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Paralisada da cintura para baixo, Daw Aye Kyi era pesada demais para a filha e a neta a carregarem para a mata vizinha quando uma multidão budista se lançou sobre este vilarejo de plantadores de arroz em busca de muçulmanos.

Três homens empunhando facões e facas ignoraram pedidos de misericórdia e golpearam Aye Kyi. A filha e a neta fugiram. Várias horas mais tarde, o corpo de Aye Kyi foi encontrado, curvado ao lado das cinzas de sua casa de madeira. Segundo a polícia, ela foi esfaqueada seis vezes. Ela tinha 94 anos de idade.

Aye Kyi foi um dos cinco muçulmanos mortos no ataque a Thabyu Chaing, em outubro, numa violência que também destruiu mais de dez casas. Até agora, nesse ano e meio de violência esporádica entre budistas e muçulmanos, mais de 200 pessoas, na maioria muçulmanos, perderam a vida.

Entretanto, o assassinato de uma idosa impotente – e os episódios seguintes – é um dos símbolos mais desoladores da amplidão dos sentimentos antimuçulmanos neste país de maioria budista, com a falta de compaixão pelas vítimas e o fato de que as forças de segurança não impediram as mortes.

A imprensa controlada pelo governo relatou as mortes como "fatalidades" sem oferecer mais detalhes. E embora o presidente da democracia nascente tenha determinado que seu gabinete investigasse as mortes, não houve um protesto nacional.

"Para uma cultura que tem tanto respeito pelos idosos, a morte dessa senhora deveria ter sido um momento de virada, um momento nacional de introspecção", avaliou Richard Horsey, antigo representante da ONU no país. "O fato de que isso não tenha acontecido é quase tão perturbador quanto a morte em si."

A violência que varreu este povoado levou consigo os vestígios finais do que até muito recentemente havia sido um lugar pacífico, onde muçulmanos e budistas coexistiram durante gerações antes que o afrouxamento da mão de ferro da antiga junta militar liberasse alguns dos demônios de Mianmar.

Aparentemente, o fósforo que acendeu a violência em Thabyu Chaing, no Estado ocidental de Rakhine, foram os ensinamentos de um grupo budista radical, o 969, que o governo permite que pregue o ódio e amplie sua influência por todo o interior.

Depois de cinco décadas de governo militar, Mianmar continua sendo um país bastante militarizado, onde o exército chega a meio milhão de homens e agentes da inteligência à paisana estão em todos os cantos. Mesmo assim, as forças de segurança se mostraram relutantes ou incapazes de deter a multidão budista.

O fato de a violência de primeiro de outubro não ter sido contida foi inoportuno para o presidente de Mianmar, U Thein Sein, que visitava a área. Sob as ordens de seu gabinete, a investigação da violência parece ter gerado resultados mais imediatos do que nas matanças anteriores; mais de 70 pessoas, incluindo perto de 50 budistas, foram presas, segundo a polícia.

Durante entrevista, U Einda Sara, abade de um grande templo budista em Mianmar, ofereceu uma versão da morte da mulher de 94 anos que contrasta nitidamente com os relatos policiais.

O abade afirmou Aye Kyi "fugiu e morreu por falta de oxigênio". Ainda segundo ele, o corpo deve ter sido mutilado por companheiros muçulmanos interessados em prejudicar a imagem dos budistas.

O abade justificou a morte de muçulmanos alegando que foi em autodefesa. "Se você encontra um tigre, você foge se for possível", afirmou o religioso. "Porém, se você não consegue fugir, é preciso reagir."

Wai Moe colaborou com esta reportagem em Yangon, Mianmar

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