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O cardápio do Les Prés d’Eugénie, restaurante avaliado com três estrelas pelo guia Michelin na bucólica região de Landes, no sudoeste da França, soa como um suntuoso rol de delícias do "terroir" —blinis de trufas em galette sedosa; pé de porco tostado com enguia defumada; suflê de verbena perfumado com capim-limão.

Mas o chef Michel Guérard diz que falta um prato essencial: a sombria ("ortolan", em francês), pequeno pássaro canoro que gourmands como o ex-presidente François Mitterrand costumavam cobiçar, consumindo a cabeça, os ossos e o corpo fumegantes em uma única mordida, mas cobrindo o rosto com um guardanapo branco para esconder o ato.

Agora, Guérard e outros três chefs oriundos do sudoeste francês —Alain Ducasse, Jean Coussau e Alain Dutournier— estão empenhados em resgatar a sombria, uma espécie que foi banida dos cardápios em 1999, após ser vítima da caça excessiva. Se esses chefs conseguirem o que desejam, os passarinhos serão servidos aos clientes dos restaurantes de Landes um fim de semana por ano.

"A ave é absolutamente deliciosa", disse Guérard. "Está envolta numa gordura com um ligeiro sabor de avelã, e comer a carne, a gordura e os seus ossinhos quentes, tudo junto, é como ser levado para outra dimensão."

Mas a campanha irritou os ambientalistas, que acusam os chefs de se envolverem com um golpe publicitário que deixará o passarinho ainda mais ameaçado ao promover o que eles descrevem como um costume arcaico. Afirmam ainda que a sombria é submetida a um tratamento desumano antes de ser morta. "Esses chefs são totalmente retrógrados", disse Allain Bougrain Dubourg, da Liga de Proteção das Aves da França. "Eles não estão fazendo isso pela gastronomia. O importante para eles é aparecerem mais."

Os chefs dizem que desejam reavivar uma tradição que remonta à época romana, quando imperadores procuravam o sabor inebriante da sombria.

A União Europeia proibiu a caça de sombrias em 1979, quando ela entrou para a lista de espécies ameaçadas. Mas a França esperou duas décadas para incluir a medida em seus códigos legais.

Mesmo assim, muitos franceses continuam a capturar e comer esses passarinhos. Em Landes, as famílias tradicionalmente as degustam uma vez por ano, "como um bombom", ao final de um grande almoço, comendo-as em total silêncio com um copo de Sauternes e as persianas fechadas, segundo Dutournier.

Usar o guardanapo permite que os comensais apreciem os aromas e tenham um pouco de privacidade ao devorar a ave —ou serve, dizem os críticos, para esconder a sua indulgência dos olhos de Deus.

Essa extravagância pode envolver uma desconfortável concessão. Caçadores atraem as sombrias para armadilhas no chão durante o voo migratório delas do norte da Europa para a África. Dubourg disse que, como as aves são valorizadas por sua gordura, elas são mantidas no escuro por 21 dias e às vezes são cegadas, numa forma de induzi-las a devorar grandes quantidades de milheto e uvas. Quando a gordura da sombria triplica de volume, o pássaro é afogado com Armagnac, depenado e tostado. "A boa cozinha não pode servir de pretexto para a condição nas quais esses animais são mantidos", afirmou.

O grupo de Dubourg estima que a população de sombrias tenha diminuído mais de 40% entre 2001 e 2011. Cerca de 30 mil sombrias selvagens ainda estão sendo abatidas ilegalmente no sul da França a cada verão europeu, acrescentou ele. Uma só sombria pode custar até R$ 470 no mercado negro.

Coussau disse que as aves não são tratadas de forma desumana e citou um inédito estudo canadense mostrando que a população de sombrias no norte da Europa é de cerca de 30 milhões. "Elas não estão nada ameaçadas", afirmou. Ele também rejeitou as críticas segundo as quais a sombria é uma extravagância desnecessária. "Se formos por esse caminho, a noção de prazer irá desaparecer."

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