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Dados apontam para anticorpos de ebola em amostras de sangue humano na África Ocidental antes da atual epidemia. Cemitério na Libéria | Daniel Berehulak/The New York Times
Dados apontam para anticorpos de ebola em amostras de sangue humano na África Ocidental antes da atual epidemia. Cemitério na Libéria| Foto: Daniel Berehulak/The New York Times

Um número crescente de pistas sugere que o vírus do ebola pode estar escondido nas florestas da África Ocidental há anos, talvez décadas, antes do início da epidemia na região que ceifou mais de dez mil vidas no ano passado.

O ebola foi considerado uma ameaça principalmente para nações da África Central. Mesmo assim, estudos mostram possíveis anticorpos de ebola em amostras de sangue humano coletadas na África Ocidental muito antes do surto atual. E a análise genética sugere que o vírus dessa região veio de uma cepa da África Central, pelo menos 10 anos atrás, possivelmente há 150 anos.

“Minha intuição”, disse o Dr. Peter Piot, diretor da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres, é que a evidência aponta para o “contágio antes da epidemia atual.”

Detetives médicos na África Ocidental buscam agora estabelecer se o vírus já havia infectado pessoas por lá. A pesquisa é parte de um esforço para entender melhor onde o ebola pode atacar e para reforçar os sistemas de vigilância e saúde.

Além dos focos conhecidos nos países do centro e do oeste africanos, os cientistas encontraram no sangue humano sinais que sugerem reações imunes ao ebola em 14 países: 12 na África, além do Panamá e das Filipinas.

Determinando que as florestas africanas são o marco zero, cientistas da Universidade de Oxford, de Harvard e de outras instituições recentemente usaram dados ecológicos e padrões de surtos em humanos e animais para construir uma previsão detalhada de outra possível zona de perigo do ebola. Ela se estende pelas 22 nações da África Ocidental chegando até Madagascar, no extremo leste.

Durante décadas, os cientistas procuram a presença do ebola na África Ocidental. Em geral, supõe-se que o vírus sobreviva em um hospedeiro animal, talvez morcegos.

Mas esse hospedeiro nunca foi identificado, e os pesquisadores têm dificuldades para entender como muitas vezes os seres humanos são expostos.

Em 1982, cientistas alemães, examinando o sangue de centenas de liberianos, relataram anticorpos para o vírus ebola em seis por cento das amostras. Quatro anos mais tarde, cientistas holandeses encontraram os anticorpos em 13 por cento das amostras de sangue da Libéria. Taxas semelhantes foram encontradas em amostras da Guiné e de Serra Leoa, mas surgiram dúvidas devido à imprecisão do diagnóstico.

As autoridades mundiais de saúde há tempos utilizam um teste conhecido como fluorescência indireta, que é rápido, sensível e utiliza microscópios baratos. No início dos anos 90, especialistas concluíram que sua confiabilidade era extremamente dependente de interpretação qualificada. Então, em 1994, veio o primeiro e — até o surto atual — único caso humano confirmado na África Ocidental: uma cientista suíça que havia examinado um chimpanzé morto em uma floresta da Costa do Marfim. Ela foi levada para a Suíça para tratamento e sobreviveu.

Mais de 10 anos depois, uma equipe de cientistas americanos e de funcionários de saúde da África Ocidental que trabalhava no Hospital Público Kenema, no leste de Serra Leoa, fez uma estranha descoberta. Eles estavam tratando pessoas suspeitas de ter febre de Lassa, com quadros de inchaço, vômito e sangramento. Porém, testes mais precisos mostraram que apenas cerca de um terço dos pacientes realmente tinha essa doença.

A equipe liderada por Randal J. Schoepp, do Instituto de Pesquisa Médica para Doenças Infecciosas do Exército dos Estados Unidos, em Maryland, procurou resolver o enigma, analisando o sangue de mais de 200 pacientes do hospital de outubro de 2006 a outubro de 2008. Eles encontraram anticorpos para uma gama de doenças, incluindo o que parecia ser anticorpos para o ebola, em cerca de nove por cento das amostras.

Os cientistas também ficaram surpresos ao saber que a possível cepa do ebola nas amostras pouco se parecia com aquela que tinha afetado a pesquisadora suíça na Costa do Marfim. Em vez disso, ele lembrava uma encontrada no centro do continente, a mais de 1.600 quilômetros de distância: a cepa do Zaire, a mais mortífera de todas, e que provocaria mais tarde a catastrófica epidemia da África Ocidental.

Os pesquisadores apelaram aos grupos americanos, incluindo a Agência para o Desenvolvimento Internacional dos Estados Unidos, solicitando dinheiro para expandir e verificar seus resultados. As autoridades expressaram ceticismo. Anos se passaram, e fundos significativos não se materializaram.

Em agosto de 2013, a equipe apresentou suas conclusões em uma revista publicada pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) nos Estados Unidos. Depois que a cepa do Zaire foi identificada como a causadora da epidemia atual, o periódico do CDC publicou on-line o relatório da equipe em junho.

Em julho, o Dr. Sheik H. Khan, médico chefe da ala de Lassa em Kenema, em Serra Leoa, exausto após tratar um grande número de doentes de ebola, morreu da infecção que ele e outros membros da equipe acreditavam ter identificado nas amostras de sangue.

Em janeiro, outra equipe de virologia do hospital de Kenema relatou anticorpos para o ebola em amostras de sangue de pacientes que foram admitidos na ala de Lassa entre junho de 2011 até março de 2014. A equipe, liderada por Robert F. Garry, virologista e médico na Universidade de Tulane em Nova Orleans, encontrou os anticorpos em até 22 por cento dos 242 pacientes. Ele disse que “muito mais validação” seria necessária para confirmar que o ebola estava de fato presente antes do surto atual.

Vários especialistas advertiram que essa prova da existência de anticorpos nos estudos do sangue — até agora, o único sinal direto de infecções prévias de ebola no oeste africano — não é exatamente clara, dado que alguns anticorpos podem reagir mais amplamente do que o pretendido com exames de sangue e produzir pistas enganadoras.

No entanto, pistas de que o ebola pode estar escondido nas florestas em toda a África não vêm só de exames de sangue. Os cientistas sequenciaram o gene do vírus da atual epidemia e o compararam à cepa do Zaire, responsável pela maioria dos surtos de ebola na África Central.

Os pesquisadores identificaram centenas de mutações genéticas que, em conjunto, sugerem que a variante do oeste divergiu da cepa do centro africano e se estabeleceu em um nicho ecológico distinto entre 25 e 150 anos atrás, talvez até antes.

Em setembro, 58 pesquisadores de Harvard, do MIT e do Instituto Broad, entre outras instituições, relataram resultados de sequenciamento de um grupo muito maior de vírus do ebola no surto da África Ocidental. Eles dizem que a divisão genética ocorreu mais recentemente, em torno de 2004.

Mesmo assim, as pistas científicas de décadas não devem ser descartadas, de acordo com vários especialistas. O ebola pode estar mais profundamente enraizado na África do que se supunha.

Jens H. Kuhn, virologista no Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos, apontou para a detecção de possíveis anticorpos de ebola na República Democrática do Congo na década de 80, dizendo que essas conclusões esboçadas agora parecem premonitórias. Esse país, antes chamado de Zaire, teve oito surtos de ebola desde então, o mais recente no ano passado.

“Essas pistas precisam ser seguidas. Elas podem elevar o nível de vigilância”, disse Kuhn.

E Stephen S. Morse, especialista em doenças infecciosas da Universidade de Columbia em Nova York, disse que agora provavelmente o ebola está dormente nas selvas da África Ocidental.

Talvez, segundo ele, anos de encontros entre as pessoas e o vírus tenham produzido um número relativamente pequeno de casos humanos que nunca foi identificado e que nunca se espalhou: “Nenhum deles acordou e causou estrago”.

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