• Carregando...
Estudo revelou que quase metade dos 4,4 milhões de estudantes de Déli já sofreu danos pulmonares irreversíveis devidos ao ar | money sharma/agence france-presse/Getty images
Estudo revelou que quase metade dos 4,4 milhões de estudantes de Déli já sofreu danos pulmonares irreversíveis devidos ao ar| Foto: money sharma/agence france-presse/Getty images

A respiração de meu filho de oito anos, Bram, estava cada vez mais difícil. Seu inalador passou a ser crucial. Então, numa noite assustadora, nove meses depois de nossa mudança para Nova Déli, o inalador parou de funcionar, e a respiração de Bram ficou ofegante, quase em pânico.

Corremos para um hospital particular a quilômetros de distância. Minha mulher estava no banco de trás, com a cabeça de Bram em seu colo, enquanto abríamos caminho em meio a um trânsito caótico. Quando chegamos, os médicos injetaram esteroides em meu filho. Bram voltou para casa uma semana depois.

Quando me tornei correspondente do jornal “The New York Times” no sul da Ásia, três anos atrás, minha mulher e eu ficamos entusiasmados. Nós estávamos preparados para enfrentar dificuldades: pedintes insistentes, dengue endêmica e o calor que pode chegar a 50°C no verão. Não fazíamos ideia, porém, de como Nova Déli poderia ser perigosa para nossos dois meninos.

 Pouco a pouco descobrimos que o verdadeiro perigo de Déli vem do ar, da água, dos alimentos e das moscas. Esses perigos adoecem, incapacitam e matam milhões de pessoas por ano na Índia, gerando um dos piores desastres mundiais de saúde pública.

Descobrimos que Déli enfrenta uma gravíssima crise respiratória pediátrica. Um estudo mostrou que quase metade das 4,4 milhões de crianças do ensino primário e secundário da cidade já sofreram danos pulmonares irreversíveis devido ao ar.

São horrores dos quais a maioria dos indianos não tem como escapar.

Porém, há milhares de outras pessoas que optam por viver em Déli. É uma comunidade eclética de estrangeiros radicados no país e milionários, incluindo executivos automotivos de Detroit, especialistas em tecnologia da região de San Francisco, pesquisadores de câncer vindos de Maryland e diplomatas de Dublin.

Ao longo do último ano, em festas luxuosas em embaixadas, discutimos obsessivamente a possibilidade de estarmos priorizando nossas carreiras às custas de nossos filhos.

Profusão de fogueiras durante o inverno piora nível do ar em Nova Déli; poluição na cidade é ainda pior do que em PequimSohrab Hura
Magnum para The New York Times

É claro que estrangeiros vivem em Déli há séculos, mas o ar e as pesquisas crescentes sobre seus efeitos tornaram-se tão assustadores que alguns consideram que é antiético para estrangeiros que têm escolha optar por criar seus filhos na cidade.

Discussões semelhantes com certeza são travadas em Pequim e em outras megacidades asiáticas, mas é em Déli —uma das cidades mais populosas, poluídas, sujas e bacterialmente inseguras do mundo— que parece ser mais urgente analisar os prós e contras. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, o ar da cidade é mais de duas vezes mais poluído que o de Pequim.

Quase fomos embora dois anos atrás, depois de Bram ser hospitalizado pela primeira vez. Sua respiração tinha estabilizado, mas exames mostraram que ele tinha perdido metade de sua função pulmonar. Iniciamos um tratamento à base de esteroides de uso contínuo e decidimos que poderíamos permanecer, desde que a respiração dele não piorasse.

Depois do segundo ano na cidade, Bram aparentava estar bem. Mesmo assim, suas dificuldades anteriores me levaram a consultar alguns especialistas. O que eles disseram me obrigou a refletir. “Para mim, saber que eu estaria colocando meus filhos em um lugar que comprometeria sua saúde pelo resto de suas vidas seria muito difícil”, disse W. James Gauderman, da University of Southern California. Segundo um estudo, mesmo crianças que depois se mudam para locais menos poluídos nunca se recuperam por inteiro da exposição a níveis muito altos de poluição.

Sarath Guttikunda, um dos maiores pesquisadores da Índia sobre a poluição, foi inequívoco: “Se você tem a opção de viver em outro lugar, não deve criar seus filhos em Déli”.

Os especialistas me disseram que a redução da capacidade pulmonar em adultos é um previsor altamente preciso de morte e incapacitação precoces, possivelmente mais preciso que a hipertensão ou o colesterol alto. Assim, pelo fato de seus pulmões terem sido prejudicados permanentemente em Déli, é possível que nossos filhos tenham vida mais curta.

Não é apenas o ar que faz mal.

Pelo menos 600 milhões de indianos, quase metade da população, defeca ao ar livre, e a maior parte dos resíduos, mesmo das privadas, é jogada nos rios, sem passar por tratamento.

Seis meses depois de nos mudarmos para nosso prédio, que tinha sido construído havia quatro anos —e que minha mulher escolheu porque as janelas, relativamente novas, poderiam ajudar a barrar o ar noturno pavoroso da cidade—, uma vizinha revelou que a água que saía de suas torneiras estava com cheiro de esgoto. O mau cheiro foi atingindo um vizinho após outro.

Descobrimos que a construtora tinha escavado canais abertos para o esgoto, que foi pouco a pouco infiltrando as caixas d’água de cada apartamento, que ficavam enterradas. Quando arrancamos o piso do térreo do prédio, havia lama malcheirosa por toda parte.

Eu estava no chuveiro quando esse misto de água e esgoto não tratado chegou ao nosso apartamento. Soa horrível, mas eu dei de ombros e me enxuguei. O cheiro de esgoto é frequente em Déli.

O rio Yamuna, que atravessa a cidade, vira um esgoto a céu aberto durante boa parte do ano. Acrescentem-se os bandos de cães abandonados, macacos e gado presentes mesmo nas áreas urbanas, e as fezes frescas são quase onipresentes. Insetos pousam sobre elas e então sobre as pessoas ou seus alimentos, transmitindo doenças.

A maior parte da água encanada é contaminada. A falta de saneamento pode explicar porque quase metade das crianças da Índia são raquíticas.

A lista de perigos à saúde é angustiante, mas a vida continua e pode ser até agradável. As viagens turísticas na região são fascinantes, e muitos estrangeiros radicados na Índia exercem muito mais influência ali do que teriam em seus países de origem.

No entanto, em uma tarde, alguém em nosso bairro queimou alguma coisa tóxica e uma nuvem adstringente se espalhou pelo quarteirão. Minha mulher, que estava fazendo uma caminhada, correu para casa e encontrou Bram ofegante outra vez, pela primeira vez em dois anos.

Antes de irmos morar em Déli, Bram tinha apresentado episódios de respiração difícil que os médicos diziam que ele quase certamente superaria com o tempo. Hoje ele tem asma grave. Será que isso teria acontecido se tivéssemos ficado nos EUA?

Há cada vez mais textos escritos por estrangeiros radicados em Déli descrevendo os horrores da poluição aérea, os perigos para as crianças e as medidas desesperadas tomadas para a proteção. A maioria dos relatos termina com seus autores decidindo permanecer na Índia.

Não foi meu caso. Acabamos de nos mudar de volta a Washington. Os meninos estão entusiasmados. Aden, 12, quer um skate e uma bicicleta, pois agora ele é autorizado a perambular sozinho.

O desejo do irmão caçula pode ser mais difícil de realizar.

“Quero que minha asma suma”, pediu Bram.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]