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Um curdo iraquiano descreveu na terça-feira, diante do tribunal que julga o ex-ditador Saddam Hussein por genocídio, como aviões lançaram um gás venenoso com cheiro de maçã podre sobre seu vilarejo. No mesmo dia, assessores do líder deposto defenderam a campanha realizada pelo governo dele contra rebeldes curdos.

Em Bagdá, no segundo dia do segundo julgamento envolvendo Saddam Hussein, a primeira testemunha do caso, Ali Mustafa Hama, disse:

- Os passarinhos estavam voltando para seus ninhos. Vi de oito a 12 jatos patrulhando o céu. As bombas deixaram uma fumaça meio verde. O cheiro era de maçã podre ou de alho. As pessoas começaram a vomitar. Ficamos cegos. Começamos a gritar. Ninguém podia nos salvar, apenas Deus.

A defesa, ao interrogar a testemunha, perguntou como ele poderia dizer com certeza que se tratava de aviões iraquianos e levou Hamas a admitir que havia dado abrigo a guerrilheiros em seu vilarejo. O próprio Saddam questionou a testemunha, perguntando:

- Quem mandou você falar essas coisas?

Dois dos ex-comandantes das Forças Armadas do Iraque, que estão entre os seis co-réus acusados de crimes de guerra junto com Saddam, tiveram permissão para dar declarações breves, defendendo-se.

Os dois apresentaram a Operação Anfal (Espólios de Guerra), realizada em 1988, como uma resposta legítima aos curdos iraquianos que tinham se aliado ao Irã para enfrentar o governo do Iraque.

- Os iranianos e os curdos estavam lutando lado a lado contra as forças iraquianas - disse o ex-chefe da inteligência militar Sabir al-Douri, lembrando da Guerra Irã-Iraque (1980-1988), quando as forças de Saddam enfrentaram os dirigentes islâmicos do país vizinho com o apoio tácito dos EUA.

Em uma declaração que aponta para o centro da tensão sectária que cerca o julgamento do governo de Saddam, secular e dominado pelos sunitas, Douri lembrou-se de ter dito a um amigo, à época, que só seria julgado se "o Irã ocupar o Iraque".

Muitos integrantes da minoria sunita do país apontam para a subida ao poder da maioria xiita, ocorrida após a deposição de Saddam, como uma ocupação encabeçada pelo Irã, um país xiita. Nesse cenário, há dúvidas sobre se o ex-ditador e seus assessores poderão ser julgados de forma justa.

Saddam e Ali Hassan al-Majid, um primo dele, são acusados também de genocídios pela operação Anfal. Majid ganhou o apelido de "Ali Químico" depois de realizar os ataques com gás venenoso contra o norte iraquiano.

Hama, uma das testemunhas convocadas pela promotoria, descreveu fatos ocorridos quase um ano antes do lançamento formal da campanha militar, no vale de Balisan (ao norte da cidade de Sulaimaniya).

Nascimento e morte

Falando em curdo, Hama, que tem cerca de 50 anos, lembrou o dia 16 de abril de 1987:

- Havia duas mulheres. Uma delas estava grávida. Quando ela deu à luz, a pequena criança tentava ver o mundo. Então, ela respirou o gás venenoso e morreu.

Ao contrário de muitas testemunhas do primeiro julgamento de Saddam, por crimes contra a humanidade devido ao assassinato de 148 homens xiitas em Dujail, Hama não tentou esconder sua identidade do ditador que governou o Iraque durante três décadas. Mas, ao ser questionado sobre quem considerava responsável pelos inocentes mortos, ele não citou o nome de Saddam, a quem se referiu afirmando:

- A pessoa que estava governando o Iraque na época.

Na segunda-feira, primeiro dia do julgamento, ao menos um advogado de defesa falou por meio de um microfone que distorcia sua voz e não apareceu diante das câmeras de TV. Três integrantes da equipe de defesa envolvida no processo de Dujail foram mortos, alimentando acusações de perseguição sectária.

No seu segundo julgamento, Saddam não quis declarar-se culpado ou inocente e chamou a corte de um instrumento da ocupação. O juiz xiita encarregado de comandar o caso registrou uma declaração de inocência em nome de Saddam.

Tentando provar que a campanha era semelhante a um genocídio da minoria curda do Iraque, os promotores contaram que vilarejos tinham sido destruídos e seus moradores, forçados a irem para campos de detentos, mortos a tiros, torturados e estuprados. Na segunda-feira, a acusação disse que a campanha deixou mais de 180 mil vítimas.

Uma sentença sobre o processo de Dujail deve ser divulgada em outubro. O ex-ditador iraquiano, de 69 anos, pode ser condenado à morte nos dois casos. Mas Saddam pode enfrentar vários outros julgamentos, atrasando sua eventual execução por anos e levantando a possibilidade de que, como aconteceu com o ex-líder iugoslavo Slobodan Milosevic, morra na prisão.

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