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Chorando e apavorada, a menina de 15 anos se recusou a soltar a mão de sua irmã. Milicianos da facção radical Estado Islâmico (EI) tinham arrancado as meninas de sua família alguns dias antes. Agora estavam tentando dividir e distribuí-las como espólio de guerra.

O jihadista que escolheu a menina de 15 anos para ser sua recompensa apertou um revólver contra sua cabeça, ameaçando puxar o gatilho. Mas foi apenas quando ele encostou uma faca no pescoço de sua irmã de 19 anos que ela finalmente cedeu, dando o passo seguinte numa odisseia tenebrosa de sequestro e abuso pelas mãos do EI.

As irmãs estavam entre vários milhares de meninas e mulheres jovens da religião minoritária yazidi capturadas pelo EI no norte do Iraque no início de agosto.

A garota de 15 anos faz parte de um contingente pequeno de vítimas de sequestro que conseguiram escapar, levando com elas relatos sobre um sistema de escravidão sistematizado com frieza.

Cinco meninas e mulheres que escaparam recentemente concordaram em ser entrevistadas, sob a condição de que seus nomes não fossem revelados, por medo de que o EI puna seus familiares.

A religião dos yazidis é influenciada por várias outras, entre as quais zoroastrismo, judaísmo e islã. Mas o EI vê os yazidis como pagãos que adoram o demônio e merecem ser escravizados ou morrer.

Num vídeo postado no YouTube em outubro, homens que seriam combatentes do EI conversam em tom despreocupado sobre comprar e vender meninas yazidis no "dia da feira de escravos".

Um deles diz que vai checar os dentes das meninas. Outro fala que vai trocar uma menina por uma pistola Glock. O EI sequestrou mais de 5.000 yazidis.

No dia 3 de agosto, quando militantes atacaram povoados yazidis na região de Sinjar, milhares de yazidis fugiram para as montanhas próximas.

A menina de 15 anos, D.A., fez parte desse êxodo, viajando num carro com seus pais, cinco de suas irmãs e uma sobrinha. Mas a fuga deles foi barrada por milicianos que os levaram para a cidade de Sinjar. Ali, eles separaram as mulheres e crianças yazidis dos homens e meninos. Mais tarde no mesmo dia, contou D.A., selecionaram as mulheres solteiras e meninas mais velhas.

Juntamente com dezenas de outras meninas, D.A. e duas de suas irmãs —uma de 19 anos, outra de 12— foram colocadas num comboio de três ônibus e levadas para o reduto do EI em Mossul, onde foram presas num prédio que funcionava como um depósito central. Combatentes do EI passavam pelo local para escolher quem quisessem. Algumas das meninas tinham apenas 11 anos.

Nas semanas seguintes, D.A. foi levada para pelo menos oito outros locais. Ela se recorda de ter passado um dia numa casa branca às margens de um lago perto de Raqqa, na Síria, onde combatentes do EI fizeram mais uma sessão de transações comerciais envolvendo as meninas. D.A. viu homens pechinchando e dinheiro trocando de mãos.

Em dado momento, enquanto estava presa em outra casa perto de Raqqa, D.A. e cinco outras meninas tentaram fugir. Mas a tentativa fracassou, e D.A., acusada de ser a líder, foi espancada e aprisionada.

Ela foi entregue a um jihadista que a trancou numa casa com várias outras meninas. O jihadista lhe disse que ia forçá-las a se casar com ele no final da semana.

Nenhuma das cinco meninas que escapou e foi entrevistada disse ter sido estuprada. Mas uma delas falou que resistiu a uma tentativa de agressão sexual, e a maioria disse que esteve com outras meninas que tinham sido violentadas, às vezes por vários homens.

Vários defensores da causa delas disseram que, mesmo que as meninas tivessem sido estupradas, talvez não admitissem o fato, especialmente não a alguém que não conheciam.

Numa noite, D.A. e outra menina conseguiram se esgueirar por uma janela pequena e saíram correndo na escuridão. Acabaram chegando a uma casa na zona rural. Bateram à porta, que foi aberta por um jovem árabe de aparência simpática.

Ele as levou para a casa de uma família curda, que então entrou em contato com o irmão de D.A., marcou um encontro numa área curda da Síria e combinou que as famílias das meninas pagariam US$ 3.700 cada uma ao homem árabe por sua ajuda.

Ao responder por que achava que o árabe tinha corrido o risco extraordinário de ajudá-las, D.A. disse: "Acredito que ele precisava do dinheiro".

Seu relato condiz com outros que apontam para o surgimento de uma operação informal de salvação com fins lucrativos, que teria nascido em resposta aos sequestros de moças yazidis.

Uma mulher yazidi de 19 anos, filha de um policial yazidi, contou que sua família pagou US$ 15 mil a um contrabandista para ajudá-la a fugir de seus captores em Aleppo, na Síria.

Os pais de D.A. ainda estão em cativeiro, se é que ainda estão vivos, assim como as cinco irmãs e sua sobrinha, contaram parentes da menina. D.A. disse que a ausência deles a deixou desamparada. Durante o dia ela se distrai com parentes, funcionários humanitários e a televisão. O sofrimento é maior à noite, quando ela fica sozinha com seus pensamentos.

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