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Enquanto a Grécia se equilibra à beira do default e possível saída da moeda comum europeia, líderes de outros países não entendem como as autoridades governamentais gregas podem demonstrar tanto otimismo.

Uma explicação das motivações e do comportamento do governo pode ser encontrada em esferas que transcendem a economia, onde o governo tomou medidas para impor sua agenda sobre a política doméstica e externa —preocupando seus aliados, os partidos oposicionistas e os investidores.

O governo não demonstrou desejo de conciliar em nenhuma área. Essa mentalidade tem sua origem em um século de conflito entre esquerda e direita, em que o envolvimento estrangeiro ajudou governos de direita a se manterem no poder às expensas das forças de esquerda.

Agora, com um partido radical de esquerda no poder, a situação pode ser tão autodestrutiva quanto inevitável.

Desde que foi eleito, em 25 de janeiro, o Syriza adotou programas que visam aliviar alguns dos efeitos da austeridade. Ao mesmo tempo, prometeu reprimir a sonegação de impostos, principalmente por parte dos ricos.

Adotou postura mais tolerante em relação a migrantes e refugiados, testou relações com parceiros estrangeiros e congelou ou reverteu reformas, não só na economia.

No setor da educação, uma nova lei pretende dar maior influência aos estudantes e aos partidos sobre a direção das universidades, restaurando um modelo adotado na década de 1980 que enfraqueceu gravemente as universidades (e que só foi mudado em 2011).

A polícia recebeu ordens de tolerar ativistas “antiestablishment” que se descrevem como tais, a tal ponto que manifestantes picharam xingamentos à polícia em viaturas da tropa de choque.

Em relação a questões judiciais, promotores alegam que uma nova lei que visa aliviar a congestão das prisões e libertar detentos doentes vai levar à soltura incondicional de presos em demasia.

Na área da política externa, o primeiro-ministro, Alexis Tsipras, surpreendeu Washington e Bruxelas quando visitou o presidente Vladimir Putin em Moscou, em abril, depois de seu governo ter deixado claro que é contra as sanções impostas à Rússia por sua incursão na Ucrânia.

E, ao mesmo tempo em que o governo afirma querer investimentos e crescimento, vários ministros e deputados do Syriza se opõem à operação de extração de ouro de uma empresa canadense no norte da Grécia, enquanto membros do governo dão sinais conflitantes sobre a expansão de um terminal de contêineres de uma firma chinesa em Piraeus.

O primeiro ato de Tsipras como primeiro-ministro foi visitar um local onde as forças alemãs fizeram uma execução em massa na Segunda Guerra Mundial.

Desde então, o Parlamento discute as reivindicações gregas de reparações pelas atrocidades e os danos cometidos pelos nazistas. Um funcionário do governo disse que o montante total pedido chega a € 278,7 bilhões (R$ 940 bilhões).

A Alemanha, fiadora de € 65 bilhões do pacote total de ajuda da zona do euro, de US$ 240 bilhões, diz que isso foi discutido em acordos passados. Mas o Parlamento grego ainda precisa criar um comitê para investigar o assunto e fazer pressão por uma solução.

Outra investigação analisa como a Grécia acumulou uma dívida que no final de 2014 chegava a US$ 314 bilhões; a previsão é que o comitê ouça a recomendação de que parte da dívida não poderá ser saldada. Um terceiro comitê investiga as circunstâncias do acordo de socorro firmado em 2010.

As investigações sobre reparação e dívida são encabeçadas por Zoe Konstantopoulou, presidente do Parlamento e opositora destacada do acordo de socorro.

Elas parecem ter como objetivo enfatizar a mensagem do governo de que a Grécia é vítima de agiotas estrangeiros e de uma elite local corrupta, e não um país que precisa reformar sua economia e administração pública.

A atitude de desconfiança em relação a potências estrangeiras é o elemento que une os dois partidos da coalizão. O parceiro menor na coalizão, o Gregos Independentes, é um partido nacionalista de direita, de linha dura, que nasceu da oposição ao pacote de socorro.

O Syriza é descendente de parte da resistência, liderada pelos comunistas, contra os alemães na Segunda Guerra Mundial. O fato de desafiar os aliados da Grécia e ressaltar as críticas à Alemanha permitem que o Syriza pareça ser mais “patriótico” que os governos anteriores, que não tinham enfatizado a questão das reparações.

Em discussões com credores, o governo se recusa a reformar a legislação trabalhista e de pensões, elevar o imposto sobre valor agregado e incentivar privatizações.

Mas se diz confiante em que os parceiros da Grécia na União Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional vão recuar de suas posições.

Tsipras disse à Reuters em 16 de abril que a Europa “não optará pelo caminho da chantagem financeira antiética e brutal”, mas pelo “caminho de lançar uma ponte sobre as diferenças”.

Para evitar divisões em seu partido, evitar ser humilhado em função das promessas pouco realistas que fez aos eleitores e destacar que se nega a ser “chantageado”, ele prefere correr o risco de uma ruptura com os credores, algo que pode destruir a economia.

Valorizando sua ascensão ao poder, Tsipras e seu partido demonstram intransigência, ao mesmo tempo em que pedem concessões.

Eles têm confiança total em conseguir seus intentos ou fé cega na ideia de que, enquanto o tempo se esgota, outros se preocuparão mais com o povo grego do que eles parecem se preocupar e intervirao para evitar o desastre.

Nikos Konstandaras é editor executivo e colunista do jornal “Kathimerini”.

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