 

Durante dois anos, o ornitólogo Bob Gosford e Mark Bonta, professor assistente de Ciências da Terra da Universidade da Pensilvânia em Altoona, e seus colegas coletaram antigos relatórios etnográficos e conduziram entrevistas detalhadas com seis testemunhas, incluindo acadêmicos e bombeiros aborígines. 

Eles contaram histórias de aves roubando gravetos de fogueiras e carregando-os por quase um quilômetro de distância. Um bombeiro relatou ter visto um bando espalhar um incêndio por todo um vale pequeno. 

O zelador de uma estrutura de criação de gado descreveu um grupo de aves de rapina levando o fogo para o outro lado de um rio, o que resultou em um incêndio que destruiu grande parte da infraestrutura do local. 

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Histórias como essas são parte da razão pela qual os milhafres e outras aves de rapina são ilegalmente abatidos, disse Bonta. 

Os relatos sugeriram que esses pássaros agem principalmente quando os incêndios estão perto de acabar, quando se aproximam de uma barreira natural ou pela intervenção humana. 

Não está claro se o comportamento é comum ou se de fato existe; até agora, não há documentação fotográfica ou de vídeo conclusiva. 

Porém, mesmo sem evidência direta, ornitólogos anteriormente céticos descobriram uma combinação convincente de pesquisa etnográfica e relatos.

Pássaro de fogo inteligente

Aves de rapina já são conhecidas por técnicas de caça "inteligentes", incluindo seguir veículos que podem levantar a presa ou jogar pedras sobre ovos com casca mais dura, segundo Steve Debus, professor adjunto na Universidade da Nova Inglaterra em Armidale, na Austrália. 

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O milhafre-preto, uma das espécies acusadas de propagar o fogo, tem fama de ser inteligente. "Eles parecem espertos e aprendem rapidamente outras maneiras de obter alimentos. Têm a fama de roubar comida das escolas, até mesmo da mão de crianças, e de usar migalhas de pão de áreas de piquenique e levá-las para a água, para atrair peixes na área em que caçam", disse Debus. 

Bonta acredita que a propagação do fogo não foi observada mais frequentemente porque apenas alguns pássaros nos bandos sabem como fazê-lo. 

"É incrível que nunca tenhamos recebido relatos de turistas ou outros que poderiam simplesmente ter tido sorte. Parece que é preciso ter passado muito tempo no mato, e boa parte dele bem perto do fogo", afirmou.

Os povos aborígenes, por outro lado, conhecem a área intimamente, assim como os incêndios. A ideia de que alguns pássaros espalham o fogo é comum entre eles, contou Bonta. 

Redford mencionou que as aves são cerimonialmente importantes. De acordo com a tradição aborígine, o conhecimento humano sobre o fogo vem do Dreaming, o tempo antes do tempo, quando o gavião do fogo o trouxe para as pessoas em um graveto ardente.

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Nas complexas cerimônias como o Lorrkon, ritual do tronco oco, aqueles com um conhecimento especial reencenam a história.

"Repetimos hoje o que faziam os anciãos. O pássaro costumava brincar com aquele graveto também. É hora de comer para ele", disse Redford.

Pássaros que espalham fogo começaram a chamar a atenção em 1964, com a publicação de "I, The Aboriginal", autobiografia do ativista indígena Waipuldanya (feita por um escritor fantasma), que descreveu gaviões do fogo propagando incêndios florestais. 

O relato gerou interesse acadêmico, mas não uma pesquisa científica. Muitos pesquisadores consideraram as histórias do fogo sendo espalhado como um fato acidental, um equívoco sobre aves transportando material ardente. 

Os gaviões de fogo também são considerados folclore por autoridades do governo, de acordo com Bonta, e acabam se tornando bodes expiatórios para incêndios mal controlados.

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Expedição de pesquisa

Porém, quando Gosford releu sua cópia do livro, em 2011, a parte que falava sobre a propagação do fogo chamou sua atenção. Como ornitólogo amador e advogado que trabalhava em casos de indígenas em territórios do norte, ele conta que havia desenvolvido um profundo respeito pelo conhecimento aborígine. 

E escreveu alguns posts em seu blog sobre o assunto, que receberam atenção da mídia em 2016. Gosford e Bonta, que se correspondiam frequentemente, decidiram que era hora de trabalhar juntos. 

Os dois esperam começar uma expedição de pesquisa de três semanas em maio, quando vão trabalhar com guardas florestais na esperança de documentar o comportamento em primeira mão. Terão a companhia de observadores de pássaros voluntários com câmeras e drones. 

A equipe também planeja colaborar com escritores aborígines em futuras publicações, parte de um esforço para incorporar o conhecimento ecológico indígena à ornitologia.

Tradição

O fogo sempre foi uma ferramenta importante de manejo da terra para os aborígines; foram as queimadas cuidadosamente controladas que deram forma a florestas e savanas para a caça e a agricultura. 

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Essa prática indígena foi em grande parte suprimida durante o período colonial, mas as decisões judiciais que devolveram a terra aos aborígenes incentivou a retomada de estratégias tradicionais. 

Bonta conta que, para que esses métodos sejam bem-sucedidos, é preciso que haja um conhecimento local sério em relação aos hábitos dos animais. 

"Os povos aborígines, como os da Nova Guiné e da Amazônia e de muitos outros lugares, geralmente conhecem mais a fauna e a flora local do que quem vem de fora", disse ele. 

"Que razão poderia haver para não os ajudar a preservar o que sabem e não colaborar para melhorar a nossa compreensão global da natureza?" 

Talvez os gaviões do fogo da Austrália estejam reproduzindo um processo similar ao usado pela humanidade para controlar o fogo. Ou talvez, como dizem os povos aborígines, foram as atividades das aves que deram a primeira centelha às pessoas. 

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"Estou feliz que os outros estejam agora falando de coevolução e aprendendo com os pássaros", disse Bonta, acrescentando: "O fogo pode não ser algo exclusivamente humano no fim das contas". 

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