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Hoje são nada menos que 110 espécies pulando de galho em galho ou se aventurando pelo chão, da caatinga à Amazônia, dos Andes ao México. Mas o DNA dos macacos das Américas, dos quais mais de 90 espécies são nativas do Brasil, sugere que tanta diversidade apareceu num período relativamente curto de tempo, por razões ainda misteriosas. Segundo um biólogo brasileiro, os bichos que dariam origem às famílias modernas dos primatas só teriam começado a se diversificar há cerca de 20 milhões de anos - embora os ancestrais de toda essa macacada já estivessem na América há 40 milhões de anos.

É uma história curiosa, de um tempão de marasmo seguido por transformações relativamente explosivas, a que conta o trabalho de Carlos Schrago, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Em sua pesquisa, que está na revista científica "American Journal of Physical Anthropology", Schrago traçou uma árvore genealógica abrangente dos macacos do Novo Mundo, envolvendo todos os gêneros do grupo (o gênero é um grupo ligeiramente mais abrangente que a espécie, representado pela primeira parte do nome científico de um bicho, como o Homo de Homo sapiens).

Para isso, o pesquisador usou as ferramentas da genética: as várias versões de um mesmo pedaço de DNA, presentes em todas as espécies de macacos americanos. As seqüências de "letras" químicas de DNA usadas na análise correspondem a genes já disponíveis em bancos de dados públicos mundo afora. "A intenção era fazer uma reanálise estatisticamente mais confiável e realista desses dados", explica Schrago.

Um dos problemas enfrentados por quem faz esse tipo de estudo, afirma o biólogo da UFRJ, é a incerteza ligada ao chamado relógio molecular. Idealmente, as trocas de "letras" de DNA poderiam servir como o tique-taque de um relógio, medindo o tempo transcorrido depois da separação evolutiva de duas espécies – quanto mais letras trocadas, mais tempo se passou, grosso modo. O problema é que o troca-troca não é constante, variando um bocado entre as linhagens – duas espécies de felinos não se afastam uma da outra na mesma velocidade que dois tipos de macacos, digamos.

Mesmo que o tique-taque do relógio molecular fosse constante, ele só forneceria uma medida relativa de tempo. Para obter datas, os cientistas usam calibragens – referências temporais absolutas advindas de um fóssil datado por métodos confiáveis.

Uma das calibrações possíveis para os primatas da América é o aparecimento dos primeiros fósseis de macacos africanos aparentados aos que vivem hoje no Velho Mundo, há 31 milhões de anos. Como é praticamente certo que a macacada americana tenha vindo da África, esses fósseis indicam que os dois grupos, o africano e o das Américas, já tinham se separado nessa época. (Na verdade, a maioria dos especialistas aposta que a separação é ainda mais antiga, com a chegada dos primeiros macacos por aqui há 40 milhões de anos.)

Contudo, até as calibrações são, no fundo, relativas, uma vez que uma espécie pode ter se separado de outra bem antes que indícios desse fato apareçam na forma de fósseis – afinal, apenas uma minoria dos animais tem a honra de se fossilizar. Além disso, a separação entre as linhagens quase sempre não é abrupta, mas leva tempo. Assim, Schrago decidiu usar um relógio molecular "relaxado", que incorpora essas possíveis flutuações em intervalos de tempo, e não em pontos fixos do calendário. "Biologicamente, isso é muito mais realista", justifica ele.

Cada macaco no seu galho

Todas essas variáveis foram levadas em conta na hora de montar a árvore genealógica dos macacos americanos, construída com a ajuda de simulações estatísticas de computador. O que ficou claro, apesar da margem de erro de vários milhões de anos para mais ou para menos, é a relativa juventude dos grupos modernos de macacos americanos: apenas 20,1 milhões de anos.

O primeiro subgrupo a ter se separado desse tronco principal teria sido o dos cebídeos (bichos como os macacos-pregos e macacos-de-cheiro), há quase 17 milhões de anos, seguidos pelos pitecídeos (cuxiús e sauás, entre outros) há uns 15,6 milhões de anos. Os caçulas seriam os atelídeos (como macacos-aranhas e macacos-barrigudos), com "só" 12,4 milhões de anos.

O registro fóssil dos macacos americanos é um bocado incompleto, e não existem exemplares com mais de 26 milhões de anos. Os fósseis dessa idade e os um pouco mais novos são complicados de classificar e se parecem pouco com as formas modernas. Mesmo assim, os dados genéticos podem ajudar a explicar por que é tão difícil encaixar esses poucos restos muito antigos nos grupos atuais: talvez esses grupos simplesmente não existissem ainda.

Se for esse mesmo o caso, diz Schrago, a evolução mais ou menos repentina de tantos tipos de macaco talvez tenha a ver com as importantes mudanças ambientais que aconteceram no intervalo de tempo detectado pelos estudos genéticos. A época, o Mioceno, englobou, entre outras coisas, um forte ressecamento global que encolheu as florestas tropicais, justamente o ambiente preferido dos macacos. "Pelo que a gente conhece de outros grupos de animais, essas mudanças radicais abrem oportunidades para a evolução", afirma ele. Os detalhes dessa história, porém, ainda precisam ser contados.

O trabalho teve apoio da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

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