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O reverendo Randall Christy estava sentado no anfiteatro da “Grande Peça da Paixão”, mas falava sobre problemas mais contemporâneos na “cidade amiga dos gays” na montanha.

Christy e seus aliados alegam que os visitantes cristãos são a base do setor de turismo em Eureka Springs, um balneário da era vitoriana com 2.100 habitantes no Arkansas.

Há quase 50 anos, esses visitantes vêm assistir à Peça da Paixão, a representação ao ar livre dos últimos dias de Jesus que é montada neste anfiteatro de 4.000 lugares.

Mas nos últimos anos, segundo Christy, esses turistas ficaram mais relutantes em visitar Eureka Springs por causa das iniciativas para promover a cidade como “capital gay das montanhas Ozark”.

“Eu acho um erro”, disse Christy, que é pastor da Igreja Batista Union Valley, em Ada, Oklahoma, e fundador de uma rede de rádio evangélica que transmite a Peça da Paixão sem fins lucrativos desde o final de 2012. “Um destino de férias familiares deveria ser novamente o motor desta cidade.”

Há poucos lugares onde a luta entre valores tradicionais e direitos gays se desenrole como em Eureka Springs, uma cidade do “Cinturão da Bíblia” que é ao mesmo tempo um refúgio para os liberais e um destino para os devotos.

A cidade talvez seja mais conhecida por uma estátua de mais de 20 metros na encosta da montanha, chamada “Cristo das Ozarks”, erguida em 1966 pelo fundador da Peça da Paixão, Gerald L. K. Smith, um pregador antissemita.

Mas também é uma cidade que criou um registro de parceiros domésticos em 2007 e onde os gays são bem-vindos, de acordo com um lema não oficial de que Eureka Springs é um lugar “onde os desajustados se encaixam”.

Recentemente, porém, o debate sobre um novo decreto antidiscriminação se emaranhou com as questões de identidade cívica e sobrevivência econômica.

O regulamento, aprovado em fevereiro pelo Conselho Municipal, de tendência liberal, busca proteger os gays e outras pessoas contra a discriminação na habitação, no emprego, em empresas e serviços municipais.

Uma lei estadual que entrará em vigor neste verão proibirá as cidades de aplicar medidas antidiscriminatórias, mas o prefeito de Eureka Springs, Robert Berry, disse acreditar que a questão acabará nos tribunais. Os conservadores locais não estão esperando, porém, e forçaram um referendo municipal sobre o decreto.

A campanha dos conservadores se concentrou no turismo, que tem sido o único setor substancial da cidade desde o século 19, quando americanos afluíam para cá por acreditar que água tivesse propriedades curativas especiais.

“Se você pensa que os turistas ficarão entusiasmados com a possibilidade de suas esposas, filhas e namoradas dividirem o banheiro com um homem que se diz ‘transgênero’ só para se divertir um pouco às custas da senhoras, você não conhece os turistas e não conhece os agressores sexuais”, dizia um anúncio de jornal.

Ao mesmo tempo, um site que promove o turismo gay, Out in Eureka, já começou a incluir um trecho do decreto em seu argumento de que a cidade é “a antítese do estereótipo caipira careta” e “um microcosmo de San Francisco”.

Ele diz que os gays podem se sentir à vontade junto com “personagens coloridos, desajustados, excêntricos e individualistas”.

Os apoiadores do decreto afirmam que a Peça da Paixão não é a única atração da cidade. Segundo eles, um leque diversificado de turistas vem comprar curiosidades, visitar galerias de arte e aproveitar a beleza das montanhas Ozark e o encanto da cidade que parece congelada na era vitoriana.

O vereador James DeVito disse que a administração da Peça da Paixão demorou para se adaptar às novidades, recusando-se a realizar shows de rock cristão que viraram moda entre jovens fiéis.

Outros apoiadores da medida dizem que a atração, que vai de maio a outubro, estava prestes a falir quando Christy assumiu sua direção. Segundo Christy, hoje ela atrai 50 mil visitantes por ano.

Philip Wilson, pastor da Primeira Igreja Cristã, afirma que os adversários da medida estão sendo retratados injustamente como intolerantes, e concorda que as mudanças correm o risco de prejudicar o turismo cristão.

Muitos gays se mostraram decididos. “É pura discriminação”, disse Zeek Taylor, um pintor que cresceu colhendo algodão no campo em Arkansas. “Eu tenho 68 anos e não suportarei mais isso.”

Christy disse que está rezando pela união. “Eu amo as pessoas daqui, e apenas espero que encontremos uma solução para curar a comunidade”, disse ele. “Porque é disso que Deus gostaria.”

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