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Os chefes de Estado dos Brics debatem durante cúpula virtual do bloco, no mês passado
Os chefes de Estado dos Brics debatem durante cúpula virtual do bloco, no mês passado| Foto: EFE/EPA/MIKHAIL METZEL/KREMLIN/SPUTNIK

China e Índia têm sido decisivas para que a Rússia alivie o impacto das sanções impostas ao Ocidente devido à guerra da Ucrânia, já que aumentaram suas importações de petróleo russo no momento em que a Europa toma medidas para se livrar da dependência dos combustíveis fósseis do país de Vladimir Putin.

Em junho, durante a cúpula virtual dos Brics, que reúne os três países, mais Brasil e África do Sul, ficou clara a intenção de russos e chineses de fortalecer o bloco a ponto de torná-lo um antagonista ao G7, o grupo das sete economias mais desenvolvidas do mundo, e criar um mundo “multipolar”, com alternativas às relações comerciais e militares dominadas pelos Estados Unidos.

“Para que os países dos Brics assumam um papel de liderança, hoje é mais necessário do que nunca elaborar uma política unificadora e positiva, a fim de criar um sistema [mundial] verdadeiramente multipolar”, afirmou Putin.

Na semana passada, o chefe do Serviço Federal de Supervisão Financeira russo, Yury Chikhanchin, informou que as transações financeiras da Rússia com países “hostis”, ou seja, principalmente os membros da União Europeia (UE), Reino Unido, Estados Unidos e Canadá, caíram 80%, enquanto os negócios com países do sudeste asiático, do mundo árabe e da Ásia Central e outras regiões continuam.

O ministro das Relações Exteriores russo, Sergey Lavrov, informou que Argentina e Irã iniciaram processos para entrar no Brics, e há espaço para mais ampliações: além desses dois países, Argélia, Camboja, Cazaquistão, Egito, Etiópia, Fiji, Indonésia, Malásia, Senegal, Tailândia e Uzbequistão também participaram da cúpula virtual dos Brics no mês passado.

“Os atuais membros dos Brics são os principais países de suas regiões e a tendência é atraírem vizinhos. O Irã é um país bastante complicado, sofre sanções do Ocidente, então talvez haja um custo para trazê-lo [para o bloco], embora tenha muita tecnologia, uma economia grande e muitas possibilidades. A Argentina seria interessante para o Brasil, por ser um dos nossos grandes parceiros, inclusive o melhor parceiro, por ser o maior comprador de produtos industriais brasileiros”, apontou Ricardo Bruno Boff, professor do curso de Relações Internacionais da Universidade do Vale do Itajaí (Univali).

Esse Brics já ampliado, com Argentina e Irã, representaria um bloco de quase US$ 30 trilhões, enquanto as economias do G7 (se não for considerada toda a União Europeia, que também tem representação no grupo) somam mais de US$ 45 trilhões.

Em termos populacionais, entretanto, o novo Brics é muito mais representativo, já que abrange 3,3 bilhões de habitantes, enquanto Estados Unidos, Canadá, Reino Unido, França, Itália, Alemanha e Japão somam pouco mais de 770 milhões de pessoas.

“Se os Brics se expandir, em termos de densidade institucional e normativa e de número de membros, o antagonismo tende a ser natural, porque começariam a surgir interesses divergentes e também maior reação do G7, da imprensa dos Estados Unidos, por exemplo. Acredito que haverá fricção entre os dois blocos, oscilando entre momentos de cooperação e desentendimentos”, projetou Boff, que acredita, no entanto, que a entrada de Irã e Argentina não deva ocorrer facilmente, devido à antipatia mútua do presidente Jair Bolsonaro pelo seu homólogo argentino, Alberto Fernández, e aos laços do brasileiro com Israel, inimigo dos iranianos.

Há chance de uma parceria militar?

A situação brasileira também abre espaço para a discussão de um desdobramento: a parceria entre os Brics pode evoluir para um arranjo militar como a OTAN?

Os outros países dos Brics têm defendido uma postura neutra e pragmática sobre a invasão russa à Ucrânia, evitando condenação explícita e ao mesmo tempo negando apoio militar a Moscou.

Apesar das críticas que esses governos têm feito às sanções contra a Rússia, um antagonismo declarado contra o Ocidente não interessa a ninguém, por questões de mercado e também ideológicas – o Brasil chegou a ser designado como um aliado extra-OTAN quando Donald Trump era o presidente americano.

“Esse seria o passo mais complicado, porque a institucionalização de um bloco de defesa mútua depende muito da existência de um inimigo externo que faça com que os membros tenham uma unidade contra ele. A OTAN surgiu contra a União Soviética. Qual seria o grande inimigo dos Brics? Os Estados Unidos supostamente são [de China e Rússia], mas o Brasil, por exemplo, não os enxerga como inimigos e nem deve vir a fazê-lo”, explica Boff.

Para o pesquisador, outro ponto importante para que essa evolução para um arranjo militar não ocorra é a descontinuidade geográfica entre os países dos Brics, ao contrário do que ocorre entre os membros da OTAN. Outra dificuldade são as disputas fronteiriças entre China e Índia.

Esta, apesar de comprar muitos armamentos da Rússia, participa do Quad, fórum integrado também por Estados Unidos, Austrália e Japão com o objetivo de discutir estratégias para frear a expansão militar chinesa na região do Indo-Pacífico.

Apesar desses movimentos internos contraditórios, Akhil Ramesh, integrante do instituto de pesquisa Fórum do Pacífico, apontou em artigo publicado no site do jornal The Hill que o Ocidente parece mais preocupado em conter os países em desenvolvimento do que em incluí-los nas suas discussões, o que abre espaço para que em breve os Brics superem o G7.

“A menos e até que o G7 adicione membros permanentes do Sul Global, a situação não será diferente do que era há cem anos, quando esses mesmos países eram os colonizadores”, destacou. “Caso contrário, mais cedo ou mais tarde, o G7 terá contra si mais de 6 bilhões de pessoas e metade da economia mundial.”

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