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Dois israelenses conversam em Tel Aviv sobre migração | URIEL SINAI para THE NEW YORK TIMES
Dois israelenses conversam em Tel Aviv sobre migração| Foto: URIEL SINAI para THE NEW YORK TIMES

O pai de Ori Haber fugiu da Alemanha, durante o auge do Holocausto, em direção àquilo que viria a ser o Estado de Israel. Agora Haber, um técnico de informática de 35 anos, faz parte de um grupo de frustrados jovens israelenses ávidos por se mudarem para Berlim, no que se tornou uma polêmica campanha que revela fissuras econômicas e disputas identitárias na sociedade ainda adolescente de Israel.

"Não consigo ver futuro aqui", disse Haber, sem ironia, ao comentar o fato de um judeu israelense estar à procura de uma vida melhor na Alemanha. "A classe média em Israel está decaindo. Sentimos isso na carne."

Até seu pai pareceu entender, segundo Haber. "Ele tem más recordações da Alemanha, mas ainda assim ele diz: ‘Se você tiver uma oportunidade, vá, tente a sorte’."

Israelenses há anos são atraídos a Berlim por causa do espírito cosmopolita, do vibrante ambiente artístico e da avançada rede de transportes públicos da capital alemã. Já há vários lugares na cidade onde se pode comer um autêntico homus, e existe uma revista quinzenal em hebraico. Mas um post que recentemente se tornou viral no Facebook, com a foto de um recibo mostrando como uma adorada iguaria custa pouco em Berlim, reavivou um acirrado debate em Israel sobre o significado da emigração.

Comentaristas e políticos acusam os que desejam sair de serem traidores antissionistas. Os meios de comunicação vêm sendo preenchidos com diatribes contra o custo de vida em Israel, análises minuciosas dos gastos alimentícios e reportagens que se propõem a revelar os benefícios de Berlim. A pessoa por trás da postagem no Facebook insistiu no anonimato, pois disse ter recebido ameaças de morte.

Analistas atribuíram o interesse pela emigração ao fracasso de um movimento de protesto por mudanças econômicas que atraiu 400 mil pessoas às ruas em 2011. A mais recente onda, segundo eles, tem a ver com a insegurança de Israel, especialmente depois da guerra de meses atrás e em meio a sinais de um crescente isolamento internacional e do aumento do antissemitismo europeu. "Vivemos em um estado de constante ameaça existencial", disse Aviad Kleinberg, historiador da Universidade de Tel Aviv, que escreveu numa recente coluna que a reação foi exagerada. "Há a sensação de que faz apenas um minuto que os trens partiram para Auschwitz."

O fato de Berlim ser o objeto do desejo só torna as emoções mais afloradas. "As pessoas se mudam para onde Hitler projetou a Solução Final, e fazem isso alegremente?", questionou Aluf Benn, editor do jornal "Haaretz".

Estimativas oficiais sobre israelenses radicados em Berlim variam de 5.000 a mais de 15 mil. Asaf Moses, 32, disse que não havia "nenhum israelense ao redor" quando ele se mudou para Berlim, há uma década, mas que agora ele mal consegue sair de casa e andar um quilômetro "sem escutar hebraico na calçada". Há pelo menos três restaurantes israelenses em Prenzlauer Berg, um bairro central, perto de uma sinagoga e de um cemitério judaico.

O conhecido demógrafo Sergio DellaPergola disse que a emigração na verdade é menor agora do que em qualquer outro momento dos 66 anos de história de Israel. Muito mais gente deixou Israel nos anos 1970 e 1980, quando a inflação disparou, segundo ele.

Mas os fatos parecem importar muito menos do que os sentimentos. A polêmica começou no dia 29 de setembro, com a criação de uma página no Facebook chamada "Olim L’Berlin", um nome que já é visto como ofensivo por alguns, por se apropriar de uma palavra hebraica normalmente reservada àqueles que migram para Israel. Ela se intensificou em 4 de outubro, com a postagem na página do recibo, que incluiu um pudim coberto de creme por € 0,19. A versão adorada em Israel, sob a marca Milky, custa o triplo (e a embalagem é menor).

O Milky tornou-se o símbolo de uma revolução. O responsável pelo Olim L’Berlin —um israelense de 25 anos que contou ter se mudado para a Alemanha em maio— disse que o recibo obteve "80 mil visualizações em poucas horas".

Respondendo a uma convocação na página do Facebook, cerca de cem israelenses interessados em emigrar se reuniram numa noite recente na praça Rabin, em Tel Aviv. Muitos compartilhavam suas aspirações por uma vida mais fácil.

Havia um doutorando de 40 anos com uma camiseta "I ♥ Berlin", e um designer gráfico subempregado. Mas Eliran Levy, 28, recentemente voltou a Israel após passar seis meses na Alemanha. Ele disse que os empregadores preferem os nativos, e os locadores de imóveis também. Custava-lhe fazer amigos. "Realizar um sonho de vida não é resultado de preços baixos no supermercado", disse.

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