A gigante do mercado da avião Boeing está envolvida em uma série de investigações por falhas em aeronaves| Foto: EFE/EPA/CHRISTOPHE PETIT TESSON
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Uma das maiores fabricantes de aviões do mundo, a Boeing, enfrenta uma crise de credibilidade nos últimos meses devido a uma sequência de falhas que colocam em dúvida a segurança de seus produtos.

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O episódio mais recente envolvendo a empresa ocorreu durante um voo da Latam, na Nova Zelândia, no início deste mês, quando uma aeronave sofreu uma queda repentina de aproximadamente 100 metros no momento em que já havia percorrido dois terços de sua rota, "despencando" de uma altitude de 41.000 pés para 40.692. O efeito de queda resultou em 13 pessoas feridas e no encaminhamento de 50 passageiros para uma triagem após o pouso, segundo informações atualizadas pela própria companhia aérea, que utilizava um Boeing do modelo 787-9 Dreamliner.

A Comissão de Investigação de Acidentes de Transporte (TAIC, na sigla em inglês) da Nova Zelândia apreendeu as caixas-pretas para uma investigação sobre o que de fato aconteceu. Autoridades do Chile, o país de destino dos passageiros, também contribuem com o caso.

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Mas esse não foi o primeiro incidente recente nesse sentido envolvendo a fabricante americana. Em janeiro, um outro Boeing, do modelo 737 MAX-9, pertencente à Alaska Airlines, também sofreu uma falha grave que colocou em risco a vida de passageiros e funcionários.

O avião realizava o trajeto de Portland para Ontário, na Califórnia, quando foi forçado a fazer um pouso de emergência no estado do Oregon depois que um plugue de porta se soltou no meio do voo, causando uma rápida descompressão. Por sorte, não havia passageiros sentados próximos à porta e os pilotos conseguiram pousar o avião sem deixar vítimas.

Dias depois, o diretor-executivo da Boeing, Dave Calhoun, deu uma declaração oficial sobre o caso. “Vamos tratar disso, em primeiro lugar, reconhecendo nosso erro, e com total transparência em cada passo do caminho”, disse.

O CEO afirmou ainda que, quaisquer que sejam as conclusões do caso, "a Boeing é responsável pelo que aconteceu".

Ele continua: "um evento como este não deve acontecer em um avião que sai da nossa fábrica. Temos simplesmente de fazer o melhor pelos nossos clientes e pelos seus passageiros. Estamos implementando um plano abrangente para fortalecer a qualidade e retomar a confiança dos nossos stakeholders. Será necessário demonstrar ações significativas, com transparência em todas as etapas – e é nisso que estamos diretamente focados”.

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Controle de qualidade

O incidente provocou uma mobilização nacional nos Estados Unidos que envolveu a Administração Federal de Aviação dos EUA (FAA, na sigla em inglês), principal autoridade da aviação civil nos Estados Unidos. Diante do cenário de risco, a agência chegou a suspender temporariamente a maioria dos aviões do modelo 737 MAX-9 da Boeing para inspecionar o controle de qualidade das aeronaves.

Após as primeiras conclusões, a agência proibiu a Boeing de aumentar a produção dos jatos Max e de aprovar linhas de produção adicionais para a aeronave “até que os problemas de controle de qualidade descobertos durante este processo fossem resolvidos”.

Na auditoria, a FAA identificou problemas de "não conformidade no controle do processo de fabricação da Boeing, manuseio e armazenamento de peças e controle de produtos", de acordo com informações do site do órgão fiscalizador dos EUA. Os fornecedores de peças da fabricante também estão envolvidos nas investigações.

Os dois casos não ocorreram de forma isolada, mas fazem parte de uma sequência de falhas somente neste ano. Em outra situação, uma aeronave da Boeing, pertencente à American Airlines, perdeu um pneu durante a decolagem em São Francisco; outro voo com destino a Los Angeles precisou retornar a Sydney após "problemas de manutenção"; um avião sofreu um incêndio no motor após a decolagem e outro sofreu um colapso no trem de pouso.

Morte misteriosa

Além das questões de segurança, outros acontecimentos envolvendo a empresa têm colocado cada vez mais a grande fabricante de aeronaves em evidência, como a morte enigmática de um ex-funcionário que denunciou irregularidades na empresa.

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O aposentado John Barnett, de 62 anos, trabalhou na Boeing por mais de três décadas e integrava a lista de testemunhas em um processo movido por denunciantes contra a fabricante por questionar os padrões de qualidade utilizados pelo negócio bilionário de aviões. Ele foi encontrado morto no estacionamento de um hotel onde estava hospedado, nos Estados Unidos. A conclusão da polícia aponta para "morte por ferimento auto infligido” por arma de fogo.

Em 2019, ele contou à emissora BBC que trabalhadores, sob pressão, instalaram nas aeronaves peças que não atendiam aos padrões exigidos pela FAA. Ainda, o ex-funcionário reportou problemas nas máscaras de oxigênio instaladas no modelo 787 que, segundo ele, poderiam não funcionar em caso de emergências. A Boeing nega as alegações.

Barnett trabalhou como gerente de qualidade na fábrica de North Charleston, instalação onde são construídos os aviões comerciais de modelo 787 Dreamliner, que esteve envolvido no incidente da Nova Zelândia. Essas aeronaves podem custar até US$ 200 milhões (aproximadamente R$ 1 bilhão na cotação atual).

“Estamos tristes com o falecimento do Sr. Barnett e nossos pensamentos estão com sua família e amigos”, afirmou a Boeing à Reuters em comunicado sobre o falecimento do delator.

Competição com a Airbus

Em artigo publicado no portal The Conversation, o professor Doug Drury, da escola de Engenharia e Tecnologia da Universidade Central de Queensland, na Austrália, explicou que a recente série de acontecimentos envolvendo a Boeing foi certamente "dramática". No entanto, nem todos os episódios podem ser atribuídos à empresa.

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"Cinco incidentes ocorreram em aeronaves pertencentes e operadas pela United Airlines e foram relacionados a fatores fora do controle do fabricante, como problemas de manutenção, possíveis objetos estranhos e possível erro humano", afirmou.

O especialista em aviação deu o exemplo de um Boeing do modelo 777, da United Airlines, que voava de San Francisco para o Japão e perdeu um pneu na decolagem. Segundo Drury, este foi um problema de manutenção não relacionado à fabricante, mas sim à companhia aérea.

O professor universitário menciona que alguns críticos da empresa creditam à competição com outra gigante da aviação, a europeia Airbus, a mudança de cultura da Boeing que pode ter influenciado na perda de qualidade. "Os críticos dizem que a cultura da Boeing mudou desde que a Airbus se tornou um grande concorrente no início dos anos 2000. A empresa foi acusada de mudar seu foco para o lucro em detrimento da engenharia de qualidade", disse, citando denúncias de ex-funcionários que levantaram preocupações sobre cronogramas de produção apertados, questionamentos sobre processos e as multas aplicadas pela FAA por "lapsos na supervisão de qualidade depois que ferramentas e detritos foram encontrados nas aeronaves que estavam sendo inspecionadas".

Diversos funcionários e ex-funcionários testemunharam diante do Congresso americano sobre as questões de produção relacionadas ao controle de qualidade da empresa. E foi com base nessas denúncias e conclusões do Congresso que o órgão fiscalização da aviação começou a inspecionar mais de perto os processos da Boeing.

No início de março, a agência americana de aviação apontou novos potenciais problemas de segurança nas aeronaves ligados aos motores do 737 Max e do 787 Dreamliner, embora não tenha suspendido a produção de nenhum dos aviões.

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Depois do incidente com o modelo 737 MAX-9, o diretor-executivo Dave Calhoun afirmou que a Boeing desenvolverá um plano de ação abrangente com "critérios mensuráveis para demonstrar a mudança profunda que o Administrador [Michael] Whitaker e a FAA exigem". Segundo ele, toda a equipe de liderança está "comprometida em enfrentar esse desafio". Esse projeto faz parte de uma obrigação da própria FAA, que deu um prazo de 90 dias para a gigante da aviação propor um planejamento que corrija os problemas apresentados nos últimos meses.

Respostas da empresas envolvidas

A Latam, responsável pelo voo que deixou 13 feridos na Nova Zelândia, afirmou que está “trabalhando em coordenação com as respectivas autoridades para apoiar as investigações”.

A assessoria da Boeing no Brasil informou que, desde o evento com o 737 da Alaska Airlines, criou um site em que emite comunicados atualizados sobre as ações tomadas em relação aos seus produtos e está tomando medidas imediatas para fortalecer a qualidade de suas aeronaves.

"A empresa implementou um plano de controle para garantir que todos os tampões (plugues) da saída intermediária do 737-9 sejam instalados de acordo com as especificações, também instituímos novas inspeções na montagem dos tampões de portas e estruturas similares na fábrica do nosso fornecedor e na linha de produção da Boeing, além de termos adicionado sinalização e protocolo para documentar completamente quando o tampão da porta é aberto ou removido em nossa fábrica, garantindo que seja reinstalado e inspecionado antes da entrega", diz a nota enviada à Gazeta do Povo.

Além disso, a assessoria informou que a fabricante está implementando planos para melhorar a qualidade geral e a estabilidade em todo o sistema de produção do 737, incluindo inspeções adicionais na cadeia de fornecimento, colaboração com fornecedores em melhorias de produção e lançamento de uma avaliação independente para reforçar o sistema de gestão de qualidade por um especialista em segurança "altamente experiente".

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Entre outras ações, também estão abrindo a fábrica para clientes do 737 conduzirem suas próprias revisões adicionais e apoiando "de forma completa e transparente" as ações de investigação, auditoria e supervisão da FAA.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]