• Carregando...
Confira as regiões na fronteira do Brasil com o Paraguai onde há tráfico |
Confira as regiões na fronteira do Brasil com o Paraguai onde há tráfico| Foto:

Encontro

Construção de linha de transmissão será discutida

Em meio à crise da segurança instalada na fronteira do Brasil e Paraguai, o governo brasileiro deve reafirmar hoje a disposição de construir uma linha para transmitir energia de Itaipu a Assunção, sem custo para o país vizinho.

O compromisso foi firmado em um encontro realizado em 25 de julho do ano passado entre os presidentes dos dois países.

A linha de 500 kV, orçada entre US$ 350 milhões e US$ 400 milhões, é a esperança da população paraguaia para acabar com os sucessivos problemas de interrupção no fornecimento de energia elétrica no país, sócio da maior hidrelétrica do mundo. Apesar do compromisso, a promessa esbarra em resistências.

O governo brasileiro pretende usar o Fundo para Convergência Estrutural e Fortalecimento Institucional do Mercosul (Focem) para bancar a obra, o que não agrada o Paraguai porque para isso é necessário aprovação de todos os países sócios do Mercosul, o que pode atrasar o início da obra.

Na agenda do encontro ainda estão previstos diálogos sobre migração; cooperação na área social e a respeito da segurança e o desenvolvimento da região da fronteira.

Os presidentes também discutirão assuntos relacionados ao Mercosul e à Unasul.

Lula deve chegar a Ponta Porã por volta das 9 horas. Ele permanece na cidade pelo menos por 6 horas.

Após oferecer um almoço a Lugo, o presidente brasileiro deixará Ponta Porã com destino a São Paulo.

Opinião

Um filme antigo

Em 1985 o jornalista Edmir Conceição dos Santos, um colega que conheci no interior de São Paulo, teve de deixar o emprego em Ponta Porã depois de sofrer ameaças e uma tentativa de assassinato.

O caso mostra que a ação do crime organizado na fronteira do Brasil não é de hoje. Ilustra também a incompetência do governo em combater o contrabando e o narcotráfico na região. Nos anos 1970, quando o transporte rodoviário era precário no Mato Grosso – Mato Grosso do Sul foi instalado em 1979 –, um dos meios mais usados pelos narcotraficantes era a Estrada de Ferro Noroeste do Brasil (NOB). Dois ramais da ferrovia faziam a ligação de Corumbá (fronteira com a Bolívia) e Ponta Porã (fronteira com o Paraguai) com o resto do país. Além de passageiros, os vagões vinham cheios de maconha e cocaína.

Com a abertura de estradas e aeroportos, os criminosos passaram a usar aviões, automóveis, ônibus e caminhões. Hoje, o narcotráfico age em todos os mais de 15 mil quilômetros da fronteira terrestre do Brasil. Atuam do Rio Grande do Sul à Venezuela e à Guiana Francesa.

Os governos sul-americanos falam muito em integração. Pregam ações conjuntas, mas tudo não passa de retórica. Se houvesse coordenação entre os países, grande parte dos veículos da frota paraguaia não seria produto de roubo feito no Brasil. Espera-se que a reunião de hoje não seja apenas para anunciar medidas que não serão colocadas em prática.

Célio Martins, editor de Mundo.

A histórica falta de habilidade dos governos do Brasil e do Pa­­ra­­guai em lidar com as movimentações ilícitas na fronteira fez surgir uma narcossociedade na região de Pedro Juan Caballero e Ponta Po­­rã (MS). A população das duas cidades, separadas apenas por ruas e avenidas, viu o tráfico de drogas crescer e se infiltrar na po­­lítica e no comércio. É nesse cenário, palco do atentato contra o se­­nador paraguaio Robert Acevedo, que os presidentes Luiz Inácio Lu­­la da Silva e Fernando Lugo reú­­nem-se hoje para discutir acordos de cooperação na área econômica, energética e de segurança. O tema da violência deve do­­mi­­nar a pauta do encontro, até mesmo pela demanda existente por mais policiamento e controle nas duas cidades. Capital do estado paraguaio de Amam­­bay, um dos cinco de todo o Para­­guai onde foi decretado estado de exceção para facilitar a prisão de membros de um grupo guerrilhei­­ro denominado Exército do Povo Para­­guaio (EPP), Pedro Juan Cabal­­lero tornou-se refúgio para organizações criminosas brasileiras, entre elas o Primeiro Comando da Ca­­pital (PCC), e um porto seguro pa­­ra a lavagem de dinheiro. "É co­­mum o narcotráfico financiar can­­didatos e investir em lojas, ho­­téis e fazendas da região. São in­­ves­­ti­­mentos que causam uma con­­cor­­rência ilegal e prejudicam a eco­­nomia porque se vende tudo mais barato", diz o senador Ace­­vedo. Fervoroso crítico do crime or­­ganizado – este teria sido o motivo de ter sofrido o atentado – Ace­­­­vedo elogiou o trabalho feito pelo juiz brasileiro Odilon de Oliveira em Ponta Porã. Jurado de morte, Oliveira condenou mais de 100 traficantes, confiscou imóveis e teve de ir embora para Campo Grande. Hoje, com o relaxamento das ações, as organizações criminosas espalham cada vez mais tentáculos na comunidade. "Esta­­mos nos transformando em uma narcossociedade. As organizações criminosas financiam políticos e adquirem propriedades para la­­var dinheiro". Para Ace­­vedo, é preciso uma intervenção do Brasil e P­­araguai na fronteira.

Uma semana após ter escapado de um ataque de pistoleiros que dispararam mais de 30 tiros contra o veículo que estava e ma­­ta­­ram seu motorista e um guarda-costas, Acevedo recupera-se em ca­­sa de um tiro que recebeu no braço e se estiver bem diz que participará hoje do encontro dos presidentes.

Após o atentado, cerca de 150 militares tomaram as ruas de Pe­­dro Juan Caballero. Eles param veí­­culos e fazem revistas, o que proporcionou à população do lado pa­­raguaio e brasileiro maior sensação de segurança. "A cidade está mais segura e tranquila agora", diz o comerciante Wilson Veláz­­quez, 40 anos. A segurança em Pon­­ta Porã havia sido reforçada há cerca de 30 dias. No Paraguai, as Forças Armadas, a polícia e fiscais aduaneiros são responsáveis pelo patrulhamento da fronteira.

Vácuo na segurança e nas políticas públicas sustenta criminalidade

As falhas nas políticas públicas e falta de perspectiva para geração de renda formal, principalmente na fronteira de Ciu­­dad del Este e Foz do Iguaçu, são alguns fatores que facilitam a proliferação de guetos criminosos no Brasil e no Paraguai.

Para a historiadora e analista paraguaia Milda Rivarola, o go­­verno paraguaio nunca conseguiu controlar a máfia ligada ao narcotráfico e ao contrabando. "É um território que o estado pa­­raguaio nunca dominou, controlado por brasileiros e paraguaios", diz.

Outro obstáculo, segundo a historiadora, é a condição da po­­­­lícia do país. Com fama de cor­­rupta, a corporação policial paraguaia é arcaica, des­­pre­­pa­­rada e não tem equipamen­­tos de ponta para fazer frente aos traficantes e contrabandistas. "O aparato policial é velho e não é sofisticado".

A condição econômica da população e os valores cultuados também aparecem como sustentáculo da problemática vivenciada na fronteira, onde a cul­­tu­­ra da ilegalidade é co­­mum. Para o sociólogo e professor da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), Eric Car­­din, autor de uma tese de doutorado sobre a fronteira, a prática do trabalhador informal, ou seja, os chamados laranjas – con­­tratados para cruzar o Brasil com mercadorias – ou barquei­­ros, mostra que o ‘errado’ está na mercadoria e não na atividade exercida. "É comum nas narrativas de inúmeros trabalhadores a concepção de que, em­­bora o trabalho realizado seja errado e ilegal, ele dá sustentação para a economia oficial da região e por isso não seria legítimo a manutenção de um suposto processo de ataque ao trabalho realizado", diz.

Segundo o professor, o narcotráfico e o contrabando acabam ocupando um imenso contingente populacional e possibilitam a manutenção de inúmeras famílias, além da circulação de um volume de capital fun­­damental para a existência de parte significativa da economia regular.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]