• Carregando...
Maior parte
do comércio no Haiti é feita nas ruas: país já foi mais próspero que a vizinha República Dominicana, mas século 20 foi destruidor para os haitianos | Antônio Costa/Gazeta do Povo
Maior parte do comércio no Haiti é feita nas ruas: país já foi mais próspero que a vizinha República Dominicana, mas século 20 foi destruidor para os haitianos| Foto: Antônio Costa/Gazeta do Povo

Os melhores produtos dos su­­permercados de Porto Príncipe vêm do país vizinho, a República Dominicana, mais rica e desenvolvida. Foi para lá que muitos fugiram após o terremoto do ano passado. Para um haitiano, é como ter o paraíso logo ao lado.

O que causa surpresa é saber que a situação já foi a inversa. Ao contrário do que se observa hoje, por séculos o lado mais de­­senvolvido da ilha de Hispa­­nio­­la foi o Oeste, de colonização fran­­cesa e autodeclarado república do Haiti em 1804. A parte Leste te­­ve colonização espanhola.

Em Colapso – Ascensão e Queda das Sociedades Humanas (editora Gradiva), o biólogo e historiador americano Jared Diamond atribui a causas ambientais e sociopolíticas a diferenciação entre as duas colônias e, futuramente, entre os dois países. "Um desses fatores envolve o incidente de que o Haiti foi colônia da rica França [cedida pela Espanha em 1697] e se tornou a colônia mais valiosa no império ultramarinho francês, enquanto a Re­­pú­­blica Dominicana foi colônia da Espanha, que no fim do século 16 já estava negligenciando a ilha de Hispaniola por estar ela própria em declínio econômico", escreve Diamond.

Ironicamente, o fato de a Fran­­ça ter investido em sua colônia teve consequências futuras negativas, pois o sistema adotado, de plantações de cana baseadas no trabalho escravo, nunca visou o desenvolvimento.

A compra de negros africanos tornou o Haiti sete vezes mais populoso que a colônia dominicana. Não apenas mais populoso, mas também mais povoado: a área francesa equivalia a pouco mais da metade da área dominicana. A esse maior adensamento populacional so­­mou-se o rápido desmatamento, pois os navios que aportavam no lado oeste da ilha com escravos voltavam para a Euro­­pa levando madeira.

Vegetação

A observação aérea da ilha de Hispaniola hoje comprova a exploração predatória realizada no Haiti: o país aparece árido, com pouca vegetação remanescente (restam cerca de 1% a 2% de cobertura vegetal), enquanto a República Dominicana é verde e tem 28% de sua área coberta por matas.

Há ainda um fator ambiental desfavorável à ex-colônia francesa. A Cordilheira Central que corta a República Dominicana oferece uma barreira natural às chuvas que se formam a leste de Hispaniola, e a precipitação que cai generosa sobre os dominicanos contribui para a fertilidade das terras. As nuvens ficam re­­presadas e há pouca chuva sobre o Haiti, cuja região norte tem clima semiárido.

História de revolta

Após a independência dos dois países – o Haiti primeiro, em 1804, fruto de uma revolta sangrenta de escravos que culminou na proclamação da primeira república negra e na anexação da região vizinha por algumas décadas –, a agricultura haitiana permaneceu nos moldes da subsistência, enquanto a dominicana recebeu investimentos de uma nascente classe média imigrante europeia e de­­senvolveu o comércio internacional. Enquanto isso, a imigração era restringida pela Cons­­tituição haitiana.

Ditaduras

Politicamente, os dois países foram prejudicados por longos períodos de ditadura. Mas até nisso, ironicamente, a Repú­­blica Dominicana saiu ganhando. Por pior que fosse, Rafael Trujillo (que governou o país de 1939 a 1961) decidiu desenvolver e modernizar o país – ainda que em benefício próprio –, en­­quanto a família Duvalier (o pai, François, e o filho, Jean-Clau­­de) mantiveram domínio exploratório sobre o Haiti.

Como se vê, o desastre econômico que é hoje o Haiti não co­­meçou com o terremoto de ja­­neiro passado.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]