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Reduções no orçamento prejudicam resposta de emergência da Organização Mundial de Saúde. Ala de Ebola na Libéria | Daniel Berehulak para The New York Times
Reduções no orçamento prejudicam resposta de emergência da Organização Mundial de Saúde. Ala de Ebola na Libéria| Foto: Daniel Berehulak para The New York Times

Com centros de tratamento superlotados e pouco a ser feito para evitar que o Ebola se espalhe por vilas e cidades da África Ocidental, a Dra. Joanne Liu, presidente da organização Médicos sem Fronteiras, sabia que a epidemia havia fugido ao controle.

Ela pensou que a única pessoa com autoridade para intensificar o esforço global seria a Dra. Margaret Chan, diretora-geral da Organização Mundial de Saúde, que tem uma longa história na luta contra epidemias. Se a OMS, principal agência de saúde das Nações Unidas, não conseguisse rapidamente reunir um exército de especialistas e trabalhadores de saúde para combater o surto que se espalha pelos países mais pobres do mundo, que outra entidade mundial conseguiria tal feito?

"Gostaria de poder fazer isso", disse a Dra. Chan quando as duas se encontraram na sede da OMS em Genebra recentemente, meses após o surto ter surgido na floresta tropical da Guiné e chegado às capitais densamente povoadas. A OMS simplesmente não tem o pessoal ou a capacidade para enviar ajuda à zona do Ebola, afirmou a Dra. Chan, que relatou a conversa.

A epidemia expôs falhas na capacidade de enfrentar surtos em um mundo cada vez mais interconectado.

A OMS, cuja constituição determina a coordenação direta dos esforços de saúde internacional, o controle de epidemias e a ajuda em caso de emergência, foi gravemente enfraquecida por cortes no orçamento nos últimos anos, prejudicando sua capacidade de resposta em partes do mundo que mais necessitam dela. Suas unidades de resposta a surtos e emergências foram cortadas, veteranos que já lideraram lutas anteriores contra o Ebola e outras doenças já não estão mais lá, e dezenas de cargos foram eliminados — exatamente o tipo de pessoas e esforços que talvez pudessem ajudar a amenizar a epidemia na África Ocidental, antes que ela se tornasse a pior já registrada.

O surto de Ebola atingiu países onde muitas vezes faltam cuidados básicos de saúde, e onde há pouca capacidade de elaborar campanhas para acabar com epidemias.

A doença se espalhou durante meses antes de ser detectada, porque grande parte do trabalho de controle de surtos foi passado aos países extremamente pobres e mal preparados para a tarefa. Quando a OMS ficou sabendo do surto, seus esforços para ajudar a rastreá-lo e contê-lo foram mal conduzidos e limitados, de acordo com alguns médicos participantes. Então, quando a extensão da epidemia tornou-se óbvia, os críticos disseram que a agência foi lenta em suas atitudes.

"Não há nenhuma dúvida que não fomos tão rápidos e poderosos como poderíamos ter sido", disse a Dra. Marie-Paule Kieny, diretora-assistente geral da OMS.

O surto começou na região de fronteira dos três países vizinhos — Guiné, Serra Leoa e Libéria — e espalhou-se com rapidez surpreendente. Desde então, a OMS enviou mais de 400 pessoas para trabalhar com o surto.

A atual epidemia já matou mais de 1.900 pessoas.

Alguns acham que o modelo usado no combate aos surtos precisa ser repensado, para que uma agência como a OMS tenha a estrutura e a autoridade para assumir o comando.

Mas a Dra. Chan disse que os governos têm a responsabilidade primária "de cuidar de seu povo", e classificou a OMS como uma agência técnica que fornece aconselhamento e apoio.

A organização é responsável por lidar com uma ampla gama de questões de saúde global, desde obesidade até cuidados básicos de saúde. Mas desde que as necessidades mundiais superaram as contribuições financeiras das 194 nações membros da OMS, essas prioridades se sobrepuseram.

A ameaça de novas doenças infecciosas foi para o topo da lista há 20 anos, quando um surto de peste na Índia criou pânico e causou a fuga de 200.000 pessoas. No ano seguinte, no Zaire, agora República Democrática do Congo, o Ebola matou cerca de 245 pessoas. O medo de que infecções atravessem fronteiras fez surgir uma nova necessidade: a capacitação para conter os surtos.

A OMS assumiu a liderança. Uma equipe de veteranos montou um departamento exclusivo, levantando dados online para detectar surtos e enviar peritos para onde fosse preciso. Três anos mais tarde, a agência desempenhou um papel importante na resposta ao surto de pneumonia mortal na Ásia, conhecida como SARS, que foi detido no mesmo ano.

Para ajudar na luta, indivíduos ricos ofereceram à OMS "literalmente centenas de milhões, porque seus negócios foram afetados", disse Jim Yong Kim, Presidente do Banco Mundial e ex-diretor da organização. "Mas quando a SARS foi controlada, eles desapareceram".

Além disso, logo em seguida, a crise financeira global chegou. A OMS teve que cortar quase US$ 1 bilhão de seu orçamento, que hoje está em US$ 3,98 bilhões. Mais ênfase foi colocada nos esforços para combater doenças crônicas globais, incluindo doenças cardíacas e diabetes. A inconstância dos países, fundações e indivíduos também influenciaram a agenda, com as doações — muitas vezes por causas específicas — superando as quantias devidas por países membros, que representam apenas 20 por cento do seu orçamento.

Na sede da agência em Genebra, o controle de surtos e emergências sofreu perdas particularmente profundas. A unidade da OMS dedicada às pandemias e epidemias conta com apenas 52 funcionários, de acordo com sua diretora, a Dra. Sylvie Briand. Em toda a África, os peritos regionais da organização foram cortados, indo de mais de 12 para apenas três. A divisão da OMS responsável por emergências foi reduzida durante os cortes de orçamento — de 94 funcionários para cerca de 34 — disse o Dr. Bruce Aylward, seu diretor assistente.

"Não podemos fazer um corte tão grande e profundo sem afetar a capacidade operacional", ele disse.

A OMS esperava equilibrar seus cortes no orçamento reforçando a capacidade dos países de responder a ameaças na saúde por conta própria. Ela divulgou novas normas para ajudar a conter os surtos. Mas até 2012, apenas 20 por cento dos países haviam adotado todas elas. Na África, menos de um terço das nações tinham programas para detectar e controlar doenças infecciosas.

"Nunca houve recursos para colocar as coisas no lugar em muitas partes do mundo", disse o Dr. Scott F. Dowell, ex-funcionário do Centro de Controle de Doenças e Prevenção dos Estados Unidos.

O vírus Ebola aproveitou-se desses países mal preparados e dos problemas da OMS.

Dada a fraqueza na vigilância, o surto não foi identificado até março, na Guiné, aproximadamente três meses depois que um camponês contraiu o vírus. O atraso permitiu o surgimento de dezenas de casos pelas aldeias e em Conacri, a capital com mais de 1,5 milhão de habitantes.

Os hospitais não tinham os fundamentos básicos do controle de infecção como água encanada e trajes de proteção. Muitos médicos e enfermeiros foram contaminados por seus pacientes, passaram o vírus para outras pessoas e morreram. A vulnerabilidade e o colapso das instalações médicas revelaram o quanto precisa ser feito para se atingir a principal meta da OMS — a garantia de cuidados de saúde básicos em escala global.

"Este tipo de surto não teria se desenvolvido em uma área com melhor sistema de saúde", disse o Dr. Keiji Fukuda, diretor-assistente da OMS.

Nas semanas cruciais após a descoberta, houve reuniões diárias entre autoridades nacionais e enviados estrangeiros no escritório da OMS em Conacri. Mas a ausência de uma liderança forte foi sentida, disseram os participantes.

"Não há ninguém para assumir a responsabilidade, absolutamente ninguém," disse Marc Poncin, da Médicos sem Fronteiras em Conacri.

O controle de surtos de Ebola anteriores exigiu um acompanhamento meticuloso. Dessa vez, o número de pacientes seguidos foi desastrosamente baixo. A doença se espalhava silenciosamente.

A pergunta agora, dizem os especialistas, é se a OMS — com muito know-how técnico, mas sem logística — pode ajudar a conduzir o mundo na eliminação de uma das mais desafiadoras crises de saúde da história recente. Ela precisa de US$ 490 milhões vindos de doações, além de milhares de trabalhadores de saúde locais e estrangeiros para conter a epidemia. Porém, poucas equipes médicas estrangeiras colaboraram até o momento.

"Agora, a comunidade internacional precisa tomar uma atitude", disse o Dr. Francis C. Kasolo, diretor da OMS na África. "Caso contrário, a história vai nos condenar".

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