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O diretor Zhangke diz que a sociedade chinesa nunca teve uma discussão ampla sobre o problema da violência | Gilles Sabrie/The New York Times
O diretor Zhangke diz que a sociedade chinesa nunca teve uma discussão ampla sobre o problema da violência| Foto: Gilles Sabrie/The New York Times

Jia Zhangke, o mais destacado diretor de filmes de arte da China, se preparava para fazer seu primeiro filme de artes marciais com grande orçamento, ambientado na China dinástica, quando a realidade se intrometeu.

Jia descobriu o mundo dos microblogs no estilo Twitter, que muitos chineses têm lido nos últimos anos para receber notícias diárias sem manipulação e opiniões diferentes das encontradas na mídia estatal. Ele foi bombardeado por notícias de todo o país, na maior parte ligadas a crimes de autoridades ou empresários corruptos: estupros, invasão de terras, poluição industrial. Em muitos desses casos, segundo Jia, chineses comuns frustrados tinham sido levados a cometer atos sangrentos.

"Lentamente, comecei a ver o problema da violência individual na sociedade", disse Jia, 43, em seu escritório em Pequim. "Falando com franqueza, sinto que a população chinesa não compreende realmente o problema da violência, porque nunca houve uma discussão ampla dessa questão."

Jia decidiu deixar de lado o épico e fazer um filme de ação, mais na linha de sua obra como um todo. Chamado "Um Toque de Pecado", o filme estreou no Festival de Cannes em maio, onde ganhou o prêmio de melhor roteiro, e foi exibido neste outono em festivais de cinema como o de Nova York, em outubro. Jia disse anteriormente que o filme poderia estrear na China neste mês, mas uma data ainda não foi definida.

Baseado em fatos do noticiário, o filme conta quatro histórias entrelaçadas de chineses comuns que, sob circunstâncias extremas, recorrem à violência. Um trabalhador de mina na província de Shanxi efetua um tiroteio contra o dono da mina e outros patrões locais. Um jovem operário de fábrica só encontra desespero em uma empresa que parece a Foxconn, empresa de Taiwan que fabrica os produtos Apple.

Embora pareça improvável, a forma do filme tradicional de artes marciais foi transportada da ideia original de Jia de um filme dinástico para o novo projeto.

Os protagonistas tentam de diversas maneiras sanguinolentas assumir o controle de seu destino. Uma das imagens mais marcantes é a de uma funcionária de uma casa de massagens, interpretada por Zhao Tao, a mulher e antiga colaboradora de Jia, que caminha por um corredor com sua saia branca empapada de sangue, segurando uma faca. Antes, um cliente abusivo havia tentado estuprá-la, mas encontrou um duro final.

Este é o sexto longa-metragem narrativo de Jia. Seus primeiros três filmes foram passados em sua cidade natal, Fengyang. A partir de "O Mundo", de 2004, Jia começou a ambientar suas histórias em outras partes da China para mostrar a dissonância social que acompanha a transformação econômica. "Natureza Morta", por exemplo, passa em uma cidade que vai ser inundada por causa da construção da Barragem das Três Gargantas.

Em "Um Toque de Pecado", Jia ambientou cada história em uma parte diferente da China, para tentar capturar o movimento dos chineses que buscam suas fortunas e a intersecção de vidas contra esse pano de fundo. "O filme não trata apenas de questões de emoções individuais, mas também de uma expressão do estado de todo o país", disse Jia.

O orçamento de US$ 4 milhões foi o maior dos filmes de Jia. Depois de apresentar uma cópia para o painel de censura do Estado, recebeu duas páginas com exigências de modificações e recomendações. Ele disse que os pedidos foram surpreendentemente leves. As mudanças obrigatórias se referiam a alguns diálogos que os censores consideraram muito grosseiros, disse Jia. Em uma lista de mudanças recomendadas, os censores disseram que o filme poderia ter menos violência.

No final, os censores recuaram. "Eu sinto que é um filme destinado a ser uma reflexão sobre a violência. Se não virmos a destruição da violência, não sei o que estou tentando dizer", disse Jia. Ele suspeita que os censores se abrandaram porque as narrativas já tinham entrado na consciência do público graças à internet. "Essas histórias são uma espécie de registro que não pode ser removido", disse.

Colaboraram Amy Qin e Mia Li

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