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Com poucos empregos no Nepal, os jovens do país estão indo embora. Em Katmandu, nepaleses esperam na fila para tirar o passaporte para trabalhar na Coreia do Sul | Narendra Shrestha/European Pressphoto Agency
Com poucos empregos no Nepal, os jovens do país estão indo embora. Em Katmandu, nepaleses esperam na fila para tirar o passaporte para trabalhar na Coreia do Sul| Foto: Narendra Shrestha/European Pressphoto Agency

Recolher caixões no Aeroporto Internacional de Tribhuvan já foi um emprego de meio período; afinal, eram bem poucos por semana.

Agora, pelo menos cinco chegam diariamente, corpos em caixas cobertas com plástico. Em 2009, Dipendra Prasad Acharya desistiu de seu emprego de motorista de caminhão para trabalhar em período integral em um dos poucos ramos que crescem no Nepal: o de transporte de corpos de trabalhadores imigrantes.

Ele sabe que seu trabalho está garantido. A cada viagem, cruza com hordas de rapazes — e um número cada vez maior de moças – que lotam o terminal de embarque de segunda classe."O número de cadáveres não para de crescer. Levamos os corpos para suas cidades de origem sem custos adicionais. É o governo que me paga para fazer o que faço."

O Nepal está em um caos político e econômico. A década de insurgência maoísta se encerrou em 2006, mas desde então seus líderes não conseguiram entrar em acordo em relação à constituição. E apesar do enorme potencial hidroenergético, a eletricidade anda tão escassa que fica em falta até 14 horas/dia. A manufatura caiu e agora representa mirrados seis por cento da economia. A pobreza é epidêmica, a poluição do ar, sufocante e as estatísticas de saúde, terríveis.

Com poucos empregos disponíveis, os jovens reagem indo embora. Em média, cerca de 1.500 nepaleses deixaram o país oficialmente por dia no ano fiscal de 2014; em 1996, eram seis.

Nenhum outro país do mundo com pelo menos dez milhões de habitantes garante uma fatia tão grande de sua renda com o trabalho imigrante. O fluxo de dinheiro estrangeiro – oficialmente, 25 por cento do PIB nepalês; extraoficialmente, 40 – está transformando a nação. Casas de tijolos, sólidas, enchem as vilas onde antes havia apenas cabanas de argila; há muitos colégios particulares. Com os maridos fora, as mulheres saem de casa com mais frequência, tomam mais decisões familiares e têm menos filhos.

Só que o trabalho braçal pesadíssimo no Kuwait, Malásia, Catar e Arábia Saudita, destinos mais populares além da vizinha Índia, resulta em um número alarmante de mortes. Segundo uma investigação promovida no ano passado pelo jornal britânico The Guardian, os nepaleses estavam sendo usados como escravos na construção dos estádios para a Copa do Mundo de 2022 no Catar e entre os que voltavam para casa havia altos índices de contaminação pelo vírus HIV/Aids.

Apesar disso, em dezenas de entrevistas, muitos que voltaram do Oriente Médio elogiaram as condições de trabalho de lá, embora outros tantos tenham reclamado das condições ruins de vida e dos atrasos nos pagamentos.

"Antes de ir para o Catar nunca tinha trabalhado com equipamentos de segurança, tipo cinto e capacete e sapato com grampos", diz Kaplesh Mandal, de trinta anos. Nenhum lugar sofreu mudança mais radical que Dhanusha District, região ao longo da fronteira com a Índia e com o maior índice de famílias de imigrantes do país.

Ali Munesa Khatun vivia na metade de uma casa de tijolos que seu marido pretendia terminar quando voltasse da Arábia Saudita, mas não deu tempo; ele morreu por lá. Agora um de seus filhos trabalha no Catar e o outro está esperando o visto para se juntar ao irmão. "Morro de medo pelo meu filho, não quero que ele termine como o pai, mas precisamos do dinheiro e não tem outro jeito de ganhá-lo".

Os economistas temem que o setor de mão de obra no exterior acabe por arruinar o país de vez.

"Se alguma coisa acontecer no Golfo a ponto de afetar o fluxo de imigração, o Nepal vai explodir – nem as autoridades, nem as agências de inteligência têm a menor ideia sobre o que fazer a respeito", diz Chandan Sapkota, economista do Banco de Desenvolvimento Asiático.

Bhadra Sharma contribuiu para a reportagem

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