“O álbum vai ser sobre isso. Sobre essas mulheres, como elas sobrevivem em um ambiente inóspito e ainda sorriem”| Foto: Columbia records

A cantora e letrista beninense Angélique Kidjo estava no Quênia quando nasceu o conceito de seu novo álbum, "Eve", "como uma lâmpada que se acendeu na minha cabeça", contou.

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Kidjo, que é embaixadora da Boa Vontade da Unicef, estava visitando vilarejos quenianos, a sete horas de carro de Nairóbi, para chamar a atenção à desnutrição onipresente que pode deixar crianças atrofiadas por toda a vida.

No povoado de Merti, onde um programa-piloto estava ajudando mães e crianças, foi recebida por mulheres que apresentaram uma canção tradicional de saudação, com canto harmonizado e dança. Ela começou a cantar junto. Seu marido e colaborador na composição, Jean Hébrail, captou o momento na câmera do iPhone, e as vozes das mulheres tornaram-se o núcleo da versão criada por Kidjo da canção, "M’Baamba", que é a primeira faixa de "Eve".

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Kidjo, 53, lembra que, dias depois, em sua casa no Brooklyn, pensou: "O álbum vai ser sobre isso. Sobre essas mulheres, como elas sobrevivem em um ambiente inóspito e ainda sorriem."

Angélique Kidjo se radicou em outro continente, mas nunca deixou a África para trás. Numa carreira marcada pela criação de híbridos transnacionais, ela manteve as línguas e a sensibilidade africanas no centro de sua música.

Ela já trabalhou com músicos e produtores da Europa, da África e das Américas, e as fusões culturais estão entre os grandes elementos que vêm construindo sua plateia mundial.

"Quando consigo criar, e surge uma canção, há um sentimento de alívio e orgulho por ter conseguido sem adulterar a verdade da história", disse. "Não quero que seja diluída. Quero que fique ali, do jeito que é."

Kidjo também acaba de lançar sua autobiografia, "Spirit Rising: My Life, My Music", relatando a história da mulher resoluta com voz potente que emergiu da cidadezinha de Ouidah, na costa do Benin, na África ocidental. Saindo de lá, ela partiu em busca de um público internacional, conquistou um Grammy e se posicionou ao lado de líderes mundiais como a voz da África.

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Quando conversa com as pessoas, Kidjo fala de receitas com farinha de mandioca, sobre os aspectos práticos de ampliar o ensino para meninas africanas por meio de sua Fundação Batonga —por exemplo, calçados ajudam as meninas a caminhar mais longe para chegar à escola— ou sobre as noites insones que ela teve desde que visitou um campo de refugiados no Chade para sobreviventes da brutalidade em Darfur. "Por trás do grito e da dor daquelas mulheres, há resiliência", comentou a cantora. "Não importa quais sejam as circunstâncias, elas sempre pensam em avançar."

Kidjo saiu do Benin em 1983 e se radicou em Paris. Ela ainda escreve suas letras com mais frequência nas línguas africanas ocidentais que cresceu falando: o fon (legado de seu pai) e ioruba (o idioma de sua mãe). Também fala duas outras línguas locais do Benin, mina e goun, além de francês, inglês, alemão (que estudou na escola), português e italiano (que está aprendendo agora).

"Noventa e cinco por cento do público não entende as letras dela", comentou Hébrail. "Então temos que encontrar jeitos de tornar as canções sônica e musicalmente interessantes."

Kidjo canta como a consciência de uma comunidade. Uma das primeiras canções que escreveu, ainda adolescente, foi uma denúncia do apartheid na África do Sul. Seu pai insistiu que ela reescrevesse a letra sem o ódio e a raiva. Disse a ela: "O papel do artista não é instigar a violência. Você tem que instigar a paz."

As canções do álbum "Eve" falam da força e do potencial das mulheres em dois contextos africanos. "Bomba" trata do orgulho que as mulheres sentem de seus trajes tradicionais. Duas canções tratam da prática do casamento forçado.

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Lionel Loueke, guitarrista beninense da banda da cantora, comentou que seis das canções de "Eve" foram gravadas em uma só sessão que se estendeu por um dia inteiro. "Ela [Kidjo] é uma potência", comentou.

Várias das faixas de "Eve" trazem o pianista de Nova Orleans Dr. John, o guitarrista Rostam Batmanglij, do Vampire Weekend, o Kronos Quartet e a Filarmônica de Luxemburgo. Mas também têm a participação da mãe de Kidjo, Yvonne (apelidada Eve), 87, diversos tipos de percussão beninense tocada por integrantes da Gangbe Brass Band e nove corais locais femininos que Kidjo gravou em pontos diversos do Benin.

Kidjo contou que, depois de completar sua versão da música queniana, decidiu retornar ao Benin.

Ela e Hébrail já tinham percorrido o país gravando músicos tradicionais para seu álbum de 1996 "Fifa". Desta vez, ela levou suas próprias canções para que alguns dos músicos as tocassem com ela. Houve reações como: "Você acha que vamos cantar isso? É complicado demais."

"Eu começo a cantar com eles. Em dado momento, desligo a música, começamos a cantar, então eu mesmo me afasto e pronto. Ninguém mais os segura."

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