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Curitiba – Quando Augusto Pinochet deixou o governo do Chile em 1990, o ex-general se certificou de legar ao sucessor um aparelho estatal que não conseguisse – ou demorasse muito, como se constatou ser o caso – levá-lo à Justiça por crimes cometidos durante seus 17 anos de ditadura, que resultaram em cerca de 3 mil mortes ou desaparecimentos. Um dos artifícios usados foi uma lei, escrita pelo próprio ditador, criando vagas de senador vitalício para ex-presidentes do país.

A imunidade parlamentar ganha com a criação da lei, e só questionada pela primeira vez dez anos depois, em 2000, passou a ser um importante instrumento para atrasar seus julgamentos.

Além da herança estatal, a saúde do de Pinochet tem sido seu principal subterfúgio. No início da última semana, aos 91 anos, o ex-general sofreu um ataque cardíaco e apresentou um edema cerebral que obrigou os médicos do Hospital Geral do Exército, em Santiago, a submetê-lo a uma angioplastia. Era a chegada a hora de Pinochet enfrentar a doença ou a volta à prisão e ao banco dos réus.

Como os boletins têm divulgado uma milagrosa melhora em seu estado de saúde, a ponto de permitir sua saída da UTI, na sexta-feira, há quem diga que a doença foi mais uma farsa do ex-ditador, uma tese desmentida pelos médicos. Quando esteve preso no Reino Unido, de 1998 a 2000, foi a "deteriorada saúde" que o livrou de ser extraditado para a Espanha, onde seria julgado pelo desaparecimento de 94 espanhóis que viviam no Chile na época da ditadura. Numa cadeira de rodas e visivelmente abatido, ele deixou Londres. Quando aterrissou em Santiago, já era outro homem: sorridente e caminhando.

A Justiça chilena se empenha, mas os julgamentos sempre demoraram muito – seja porque o ex-general evoca sua imunidade, seja porque recebe atestados médicos que o autorizam a escapar do processo.

Em outubro, porém, um juiz ordenou que Pinochet fosse posto em prisão domiciliar por tortura e seqüestro de presos políticos na Villa Grimaldi. Liberado sob fiança, ele enfrentou, em novembro, outra ordem de prisão domiciliar, desta vez pelo seqüestro, em 1973, de dois guarda-costas do presidente deposto naquele ano, Salvador Allende. Pinochet enfrentou também acusações de evasão fiscal e falsificação de passaportes e ainda responde por envolvimento na Caravana da Morte e na Operação Colombo, criadas para eliminar adversários políticos.

Muitos chilenos consideram a era Pinochet um marco para o desenvolvimento econômico do país, dono dos melhores indicadores de crescimento da América Latina. "Os defensores dizem que se o Estado não tivesse se tornado menos ideológico, o Chile não seria o que é hoje. Os opositores acham que a evolução veio depois, com os sociais-democratas", avalia a professora de Relações Internacionais da Unesp, Cristina Pecequilo.

Para a argentina Alejandra Pascual, especialista em América Latina e Direitos Humanos da Universidade Nacional de Brasília (UnB), "a sociedade deve conhecer bem sua ferida, para espantar a idéia de que a ditadura não foi tão ruim quanto realmente foi".

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