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Na primeira manhã que passou nos EUA, no ano passado, minha filha saiu para percorrer seu bairro novo —sozinha, sem sequer avisar a mim ou à minha mulher.

É claro que ficamos preocupados: tínhamos acabado de nos mudar de Berlim, e ela tinha apenas oito anos. Mas, quando ela voltou para casa, percebemos que não tínhamos motivos para nos apavorar. Orgulhosa, ela contou a nós e à sua irmã mais velha que tinha descoberto um parque pequeno quase ao lado e feito amizade com algumas pessoas que tinham cachorros.

Ela tinha tomado posse do novo ambiente e estava feliz por nos ensinar coisas que não sabíamos.

Quando essa história é mencionada em conversas com amigos americanos, a reação mais comum é de descrença educada.

A maioria das pessoas fica chocada com a ideia de seus filhos andarem sem supervisão adulta.

Em Berlim, quando morávamos no centro da cidade, nossas meninas andavam de metrô sozinhas. Iam sozinhas ao playground e andavam sozinhas até a aula de piano, um trajeto de um quilômetro. Aqui, num subúrbio sossegado de Washington, com trânsito tranquilo, elas nem sequer encontram outras crianças na rua com quem brincar.

Um estudo feito pela Universidade da Califórnia em Los Angeles constatou que as crianças americanas passam 90% de seu tempo livre em casa, com frequência diante da TV ou jogando videogames. Mesmo quando as crianças são fisicamente ativas, são vigiadas por adultos.

Esse tipo de estreitamento do mundo da criança aconteceu em todo o mundo desenvolvido. Mas na Alemanha, de modo geral, aceita-se muito mais que os pais deixem seus filhos correr alguns riscos. Para este pai alemão aqui, a impressão é que a classe média americana levou a proteção paterna a um novo nível, enquanto o governo exerce o papel de superbabá.

Tome-se o caso dos irmãos Rafi e Dvora Meitiv, de dez e seis anos, de Silver Spring, Maryland, apreendidos pela polícia recentemente porque seus pais ousaram deixar que voltassem do parque sozinhos, andando. Por tentar promover a autonomia de seus filhos, o Serviço de Proteção Infantil do Estado considerou os pais culpados de “negligência infantil não comprovada”. Algo que uma geração atrás era normal —as crianças gozarem de certa medida de autonomia— hoje é visto quase como um crime.

Os pais americanos de hoje tiveram uma infância completamente diferente. Pesquisadores da Universidade da Virgínia recentemente entrevistaram cem pais e mães. Jeffrey Dill, um dos pesquisadores, escreveu: “Quase todos os entrevistados recordaram uma infância de liberdade quase irrestrita, em que podiam andar de bicicleta e percorrer bosques, ruas e parques sem estarem na companhia dos pais”.

Quando se trata de seus próprios filhos, contudo, as mesmas pessoas se mostraram apavoradas com a ideia de lhes permitir uma parcela minúscula da liberdade que eles próprios tiveram. Muitas delas falaram do medo de sequestros, apesar de os índices de criminalidade terem caído.

Em 1999, o dado mais recente disponível, apenas 115 crianças no país foram vítimas de sequestro cometido por um desconhecido. A maioria avassaladora foi levada por um membro de sua família. No mesmo ano, 2.931 menores de 15 anos morreram em acidentes de carro, como passageiras.

O desenvolvimento motor é prejudicado quando a maior parte do tempo livre da criança é passado sentado em casa, em vez de correndo ao ar livre. O desenvolvimento emocional também é prejudicado. “Estamos privando as crianças de oportunidades de aprender a assumir o controle de suas próprias vidas”, escreve o professor e pesquisador Peter Gray, do Boston College.

Para ele, isso aumenta “as chances de elas sofrerem futuramente de ansiedade, depressão e várias outras desordens mentais” cuja incidência vem subindo nas últimas décadas. Gray enxerga as brincadeiras arriscadas de crianças, ao ar livre e sem supervisão adulta, como uma maneira de aprender a controlar emoções fortes como raiva e medo.

Não sou psicólogo, como Gray, mas sei que não estarei presente para sempre para proteger minhas filhas dos desafios que a vida lhes reserva. Logo, quanto antes elas desenvolverem a maturidade necessária para se orientarem na vida, melhor. Quando deixamos as crianças ter mais controle sobre suas vidas, elas aprendem a ter mais confiança em sua própria capacidade.

Não é fácil aprender a equilibrar o desejo de proteger os filhos com o desejo de promover sua autonomia. Mas os pais que preferem manter os filhos sob controle deveriam refletir sobre as consequências dessa escolha.

No mínimo, os pais que quiserem dar mais espaço a seus filhos não deveriam ser castigados. Casos como o dos Meitiv reforçam a ideia de que filhos são objetos frágeis a serem protegidos sempre e que os pais que pensam de outro modo são irresponsáveis ou culpados de negligência criminosa.

Além de superar os impulsos protetores naturais sobre nossas filhas, minha mulher e eu agora também temos que levar em conta a possibilidade de sermos punidos pelas autoridades.

E pensávamos que tínhamos vindo ao país da liberdade.

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