Protestos contra o governo estão ocorrendo no Haiti desde 7 de fevereiro| Foto: HECTOR RETAMAL/AFP

O governo do Haiti prometeu reduzir gastos e aprofundar uma investigação sobre corrupção no programa de petróleo PetroCaribe, uma tentativa de satisfazer algumas das exigências dos milhares de manifestantes que desde o dia 7 pedem a renúncia do presidente Jovenel Moise. A onda de protestos violentos na capital haitiana deixou pelo menos nove mortos.

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Durante um pronunciamento televisionado, o primeiro-ministro haitiano, Jean-Henry Céant, anunciou medidas para aliviar a crise econômica. Ele disse que o governo cortará 30% de seus gastos, conversará com o setor privado para tentar elevar o salário mínimo e indicará um novo diretor para intensificar o inquérito na Petrocaribe. 

O governo também buscará mais investimentos externos para reanimar a economia, segundo Céant. "Eu e os membros do governo ouvimos a voz (da oposição), ouvimos este brado, entendemos sua raiva e indignação", afirmou.

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Desde o dia 7, milhares de manifestantes pedem a renúncia do presidente e de Céant e um inquérito independente sobre o paradeiro dos fundos do acordo da PetroCaribe, uma aliança entre países caribenhos e a Venezuela para a venda de petróleo a preços subsidiados. Uma investigação do Senado, realizada no ano passado, acusou ex-funcionários do governo e empresários de desviar cerca de US$ 2 bilhões (R$ 7,4 bilhões) de ajuda enviada por Caracas.

Entenda: Haiti vive maior onda de protestos de sua história recente. Saiba por quê

Na quinta-feira, a Embaixada do Brasil em Porto Príncipe publicou uma nota aconselhando a não viajar ao Haiti. Vários governos estrangeiros, como EUA e Canadá, também instruíram seus cidadãos a evitarem viagens para o Haiti. A expectativa é de que os protestos sejam retomados nesta semana.

Manifestante durante um confronto em frente ao Palácio Nacional, no centro da capital haitiana Porto Príncipe, em 13 de fevereiro, 7º dia de protestos no país contra o presidente e o mau uso do fundo Petrocaribe
Nesta foto de arquivo tirada em 7 de fevereiro de 2017, o presidente haitiano Jovenel Moise é cumprimentado após receber sua faixa presidencial durante sua posse, no Parlamento do Haiti em Porto Príncipe. Quando ele estava fazendo campanha praticamente como um desconhecido, Jovenel Moise falou muito sobre trazer trabalho para o povo e combater a corrupção. Durante a semana passada, em fevereiro de 2019, Moise enfrentou protestos violentos exigindo sua renúncia.
Um menino com pedras nas mãos observa o confronto em frente ao Palácio Nacional, em Porto Príncipe, 13 de fevereiro
Manifestantes erguem barricadas durante confronto, em frente ao Palácio Nacional, em Porto Príncipe, 13 de fevereiro
Manifestantes fogem enquanto um policial haitiano abre fogo durante o confronto em frente ao Palácio Nacional, Porto Príncipe, 13 de fevereiro
Policial haitiano atira enquanto persegue manifestantes, durante confronto no centro de Porto Príncipe, 13 de fevereiro
Pneus são incendiados por manifestantes em frente ao Palácio Nacional, no centro de Porto Príncipe, 13 de fevereiro
Polícia haitiana tenta conter o protesto em frente ao Palácio Nacional, 13 de fevereiro
Manifestante mostra pedras durante o confronto com a polícia no centro de Porto Príncipe em 13 de fevereiro
Polícia haitiana tenta deter um homem que foi pego saqueando uma loja no centro de Porto Príncipe em 12 de janeiro
Um carro é usado como barricada por manifestantes durante confronto no centro da capital haitiana, 12 de fevereiro
Menino segura a cabeça de um manequim enquanto manifestantes passam por um carro em chamas durante protestos no centro de Porto Príncipe, 12 de fevereiro
Depois de queimar uma bandeira dos EUA, manifestantes gritam
Manifestantes queimam a bandeira dos EUA na capital haitiana, 15 de fevereiro, nono dia de protestos
Manifestante chuta um recipiente de gás lacrimogêneo durante confronto com a polícia haitiana
Mulheres e crianças caminham para comprar água na comunidade de Petion Ville, na capital haitiana, 14 de fevereiro. Por causa dos protestos, muitos depósitos têm sofrido falta de água, porque os caminhões não conseguem fazer a entrega
Um grupo de pessoas tenta fazer uma barricada com um poste de luz durante os protestos, 15 de fevereiro

Americanos presos

Um grupo de cinco americanos, outros dois estrangeiros e um haitiano foi preso pela polícia haitiana no domingo (17) à noite. De acordo com a CNN, as autoridades policiais alegam que eles estavam em posse de armas ilegais e por isso foram detidos. Antes, elas haviam afirmado que o grupo foi acusado de conspiração, o que não foi confirmado oficialmente pelo ministro das Relações Exteriores do Haiti, Bocchit Edmond.

Os nomes dos presos não foram informados.

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"Quando cidadãos norte-americanos são presos no exterior, buscamos o acesso consular o mais rápido possível e prestamos assistência consular adequada, conforme estabelecido pela Convenção de Viena sobre Relações Consulares", informou o Departamento de Estado dos Estados Unidos em um comunicado divulgado na segunda-feira, que confirmou as prisões dos americanos.

Protestos

Dezesseis meses após o fim da missão de paz da ONU cujo comando militar era do Brasil, o Haiti está novamente mergulhado em uma forte onda de violência política – o mesmo motivo que desencadeou a intervenção dos capacetes azuis, em 2004. 

Nos últimos dez dias, dezenas de milhares têm saído às ruas em várias partes do país exigindo a renúncia do presidente Jovenel Moise. Relatos da imprensa local têm registrado diversos mortos e feridos, mas não há um número oficial. 

Grupos armados bloqueiam estradas e ruas com entulho e pneus, impedindo a distribuição de alimentos, combustível, água potável e medicamentos, gerando escassez de produtos básicos em várias cidades.

Além de grupos armados com conexões político-partidárias, os protestos em favor da renúncia do presidente têm o apoio de líderes oposicionistas, estudantes e outros segmentos sociais. 

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No poder desde 2017, Moise quebrou o silêncio na última quinta-feira, quando os protestos completaram uma semana. Em tom desafiador, disse, em pronunciamento à TV, que não entregará o país para "gangues armadas e traficantes de drogas". Ele também acusou ex-aliados de se unirem a "líderes de quadrilhas procurados pela lei". Por outro lado, em aceno às dezenas de milhares de manifestantes, disse que escutuou "a voz do povo". "Conheço os problemas que os atormentam. É por isso que o governo tem adotado medidas [contra a miséria]." 

As “bases”

País mais pobre do hemisfério ocidental, o Haiti sofre com a economia estagnada, déficit público e inflação anual de 15%, pressionada pela forte valorização do dólar, com impacto imediato nos preços dos alimentos, boa parte importada. 

Representante da ONG Viva Rio no Haiti, o antropólogo carioca Pedro Braum afirma que os protestos guardam algumas semelhanças com a crise de 2004, que levou à queda do então presidente Jean-Bertrand Aristide, principalmente o protagonismo dos grupos armados com ramificações políticas, conhecidos como "bases". 

Braum, que coordena um projeto de polícia comunitária, explica que as bases não são os únicos atores dos protestos, mas que eles têm papel importante por controlar grande parte de Porto Príncipe.  "Eles são responsáveis por cuidar dos bairros, têm contatos com políticos eleitos, e alguns fazem discurso de transformação social. Por outro lado, em época de campanha, os políticos tentam estabelecer diálogo com esses grupos para ter acesso aos bairros, apoio e, se o país estiver violento, tentar apaziguar os ânimos." 

No entanto, há diferenças importantes com a crise que levou à criação da Minustah (missão da ONU), avalia Braum: não há enfrentamento aberto entre as bases e a polícia; ausência, nos protestos, de grupos paramilitares pró-governo; mais popular em sua época, Aristide polarizava mais o país do que o desgastado Moise. 

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