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Em “Kumiko”, a personagem de Rinko Kikuchi sai em busca do tesouro descrito em “Fargo” | Sean Porter/
Em “Kumiko”, a personagem de Rinko Kikuchi sai em busca do tesouro descrito em “Fargo”| Foto: Sean Porter/

Em um apartamento escuro em Tóquio, uma mulher solitária é transportada para as paisagens nevadas de Minnesota. Ela se perde nas imagens indistintas da TV, rebobinando para frente, para trás e dando pausa, em busca de pistas e significado. Quando a fita, já gasta, prende no videocassete, ela aproxima a maçaroca do rosto e aspira profundamente, com reverência.

Pouco depois, já se encontra em um avião, rumo aos EUA, à caça do dinheiro que Steve Buscemi enterrou em “Fargo”, o filme de 1996 que analisou e esmiuçou como se fosse verdadeiro. E como afirma de forma divertida o novo filme “Kumiko, a Caçadora de Tesouros” – fantasia inspirada em um mito urbano – a personagem título, interpretada por Rinko Kikuchi, tem poder de tornar uma coisa falsa em realidade, isto é, alterar o longa de acordo com sua própria interpretação. É a mais nova maneira de explorar a adaptação da imaginação e identidade do ser humano moderno em reação à imagem gravada.

E a realidade, na verdade, não era o objetivo de David e Nathan Zellner com “Kumiko”; a ideia partiu da notícia de que o corpo de uma japonesa tinha sido encontrado em um campo de Minnesota em 2001. Em vez de investigar os fatos do caso, os irmãos ficaram mais curiosos com a especulação na Internet gerada pela descoberta – que se baseava nos boatos de uma aventura internacional pelo tesouro de “Fargo”.

“Não demorou muito para a história ser esclarecida, mas foi o bastante para fazer a imaginação do pessoal correr solta. Acho que o fenômeno não deixa de estar relacionado a contação de histórias em si, à forma como as fábulas são criadas a partir de um elemento verdadeiro e acabam passando de geração a geração”, filosofa David Zellner, de 41 anos.

Nascidos e criados no Colorado e agora vivendo em Austin, no Texas, os Zellner se lembram da parceria com o pai na criação de animações stop-motion, em Super 8, quando ainda estavam na pré-escola e mais tarde, já nos anos 80, fazendo filmes com a câmera VHS. “Como muitos jovens, copiamos as coisas que já tínhamos visto – sabe como é, aquelas sátiras terríveis com as superproduções”, conta David.

A história dos Zellner lembra a dos irmãos Angulo, tema do documentário “The Wolfpack”, que ganhou o Prêmio Especial do Júri do Festival de Sundance – mas enquanto a paixão pelo cinema dos primeiros foi apenas uma parte de uma educação eclética, para os segundos, os filmes eram a conexão mais importante com o mundo exterior.

Praticamente confinados ao apartamento de Nova York onde moravam pelo pai superprotetor, os seis rapazes cresceram obcecados com os filmes a que assistiam em VHS e DVD até que passaram a encená-los com requintes elaborados. No documentário, eles aparecem transcrevendo os diálogos à mão, fazendo os figurinos e acessórios com objetos de casa e transformando o apartamento apertado onde viviam em um set de filmagem em perpétua transformação.

“Às vezes eles levavam semanas para fazer uma única roupa”, conta a diretora Crystal Moselle, 34 anos, por telefone.

Essas imitações caseiras lembram “Rebobine, Por Favor”, filme de Michel Gondry de 2008, no qual uma cidadezinha de Nova Jersey une forças para fazer o remake de filmes famosos depois que o estoque de uma locadora popular foi destruído.

Vale notar que, em todos esses casos, o formato VHS, já obsoleto, foi instrumento para novas criações. “Seria infinitamente menos interessante se ela sacasse um dispositivo USB, ou um disco Blu-ray, e tivesse só que tirar a poeira para ele funcionar”, comenta Nathan Zellner, de 39 anos.

Quando pergunto se esconderam algum tesouro para os fãs que talvez sigam os passos de Kumiko, David responde que estavam muito ocupados para pensar nisso. “Mas mesmo se o tivéssemos feito, não contaríamos para ninguém”, conclui.

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