Membros do Dolya, fundado pelo governo regional de Lviv, limpa, organiza e enterra restos mortais na Ucrânia| Foto: Brendan Hoffman /The New York Times

Os telefonemas acontecem com uma regularidade alarmante: um homem, caminhando na floresta, tropeça em uma tíbia humana; outro, cavando um porão, acha um crânio.

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Nessa cidade, invadida pelos exércitos assassinos soviéticos e nazistas na frente oriental da Segunda Guerra Mundial, essas primeiras visões geralmente levam a descobertas ainda mais perturbadoras.

No tal porão, por exemplo, havia mais de 240 esqueletos; na floresta foram encontradas pelo menos onze valas comuns.

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Lviv dá a impressão de ser uma cidade onde os ossos, tanto quanto as histórias de guerra que os puseram ali, não conseguem permanecer enterrados. Em certas áreas, os moradores mal podem cavoucar seus jardins sem correr o risco de fazer uma descoberta, no mínimo, sombria. São tantos ossos e fragmentos da época de guerra encontrados que o governo regional criou o Dolya (“Destino”), serviço que recolhe, recupera e reenterra restos mortais das valas comuns.

“O pessoal aqui de Lviv é muito tradicional e religioso. Faz questão que as ossadas sejam enterradas”, afirma Svyatoslav P. Sheremeta, membro do governo municipal e diretor do Dolya.

Só que também geram altas discussões políticas, dependendo qual o exército ou grupo invasor envolvido na matança.

No Leste separatista, muita gente considera a União Soviética uma força essencial para a derrota dos nazistas. Estimuladas pela propaganda russa, essas pessoas tendem a ver os ucranianos ocidentais como simpatizantes do nazismo, cúmplices do assassinato dos poloneses e outros povos, o que reforça ainda mais a ideia de secessão.

Porém em Lviv e outras áreas da Ucrânia ocidental, onde os moradores continuam encontrando os ossos dos avós em valas comuns, cada descoberta confirma ressentimentos antigos e profundos contra a vizinha.

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“Em Lviv, as atrocidades soviéticas são muito mais vívidas que as nazistas”, diz Per Anders Rudling, historiador da Universidade de Lund, na Suécia.

Essas terras foram anexadas pela União Soviética, em 1939, sob o Pacto Molotov-Ribbentrop, entre soviéticos e nazistas, que dividiu a Europa Oriental. Uma repressão implacável se seguiu, deixando para trás várias valas comuns, do período entre 1939 a 1941, cheias de corpos de prisioneiros políticos ucranianos executados pela polícia de Stálin.

Quando Hitler rompeu o acordo de não-agressão com o russo e invadiu a Ucrânia, suas tropas foram recebidas por alguns, no oeste do país, como libertadores, enquanto outros as combateram violentamente.

Ainda há muita tensão entre os poloneses e ucranianos, que disputaram batalhas violentas durante a guerra pelo território na Ucrânia Ocidental, que já tinha feito parte da Polônia, e o Exército Nacional Polonês queria recuperar.

Há alguns anos, membros do Svoboda, partido nacionalista contemporâneo, invadiram um campo em que arqueólogos poloneses exumavam os restos mortais de uma vala comum na Ucrânia Ocidental, cujas vítimas faziam parte das tais tropas. Os nacionalistas fizeram questão de contar os esqueletos e, baseados nessa informação, afirmaram que os poloneses estavam exagerando o número de vítimas.

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Krzysztof Janiga, polonês que participou das escavações e cuja família sofreu enormemente com os ataques dos ucranianos na guerra, afirma que as valas “são um problema eterno em alguns círculos nacionalistas da Ucrânia”.

Em Lviv, as descobertas podem afetar até os preços dos imóveis. Bogdan Panshishin, que é quem escavava o porão quando encontrou a vala comum, disse que ele e a mulher já não sabiam se continuariam a construir a casa ou venderiam o terreno, mesmo com prejuízo, mas estavam aliviados por se livrarem dos ossos. “É assustador”, resumiu.

Já Dmitri D. Boyko, telefonista aposentado, mora há três décadas em uma casa, na cidade de Skole, que foi usada pela Gestapo e supostamente estaria também sobre uma vala comum.

“Foi há muito tempo, não me incomoda nem um pouco. Deixa eles lá. Não tenho medo de fantasmas”, retruca Boyko, de 76 anos.