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Uma mulher usa um posto de comunicação de rua, onde os telefones são alugados por minuto em Caracas, Venezuela | Carlos Becerra/Bloomberg
Uma mulher usa um posto de comunicação de rua, onde os telefones são alugados por minuto em Caracas, Venezuela| Foto: Carlos Becerra/Bloomberg

Toda vez que Margara Bermudez tem que fazer uma ligação, ela dirige sua moto até uma árvore a cerca de cinco minutos de sua casa, em uma pequena cidade nos arredores de Maracaibo, cidade rica em petróleo . Esse é o único lugar onde há sinal suficiente para o celular funcionar. 

Moradores de Los Puertos de Altagracia descobriram que o local é de certa forma um refúgio das crescentes zonas mortas que os deixam sem comunicação na maior parte do tempo, resultado de um crime comum na nação decadente: roubar e vandalizar antenas de celulares. Assim, a árvore, que sempre ofereceu uma sombra bem-vinda no calor, que regularmente ultrapassa os 30ºC, agora fica cheia, mesmo à noite, iluminada por pessoas respondendo mensagens de textos. 

Documentos indicam que houve pelo menos 2.000 ataques na rede de 6.000 antenas da Venezuela nos últimos três anos. O número inclui incidentes de vandalismo – mexer em equipamentos para pegar peças que podem ser revendidas – e roubo. Somente em 2018, a Movistar, subsidiária da Telefonica, segunda maior operadora do país, reportou 536 roubos. Os assaltos estão pressionando as empresas que lutam para sobreviver em meio a uma inflação crescente, preços limitados e um sistema de comunicação atormentado por blecautes que estão deixando isolados milhões de venezuelanos que vivem em cidades menores. 

Antenas de transmissão em Caracas, VenezuelaCarlos Becerra/Bloomberg

"Estamos isolados, estamos até nos distanciando da nossa família. Eles reclamam que eu não ligo, mas como eu posso fazer isso?", Bermudez disse na famosa árvore. Quando ela precisa fazer uma transferência bancária online, ela vai até lá e liga para sua irmã em Caracas para ajudá-la. Muitas vezes, a chamada é interrompida após alguns segundos. 

A estatal Movilnet, operadora líder do país, e a Digitel, de propriedade privada, também foram atingidas pela onda de crimes. Os equipamentos roubados, que muitas vezes são compartilhados pelas empresas, são posteriormente revendidos por preços altos, incluindo cabos de fornecimento de energia, peças de cobre e componentes eletrônicos, segundo documentos vistos pela Bloomberg. 

Qualidade comprometida

Para as empresas, a substituição desse equipamento roubado tem se tornado cada vez mais difícil. O governo não tem enviado dólares subsidiados para importações após o colapso do preço do petróleo, sua principal fonte de receita. Isso, combinado com o limite do que eles podem cobrar – o preço do plano de internet móvel da Movistar é de cerca de 100 bolívares, ou cerca de US$ 0,15 na taxa de mercado negro, comparado a um preço de US$ 17 para um plano similar oferecido pela empresa na vizinha Colômbia – deixa-os sem dinheiro para investir ou melhorar a tecnologia.

"Ao cobrar de 3 a 4 dólares por mês, poderíamos começar a recuperar os sistemas", disse Jose Luis Rodriguez Zarco, presidente da Telefonica na Venezuela, a jornalistas na sexta-feira (14), acrescentando que as tarifas venezuelanas são as mais baratas do mundo. "Não estamos à beira de um colapso, mas cada vez vamos comprometer mais a qualidade." 

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Rodriguez disse que a empresa não tem planos de deixar a Venezuela, mas precisa da ajuda constante de sua controladora na Espanha para continuar operando. O consumo aumentou 73% em um ano, enquanto um terço de sua equipe deixou o país, disse ele. 

A maior parte do dinheiro agora vai para manutenção, incluindo a recuperação de estações que foram alvos de furto e vandalismo, segundo documentos vistos pela Bloomberg. A substituição de uma custa 600.000% a mais que no ano passado devido à inflação de 1.700.000% anualizada nos últimos 3 meses. 

"Há contrabando envolvido, por isso peças são revendidas no Caribe e em países vizinhos", especialmente para condutores de cobre, rádios de micro-ondas, geradores de motores e baterias, disse José Maria de Viana, ex-diretor da Movilnet em Caracas. "Um risco como este não valeria a pena em outro país, mas aqui as pessoas fazem qualquer coisa por US$ 10." 

Crise

Para os venezuelanos, estar separado dos outros e do resto do mundo é mais um golpe causado pela profunda crise econômica, que afeta desde transações bancárias até operações policiais, causando falhas em operações comerciais diárias e isolando aqueles que precisam de assistência emergencial. Já é comum ter chips de telefone de mais de uma operadora e trocá-los em busca de sinal (Bermudez tem dois). Mas com as crescentes zonas mortas, não é de muita ajuda. Serviços da Web amplamente utilizados, como o WhatsApp, agora são instáveis, assim como o acesso a notícias – o governo controla todos os canais de TV públicos e bloqueou várias redes privadas. 

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A centenas de quilômetros de distância, Alexandra Bellester está enfrentando praticamente os mesmos problemas. Sua cidade rural de El Portal de Los Morros, a cerca de 80 quilômetros da capital Caracas, possui poucas linhas fixas e quase nenhum sinal de celular. 

"Temos que subir em árvores ou subir nos telhados de algumas casas para obter um sinal constante", disse ela.

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