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Quando Sandhini Poddar viu as telas de V. S. Gaitonde pela primeira vez, o silêncio delas falou alto. Expostas em uma mostra coletiva na Galeria Nacional de Arte Moderna de Mumbai, em 1997, as grandes telas abstratas, com cores e texturas em camadas, traziam um convite à contemplação prolongada. "Foi uma sensação que não foi efêmera, que permaneceu comigo e que eu conseguia recuperar quando queria ir para um lugar de silêncio", disse Poddar.

Gaitonde, que tinha pouco mais de 70 anos na época, vivia num apartamento alugado de um quarto em Nova Déli. Embora outros artistas e colecionadores bem informados admirassem seu trabalho, ele permanecia nas sombras, como era sua preferência. Tinha amigos, mas nunca se casou. Dava poucas entrevistas. Um amigo dele, o pintor Krishen Khanna, de Nova Déli, comentou: "Gaitonde era um sujeito especial. Ele não andava por ai fazendo propaganda dele mesmo. Era muito quieto, retraído."

Quando Poddar, 38 anos e hoje curadora-adjunta do museu Guggenheim de Nova York, chegou a uma posição em que poderia ajudar a divulgar o trabalho de Gaitonde, o pintor, que ela nunca chegou a conhecer pessoalmente, já não estava disponível para ajudá-la. Tinha morrido em 2001. Explorando os poucos traços remanescentes de sua vida, Poddar descobriu que Gaitonde deixou um rastro muito pequeno. Não havia herdeiros. Ninguém tinha feito um inventário de seus trabalhos. Numa carreira longa, ele produziu relativamente poucas pinturas. "Sempre houve algum mistério em torno desse artista", comentou Poddar. "Nesse sentido, ele é quase abstrato como pessoa."

Quando ela pesquisou a arte modesta de Gaitonde, preparando uma retrospectiva agora aberta no Guggenheim, os mistérios do artista se aprofundaram. Mas o desconhecimento a respeito dele chegou ao fim.

Em dezembro passado, em Mumbai, dentro do primeiro leilão realizado pela casa Christie’s na Índia, uma tela de Gaitonde foi vendida por US$ 3,8 milhões, o maior preço já pago por uma obra de arte moderna indiana. O leilão assinalou a chegada não apenas desse pintor singular, mas de toda uma geração de artistas indianos do pós-guerra.

O crescimento econômico vivido pela Índia nos últimos 20 anos enriqueceu seu empresariado, o que foi acompanhado por um interesse crescente pela arte nacional. Quase todas as obras oferecidas no leilão de arte moderna indiana foram arrematadas pelo triplo das estimativas iniciais mais baixas, revelou Deepanjana Klein, vice-presidente da Christie’s para arte moderna e contemporânea do sul da Ásia.

Os principais pintores modernistas indianos fizeram parte do Grupo de Artistas Progressistas, formado em 1947 em Bombaim (como Mumbai era chamada na época). Suas técnicas e seus artifícios formais foram inspirados na pintura vanguardista ocidental. Mas, como aconteceu sempre ao longo do tempo, a estética importada mudaria ao ser sintetizada na Índia.

Gaitonde foi criado em Bombaim e ali viveu até mudar-se para Nova Déli em 1972. Em 1950 ele entrou para o Grupo de Artistas Progressistas, pintando quadros fortemente influenciados pelo trabalho de Paul Klee.

Interessado no zen budismo, ele foi gradualmente eliminando as representações figurativas de seu trabalho. Usava um rolo para acumular camadas finas de cor em superposições de complexidade translúcida e uma espátula para criar áreas contrastantes de empaste espesso. Em 1964 ele se mudou por um ano para Nova York, onde pôde ver pinturas reais de artistas ocidentais, em vez de simples reproduções.

Khanna foi com ele visitar Mark Rothko. "Vimos Mark criando suas pinturas grandes, as pretas", Khanna recordou. "Ficamos devidamente impressionados. Gaitonde ficou profundamente impressionado."

Embora as pinturas não guardem semelhança formal com as de Rothko, também inspiram um estado de ânimo meditativo.

Em seus últimos anos, Gaitonde aplicava faixas recortadas a suas telas e passava o rolo sobre elas, até pairarem como formas fantasmagóricas. Ele criava apenas um punhado de telas em um ano. Embora pudesse ser irredutível quanto aos preços de seus trabalhos, ele não demonstrava interesse por posses materiais ou sucesso comercial.

"Depois de uma obra ser levada embora, ele não tinha mais nenhuma relação com ela", comentou Poddar. "Passava para a ideia seguinte."

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