• Carregando...
Thiago Castanho vasculha ruas e florestas para encontrar os ingredientes de suas “criações sublimes” | lalo de almeida PARA The New York Times
Thiago Castanho vasculha ruas e florestas para encontrar os ingredientes de suas “criações sublimes”| Foto: lalo de almeida PARA The New York Times

Para começar bem a experiência no laboratório de revelações culinárias amazônicas de Thiago Castanho, dê um gole no coquetel que leva sua assinatura, feito de cachaça e jambu, uma erva com propriedades analgésicas e com flores que lembram globos oculares amarelos e cor-de-rosa. Relaxe e deixe o jambu criar uma sensação agradável de formigamento em sua língua.

Depois vá para a comida. Experimente o pão chato de mandioca com camarões secos ou um queijo de leite de búfala. Passe em seguida para pratos como o mapará defumado, um peixe com gosto de enguia, e encerre a refeição com uma sobremesa de cupuaçu salpicado com farinha de mandioca e o fruto do babaçu.

As ambições de Castanho são claras. Ele quer mostrar ao mundo que o manancial de ingredientes pouco conhecidos encontrados na Amazônia tem o potencial de virar do avesso a culinária do maior país da América Latina.

"Quando as pessoas pensam na Amazônia, visualizam a floresta que se estende a perder de vista", disse Castanho. "Elas esquecem que humanos vivem na Amazônia há milhares de anos e que, durante todo esse tempo, experimentaram os ingredientes que estavam ao seu alcance", falou o chef em seu restaurante, o Remanso do Bosque. "Está na hora de o resto do mundo ser exposto a algumas dessas criações sublimes."

Castanho, 26, estudou numa escola de culinária em Campos do Jordão, no sudeste do Brasil, mas optou por voltar para sua cidade natal, Belém, situada 2.400 quilômetros ao norte de São Paulo e com população metropolitana de 2,2 milhões de pessoas.

Ele se tornou um dos chefs mais inovadores do Brasil, promovendo um renascimento culinário em Belém, cidade que foi centro do ciclo da borracha amazônica, mas viveu um declínio prolongado no século 20. "Thiago vem aqui alguns dias, sempre negociando os peixes mais frescos", comentou a vendedora de peixes Brasiliana da Silva, 53, no mercado de Ver-o-Peso, em Belém, onde todas as manhãs por volta das 4h chegam barcos trazendo delícias como o tambaqui, grande peixe onívoro de água doce cujas costelas assadas dão um banquete suculento.

Poucos lugares no Brasil oferecem ingredientes tão singulares para uma cozinha de "terroir" como o Ver-o-Peso, cujo nome vem das grandes balanças em que são pesados produtos que chegam de todas as partes da Amazônia. Aqui, peixes de todos os tamanhos e formatos são vendidos ao lado de frutos da floresta como o bacuri, de sabor doce e azedo, ou o esverdeado uxi, de forma ovalada.

É também no Ver-o-Peso que Thiago Castanho compra açaí, a frutinha roxa que é uma das bases da alimentação regional.

Enquanto os cariocas geralmente consomem açaí em vitaminas, Castanho, neste caso, prefere seguir a tradição, usando a fruta para fazer um creme espesso, não adoçado, com gosto terroso, ou salpicada com farinha de mandioca sobre peixe fresco.

A inspiração de muitos dos pratos do chef vem das ruas de Belém, cidade quatrocentona onde a selva parece estar sempre tentando reconquistar a primazia.

Por exemplo, tantas mangas caem das mangueiras de Belém que os motoristas reclamam de os mecânicos da cidade lucrarem com o conserto de carros danificados pela queda das frutas.

Quando era garoto, Castanho entregava pizzas da pizzaria de seu pai em Belém. Mas mergulhou nas tradições culinárias da cidade quando seus pais abriram o restaurante Remanso do Peixe, servindo comida paraense.

Depois de cursar escola de culinária, ele se mudou para Lisboa para trabalhar com o chef Vitor Sobral, famoso por revigorar a cozinha portuguesa, antes de retornar a Belém e abrir o Remanso do Bosque.

O menu de degustação da casa, com 12 pratos, custa R$ 150 por pessoa, mas numa noite recente de sexta-feira o restaurante, com 130 lugares, estava lotado. Em menos de três anos, o Remanso do Bosque entrou para o grupo dos restaurantes mais bem cotados da América Latina.

"Thiago está divulgando a ideia de que o futuro da culinária pode estar mais na diversidade de ingredientes que na experimentação técnica e que a Amazônia ocupa posição singularmente boa para seguir por esse caminho", disse o sociólogo Carlos Alberto Dória, que escreve sobre as tradições alimentares brasileiras.

Às vezes a busca por inovação envolve incursões na floresta em volta de Belém. Em uma viagem de barco no rio Guamá até a ilha do Combu, uma ilha coberta de floresta onde famílias de ribeirinhos garantem sua subsistência colhendo frutos como a pupunha e o açaí, Castanho encarou enxames de carapanãs, mosquito da região.

Com o desmatamento voltando a aumentar e grandes barragens sendo construídas, Castanho vê o aumento da demanda por alimentos da floresta como uma potencial alternativa para o desenvolvimento sustentável de partes da região, começando pelo cacau orgânico cultivado na ilha do Combu. "Por que a Suíça deveria ser gigante no mundo do chocolate quando ela não produz cacau?", perguntou. "Aqui na Amazônia temos todos os ingredientes que precisamos para produzir uma culinária de classe mundial. Talvez, para levar as coisas ao próximo nível, só seja preciso um pouco de imaginação."

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]