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Vencedor do prêmio Pulitzer em 1988 por uma série de reportagens que expôs o orçamento secreto do Pentágono, e do National Book Award por “Legado de cinzas: uma história da CIA”, o escritor Tim Weiner lançou “Inimigos: uma história do FBI” (editora Record), publicado recentemente no Brasil. Ele falou ao GLOBO por e-mail sobre décadas de operações de Inteligência da famosa agência americana, tema do livro.

Dois dos principais momentos na História do FBI — a luta contra os gangsters nas primeiras décadas do século XX e contra os movimentos de milícia nos anos 1990 — têm apenas menções breves em “Inimigos”. Por que você decidiu não abordar esses temas?

Quis escrever um livro que lidasse exclusivamente com os momentos em que o FBI atuou como um serviço secreto de inteligência, e não como uma força policial. Há centenas de livros que abordam a luta contra o crime e as batalhas contra os gangsters, mas não havia nenhum examinando o papel do FBI como um serviço de inteligência

Em “Inimigos”, a criação e a expansão do FBI parecem diretamente ligadas à obsessão de seu diretor inicial, J. Edgar Hoover, com o combate aos comunistas americanos. Quão dependente o FBI é da paranoia popular e da ideia de ameaças constantes para garantir sua sobrevivência e justificar suas ações?

É difícil ser uma grande nação sem um grande inimigo. E o FBI sempre dependerá de um “nível de ameaça” na mente do povo americano. Como Alexander Hamilton escreveu em 1787, “o esforço e o alarme incessantes de um estado contínuo de perigo compelirão as nações mais ligadas à liberdade a recorrer a instituições que têm a tendência a destruir seus direitos civis e políticos. Para estarem mais seguras, ela se dispõem a correr o risco de serem menos livres”.

Rumores sobre a sexualidade de Hoover circulam desde os anos 1940, e após sua morte, ele foi muitas vezes representado pela cultura popular como um homossexual enrustido que se vestia de mulher nas horas vagas. Seu livro não apenas desafia essa representação, como mostra que os homossexuais foram um de seus principais alvos durante o período em que ele comandou o FBI. Como os rumores sobre o ex-diretor ganharam tanta notoriedade?

Boatos sobre homossexualidade foram a maneira mais fácil e eficaz de destruir a reputação de uma figura pública durante o século XX. No caso de Hoover, tudo indica que os boatos surgiram de uma figura bem conectada em Washington, que era homossexual, e cujos amigos no Departamento de Estado estavam sendo perseguidos por ele.

Embora seu livro deixe claro que os métodos do FBI estavam sendo alvos de críticas, as batidas Palmer — ações comandadas por Hoover que prenderam entre 6 mil e 10 mil pessoas entre 1919 e 1920 — parecem ter formado um padrão seguido pelo FBI durante sua História. A violação das próprias leis que a agência defende é uma característica do espírito do FBI?

Até sua morte em 1972, as “regras” do FBI eram aquelas que Hoover determinasse. Desde então vem sendo travada uma longa batalha para equilibrar as demandas da segurança nacional e a necessidade de proteger as liberdades civis.

Durante o governo de Theodore Roosevelt, o Congresso americano nega ao presidente a criação de “uma polícia secreta ou de um sistema de espionagem no governo federal”, e em meados da década de 1940, Truman temia que Hoover estivesse criando “sua própria Gestapo”, e dizia ter “um Frankenstein incontrolável nas mãos”. A criação da CIA impediu que o FBI se tornasse uma força quase ditatorial nas mãos de Hoover?

Não, de maneira alguma. Até 1972, o FBI e a CIA mal se falavam e cooperavam muito de vez em quando. A CIA não tinha poderes policiais nos Estados Unidos, e representava apenas uma ameaça a Hoover: ele queria controlas as operações estrangeiras de inteligência, e ficou furioso quando Truman decidiu criar a CIA. Mas em meu livro “Legado de cinzas” (lançado em 2008), mostro que a CIA teve seus próprios problemas desde o dia de sua criação.

Nos anos 1950, o senador Joseph McCarthy se tornou um dos principais nomes na luta dos Estados Unidos contra o comunismo doméstico, uma das principais batalhas travadas por Hoover. Por que sua relação com o chefe do FBI não se traduziu em uma forte aliança contra as comunistas?

McCarthy decidiu perseguir militares e, em 1954, estava convencido de que havia infiltração comunista no Exército americano. A acusação foi séria demais para o presidente Dwight Eisenhower, que era um general de cinco estrelas do Exército. Eisenhower exigiu que todas a cooperação federal com McCarthy fosse abandonada imediatamente, e como resultado disso, as acusações do senador se tornaram cada vez mais absurdas e mirabolantes, o que acabou por arruinar sua carreira política.

Embora não apresentasse provas concretas, um relatório do FBI de 1963 apontava a população negra dos Estados Unidos como o principal alvo do Partido Comunista Americano, e Hoover — criado em Washington, uma cidade bastante segregada — estava convencido de que Martin Luther King recebia ordens diretas de Moscou. Até que ponto o medo que Hoover tinha da infiltração comunista nas comunidades negras prejudicou as relações raciais nos Estados Unidos?

Hoover comandou uma campanha muito pessoal, muito específica e muito privada para destruir Martin Luther King, e isso certamente não ajudou a melhorar as relações raciais no país. Mas por outro lado, sob seu comando, o FBI infiltrou a Ku Klux Klan com sucesso e a destruiu como força política.

Na sua opinião, quais foram a grande façanha e o grande fracasso da História do FBI?

A grande façanha, que o FBI tem que dividir com outras agências, é o fato de que desde o 11 de setembro os Estados Unidos não foram seriamente atacados. O grande fracasso é que, em nome da segurança nacional, muitas liberdades civis tiveram que ser comprometidas, especialmente durante o período da Guerra Fria.

Você acredita que, no século XXI, é necessário abrir mão de certas liberdades para que a segurança de uma nação possa ser garantida?

De forma alguma, e é por isso que escrevo sobre a CIA, o FBI e os presidentes. Para que não tenhamos que cometer os mesmos erros de novo.

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