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À esquerda, Alissa Rubin, repórter do “Times”, e Vian Dakhil, legisladora yazidi, feridas na queda de helicóptero em 12 de agosto | Adam Ferguson / The New York Times
À esquerda, Alissa Rubin, repórter do “Times”, e Vian Dakhil, legisladora yazidi, feridas na queda de helicóptero em 12 de agosto| Foto: Adam Ferguson / The New York Times
  • Missão de resgate militar iraquiana organizada por forças pesh merga curdos entregou alimentos e recolheu yazidis no monte Sinjar

Se não fosse pela queda do helicóptero no monte Sinjar, o que eu teria escrito sobre o sofrimento dos yazidis?

Teria começado, imagino, por essa montanha sobre a qual todos estão falando e para a qual os yazidis fugiram. É difícil exagerar quanto ao tamanho da montanha, que é um lugar altamente sagrado para os yazidis, e o refúgio que procuraram contra o terror que o Estado Islâmico (EI) vinha infligindo a eles. Na verdade trata-se mais de uma cadeia de montanhas do que de uma montanha individual —100 quilômetros de comprimento, 1.500 metros de altura, e por isso não admira que a operação de resgate apresentasse tamanhas dificuldades.

Em seguida eu escreveria sobre o nosso piloto, o major-general Majid Ahmed Saadi, veterano oficial árabe–iraquiano que estava ajudando os curdos a resgatar os yazidis. Adam Ferguson, nosso fotógrafo, e eu esperamos o dia todo na base militar curda em Fishkhabour, Iraque, por um helicóptero que nos levasse ao Monte Sinjar. O general Majid retornou de sua primeira viagem à montanha com o helicóptero completamente carregado de refugiados yazidis, e um jornalista de televisão britânico perguntou: "Por que o senhor está assumindo tamanho risco, sobrecarregando assim o seu helicóptero?"

Ele se limitou a responder que "verifiquei meus números, verifiquei o peso, e determinei que era possível fazê-lo".

Conosco esperava também uma integrante yazidi do Legislativo iraquiano, Vian Dakhil, cujo comovente discurso ao Legislativo iraquiano em 5 de agosto realmente tocou as pessoas. Ela parecia muito composta (ainda que inexplicavelmente usasse sapatos de salto alto) e, claro, muito passional quanto ao sofrimento de seu povo.

Quando por fim embarcamos no helicóptero, eram 15h45, e não restava muito tempo de luz diurna. Eu estava sentada sobre uma carga de pão, por trás de um dos artilheiros posicionados nas portas. Não havia outros assentos, e tampouco cintos de segurança.

O helicóptero estava carregado de pão, e provavelmente de munição: pão para os yazidis e munição para a base dos combatentes peshmerga curdos que fica no topo da montanha.

O piloto realmente causou grande impressão. O fato é que os yazidis se sentem muitos traídos pelos vizinhos árabes entre os quais viveram por longos anos, e que se voltaram contra os yazidis quando o EI chegou.

E no entanto lá estava o general Majid, ele mesmo árabe, deixando de lado seu trabalho —ele era o encarregado do treinamento da força aérea iraquiana— para ajudar aquelas pessoas.

O general me disse que aquela era a coisa mais importante que havia feito na vida, a coisa mais significativa em seus 35 anos como piloto.

Era como se o momento desse significado a toda a sua vida; ele estava especialmente comovido com a situação das crianças yazidis.

A principal prioridade era levar alimentos à montanha. Havia muitos lugares aos quais não haviam sido transportados alimentos, e por isso as missões de transporte de comida promovidas pelas autoridades curdas tinham verdadeira importância.

Quando estávamos nos aproximando do topo da montanha, as pessoas já estavam reunidas. Lembro-me de uma mãe segurando o filho com uma das mãos e a filha com a outra; a família tentava se manter em pé diante da força dos rotores, para que pudessem forçar seu embarque no helicóptero. E eles conseguiram.

O rosto de uma mulher mais velha não me deixa a memória: muito áspero e triste.

Ficamos apenas 10 minutos pousados. Os yazidis estavam abalados. Alguns dos mais velhos estavam descalços, com as pernas inchadas de tanto marchar.

Quando pousamos, foi um momento quase assustador, com uma multidão cercando o helicóptero. Todas aquelas pessoas desejavam embarcar no helicóptero e sair da montanha. E estou certa de que a maioria delas jamais havia visto um helicóptero de perto.

Tanta gente embarcou no helicóptero, ingressando pela rampa traseira de carga, que a tripulação não conseguiu fechar a rampa.Quando tentaram decolar, não conseguiram, e o helicóptero teve de voltar ao chão.

E então veio um momento triste: uma mulher e seus dois filhos foram tirados do helicóptero.

Em seguida, o general Majid decolou. O nariz do helicóptero estava apontando encosta abaixo quando o voo começou.

Senti o helicóptero colidir com alguma coisa; mais tarde, alguém me disse que se tratava de uma rocha. Achei que o piloto corrigiria a posição do aparelho, mas em seguida vi o chão subindo ao nosso encontro.

Eu não sabia o que estava por acontecer, mas sabia que seria ruim. Mais tarde, alguém disse que o co-piloto havia desligado o combustível quando os tripulantes perderam o controle do aparelho, e que isso havia resultado em estol. De outra forma, o helicóptero poderia ter pegado fogo e explodido.

Quando caímos, pensei comigo mesma que estávamos em uma montanha, e tudo bem, o aparelho deslizaria por algum tempo antes de parar. Havia coisas caindo em cima de mim; eu não sabia se eram pessoas ou objetos. E então Dakhil caiu sobre mim.

Todo mundo estava gemendo. Não havia gritos, mas todos gemiam. Adam foi ótimo. Ele me arrastou para fora do helicóptero, porque eu não conseguia caminhar, de jeito algum. Ele envolveu minha cabeça em seu lenço, para deter o sangramento.

Um soldado peshmerga tirou seu keffiyeh [echarpe usada também como cobertura de cabeça] e envolveu meus braços com ele, para que eu não os ficasse movimentando. Na hora, fiquei agradecida pelo gesto carinhoso, mas depois percebi que ele tinha sido muito sensato: estava imobilizando meus braços porque meus dois pulsos estavam quebrados.

Pouco antes de escurecer, chegou o helicóptero de resgate.

Um grupo de pessoas me apanhou e carregou para ele, desajeitadamente; e isso doeu bastante, infelizmente. Ouvi-me gemer mais alto do que todos os outros feridos. Naquele momento, a dor era muito forte. Mas então me apanhei pensando que isso era bom, porque eu estava viva.

Como está o piloto? Ele escapou? Ele só queria ajudar.

Cerca de 25 yazidis, cinco tripulantes do helicóptero, cinco políticos curdos e quatro jornalistas ocidentais estavam à bordo do helicóptero de transporte russo Mi-17. Quase todos se feriram, ainda que nenhum deles com a mesma gravidade de Rubin.

A única pessoa a morrer na queda foi o piloto, o general Majid.

Alissa J. Rubin, veterana correspondente internacional do "New York Times", saiu ferida de uma queda de helicóptero em 12 de agosto no Curdistão e ditou este artigo de um leito de hospital em Istambul, para onde foi retirada do Iraque. Ela sofreu fraturas, inclusive uma fratura de crânio

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