• Carregando...
O presidente norte-americano, Barack Obama, cumprimenta Kadafi em encontro do G8 em 2009: dependência das exportações de petróleo fizeram EUA demorar a subir o tom contra o ditador | Alessandro Bianchi/Reuters
O presidente norte-americano, Barack Obama, cumprimenta Kadafi em encontro do G8 em 2009: dependência das exportações de petróleo fizeram EUA demorar a subir o tom contra o ditador| Foto: Alessandro Bianchi/Reuters

Londres - Quando Muamar Kadafi disse ao mundo que era um homem mudado, alguns líderes mundiais reagiram com ceticismo. Outros, como o britânico Tony Blair, foram mais rápidos em ver os benefícios da reaproximação com o país, rico em petróleo.

Agora, em um momento no qual o regime de Kadafi parece ruir, são levantadas perguntas sobre se a Grã-Bretanha, os Esta­­dos Unidos e outros países não foram muito rápidos em acolher um déspota volúvel ligado a grupos extremistas e a atos opressivos ao buscarem lucrativos acordos comerciais.

Esses acordos, no valor de bi­­lhões de dólares, estão agora em risco na medida em que a Líbia se dirige para uma guerra civil. A decisão estratégica de construir ligações com líderes como Ka­­dafi, o egípcio Hosni Mubarak e o tunisiano Ben Ali também ameaçam inflamar o sentimento contra o Ocidente no mundo árabe.

O papel de Blair foi particularmente vital na reabilitação internacional de Kadafi. O ex-primeiro-ministro britânico viajou para a Líbia em 2004 e conversou com Kadafi no interior de uma tenda beduína. Ele elogiou o encerramento dos programas de armas nucleares e químicas da Líbia e destacou a necessidade de novas alianças após os ataques de 11 de Setembro de 2001 contra os Estados Unidos. Os acordos comerciais com a Grã-Bretanha começaram logo depois.

A Grã-Bretanha vendeu cerca de 40 milhões de libras (US$ 55 milhões) em equipamentos militares no ano encerrado em 30 de setembro de 2010, segundo estatísticas do Ministério de Relações Exteriores britânico. Dentre os itens vendidos estão fuzis de precisão, veículos a prova de balas, munição para contenção de mul­­tidões e gás lacrimogêneo.

"O que o Ministério de Rela­­ções Exteriores pensou que o coronel Kadafi faria com fuzis de precisão e granadas de gás lacrimogêneo? Caçar toupeiras?", questionou o jornal britânico The Guardian.

Embora o atual governo britânico, liderado por David Came­­ron, tenha revogado dezenas de licenças de exportação para a Líbia após os episódios de violência no país, muitos dizem que os mesmos equipamentos e armas que a Grã-Bretanha vendeu para a Líbia estão sendo usados contra o povo do país.

Estados Unidos

Em 2008, o ex-presidente George W. Bush enviou sua principal di­­plomata, Condoleezza Rice, para a Líbia para conversar com Ka­­dafi. Ela disse que a viagem era "histórica" e afirmou que teve de "superar muita dificuldade, o sofrimento de muitas pessoas que nunca serão esquecidas ou acalmadas".

No mesmo ano, a texana Ex­­xon Mobil assinou um acordo de exploração com a Corporação Nacional de Petróleo da Líbia para explorar hidrocarbonetos na costa do país norte-africano.

A alta comissária da Orga­­nização das Nações Unidas para os direitos humanos, Navi Pillay, lembra que líderes norte-americanos a desencorajaram a pressionar a Líbia por causa dos relatórios ruins sobre direitos hu­­manos.

Muitos na comunidade de in­­teligência disseram, na época, que viam a suposta transformação de Kadafi com otimismo cauteloso. "Ele dizia que queria combater o extremismo, o que encaramos mais positivamente do que os norte-americanos", disse Ilan Mizrahi, que já foi o número dois no comando da agência de inteligência israelense, o Mossad. "Mas também dissemos para serem cautelosos com esses momentos de sanidade."

Críticas

Poucos líderes europeus escaparam da ira de editoriais de jornal ou de embaraçosas montagens com fotografias com o excêntrico líder. Os ex-primeiros-ministros britânicos Blair e Gordon Bro wn, o presidente francês Nicolas Sarkozy, o então chanceler alemão Gerhard Schroeder e o primeiro-ministro italiano Silvio Berlusconi estão entre eles.

O encontro do Ocidente com Kadafi e outros já irritou alguns manifestantes, que sentiram que as grandes potências mantiveram os opressores no poder e os enriqueceram, enquanto en­­ganavam as pessoas comuns so­­bre as riquezas que as petrolíferas estrangeiras receberam.

Para a Alemanha, a visita de 2004 de Schroeder ocorreu de­­pois de um acordo da Líbia para pagar indenização para as vítimas de um ataque a bomba em 1986 contra uma discoteca, em Berlim Ocidental Durante a visita, uma plataforma de petróleo gerida pela alemã Wintershall foi inaugurada.

A França também cortejou Kadafi em 2007. O líder líbio armou uma tenda no elegante jardim da residência de seu anfitrião em Paris e ficou três dias a mais do que o esperado. Sobre a visita, Sarkozy disse que "se não recebermos bem os que tomam o rumo da respeitabilidade, o que vamos falar para os que to­­mam o caminho contrário?"

Fornecedor

Mas para a Grã-Bretanha a revolta na Líbia tem sido ainda mais embaraçosa. Kadafi foi fornecedor do Exército Republicano Ir­­landês (Ira, por suas iniciais em inglês), responsável pelas armas e explosivos usados para matar centenas de norte-irlandeses e britânicos. Um de seus capangas foi acusado de matar uma policial britânica do lado de fora da embaixada líbia em Londres em 1984, durante um protesto.

Kadafi também é seguidamente ligado ao ataque em Lo­­ckerbie, embora nunca tenham surgido provas para as acusações. Ainda assim, quando o ho­­mem responsabilizado pelo ataque foi libertado em 2009 por razões humanitárias, por padecer de um câncer em estado terminal, seu retorno à Líbia foi transmitido ao vivo pela televisão. Kadafi e seu filho fizeram uma extravagante festa de boas-vindas em sua casa.

Grupos de defesa dos direitos humanos pediram que os países europeus congelem os bens de Kadafi e criticaram a prontidão em cortejar o líder líbio. "É difícil retirar lições em meio a mudanças históricas, mas os governos da União Europeia têm sido complacentes", disse o vice-diretor-gerente da Transparência Inter­­nacional, Miklos Marschall. "Benefícios econômicos de curto prazo têm sido considerados e princípios muito básicos têm sido sacrificados."

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]