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Se você achava que os reality shows da TV já haviam ultrapassado os limites da imaginação e do bom gosto, um programa que foi ao ar neste mês na República Tcheca estabelece uma nova fronteira.

Em “Férias no Protetorado”, série de oito episódios exibida na televisão pública do país, três gerações de uma família fazem uma “viagem no tempo” até uma fazenda remota, em 1939, quando invasores alemães transformaram o país no Protetorado da Boêmia e Morávia.

Lá, os participantes precisam não apenas sobreviver aos rigores da vida rústica, usando utensílios antiquados e sem encanamento dentro das casas, mas também enfrentar a vida sob o regime nazista.

As tropas alemãs (representadas por atores) chutam suas portas no meio da noite. Os moradores da região os delatam a Gestapo. O alimento é escasso. As condições são brutais.

Se sobreviverem às oito etapas e dois meses de gravações, os participantes podem ganhar até US$ 40 mil, dependendo do seu desempenho em tarefas semanais como ordenhar uma vaca.

O programa atraiu uma audiência substancial para os padrões da TV pública tcheca —cerca de 500 mil espectadores no primeiro dia, metade do que seria a audiência esperada num programa de sucesso de uma emissora comercial—, mas também motivou reações inflamadas contra o uso de um período tão sombrio num formato televisivo de entretenimento frequentemente associado às irmãs Kardashian.

“Eu esperava chamar um pouco a atenção”, disse Zora Cejnkova, diretora do reality. “Afinal de contas, é por isso que fazemos um programa. Mas [a repercussão] foi bem extraordinária.”

O programa foi criticado por historiadores de todo o mundo.

Uma reação típica veio de um colunista do “The Times of Israel”, que escreveu: “Felizmente para a família, eles não serão tratados como os 82.309 judeus que viviam no protetorado” e foram deportados para campos de concentração.

Essa crítica, dizem os criadores da série, baseia-se numa reação emotiva à ideia, não numa avaliação após assistir ao resultado real. “Esse é um tema um pouquinho polêmico”, disse Petr Dvorak, diretor do canal. “Mas mesmo um assunto tão sério pode ser apreciado de uma maneira nova. Podemos educar as pessoas sobre a vida nesse período de uma forma que elas queiram acompanhar.”

De fato, as críticas ao programa foram abrandadas depois que ele foi ao ar, mas muitos historiadores, entre outros na República Tcheca, permanecem céticos quanto à proposta.

“Não tem nada a ver com a história ou com contar as histórias daquela época”, disse Mikulas Kroupa, diretor da ONG Post Bellum, de Praga, que reúne reminiscências de pessoas que vivenciaram a guerra. “É só um jogo.”

Cejnkova disse que o problema talvez esteja, acima de tudo, em descrever o programa como um reality show, pois isso, segundo ela, implica uma abordagem mais frívola. Um termo melhor seria “docurreality” ou “drama de situação”.

Sim, admitiu ela, há pessoas reais que realizam tarefas para ganhar prêmios. E o programa, certamente, é feito para ser divertido. Mas também se propõe a educar os espectadores tchecos sobre a vida durante aqueles tempos difíceis. “Queremos que os espectadores se perguntem: ‘O que eu faria nesta situação?’”, disse ela.

Cejnkova disse que teve a ideia do programa ao pensar nas lembranças da ocupação nazista contadas por sua avó. “Tudo era assistido, monitorado e supervisionado.”

Ao mesmo tempo, Dvorak estava pensando em introduzir um formato conhecido como “história viva”, que surgiu na TV britânica e já foi copiado em outros países. Nele, as pessoas são transplantadas para simulações de períodos históricos. E o canal estava à procura de uma forma de celebrar os 70 anos do final da Segunda Guerra Mundial.

Assim, surgiu “Férias no Protetorado”. Mais de 600 famílias se candidataram a participar, sem saber exatamente qual período histórico o programa mostraria. A série foi gravada durante mais de dois meses, em meados de 2014, numa remota propriedade rural dos montes Beskydy, no leste da Morávia.

Stanislav Kokoska, especialista no período histórico do protetorado, disse que os produtores poderiam ter tido a sensibilidade de escolher outra época. “A memória das pessoas que pereceram durante esse período é considerada sagrada”, afirmou.

Para Kokoska, é absurda a ideia de que o programa revelaria a forma como pessoas contemporâneas reagiriam nessa situação. “Elas sabem que não serão mortas”, disse ele. “Por isso, podem desempenhar um papel e se mostrar como heróis.”

Há momentos no programa em que a família retruca aos oficiais da Gestapo, o que, segundo historiadores, raramente acontecia. “É verdade, não é possível recriar o temor pela própria vida”, disse Cejnkova. “E, claro, não queremos isso. Seria ir além dos limites da ética.”

A família está contratualmente proibida de falar à imprensa enquanto o programa estiver sendo exibido.

No entanto, Petr Klimes, ator tcheco de teatro e televisão que interpreta o chefe da Gestapo, falou com entusiasmo em defesa do programa.

“Eu estava preocupado de que fosse um bom programa, caso contrário eu não participaria”, afirmou. “E acho que posso verificar, pelas reações dos meus próprios filhos, que ele realmente funciona. Eles estão aprendendo com ele.”

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